Afetividade e Vontade: Conceitos e Alterações Psicopatológicas


Afetividade e Vontade: Conceitos e Alterações Psicopatológicas


Introdução

A afetividade, concebida como a fronteira entre percepção e afeição, sensação e sentimento, e conhecimento cognitivo e experiência emocional, impacta a totalidade do indivíduo. Essa demarcação também estabelece o limite entre a identidade do Eu e a alteridade do Não-Eu. A psicopatologia clássica distingue cinco tipos básicos de vivência afetiva, e as alterações nesses domínios, bem como na volição, são cruciais para a compreensão dos transtornos mentais.


Conceitos Fundamentais da Afetividade

A afetividade, segundo alguns autores, é a linha divisória entre os processos de percepção e afeição, a distinção entre a sensação e o sentimento, e a fronteira entre o conhecimento cognitivo e a experiência emocional. Essa demarcação estabelece o limite entre a identidade do Eu e a alteridade do Não-Eu, abrangendo um domínio que impacta a totalidade do indivíduo. A psicopatologia clássica distingue cinco tipos básicos de vivência afetiva:

  • Humor: Também denominado estado de ânimo ou tônus afetivo, representa a síntese dos diversos afetos presentes na consciência de um indivíduo, estabelecendo a base e o fundamento da sua experiência psíquica. Caracteriza-se por ser difuso, apresentar potencial de oscilação entre polos como alegria e tristeza, e possuir uma fundamentação somática.
  • Emoção: Consiste em uma reação afetiva de natureza súbita e breve, deflagrada em resposta a um estímulo específico, acompanhada de alterações somáticas que podem desestabilizar a unidade psíquica do indivíduo. As emoções se caracterizam por sua intensidade, natureza aguda, abrangência global e curta duração temporal.
  • Sentimento: Configura-se como um estado afetivo de menor intensidade, com reações somáticas atenuadas e de natureza arbitrária, em virtude de sua estreita vinculação com as funções cognitivas e o contexto cultural do indivíduo.
  • Afeto: Refere-se à maneira como um indivíduo se sente emocionalmente impactado diante de uma ideia ou representação mental.
  • Paixão: Consiste em um estado afetivo de intensidade extrema e duração prolongada, com ampla repercussão no psiquismo do indivíduo. Caracteriza-se pela concentração da atenção e do interesse em um único objeto, resultando em prejuízo do pensamento lógico e da capacidade de imparcialidade.

Alterações da Afetividade

Alterações do Humor

Para designar qualquer forma de alteração do humor, seja caracterizada por inibição ou exaltação, utiliza-se o termo genérico distimia (o termo distimia pode ser empregado para designar qualquer modalidade de alteração do humor, incluindo a hipotimia).

  • Disforia: Refere-se à distimia caracterizada pelo estado de humor denominado “mau-humor”.
  • Hipotimia: Caracterizada pelo humor presente nos estados depressivos (tristeza profunda, desesperança e angústia), é também designada como distimia por alguns autores.
  • Hipertimia: Manifesta-se como o estado de humor característico dos estados maníacos, marcado por alegria e exaltação extremas, podendo assumir as formas de euforia ou elação.
    • Euforia: Consiste em um estado patológico de alegria intensa e desproporcional em relação às sensações vivenciadas.
    • Elação: Representa um estado de euforia de maior intensidade, incorporando as características da euforia e acrescido de expansão do ego, sensação de grandiosidade e percepção de poder sobre o mundo.
  • Irritabilidade: Manifesta-se por uma reatividade exacerbada, na qual o indivíduo exibe um comportamento desagradável, hostil e agressivo.
  • Puerilidade: Refere-se a um estado de humor infantilizado, rudimentar, e denota regressão a padrões emocionais da infância.

Alterações da Emoção

A característica distintiva de uma emoção patológica reside na sua inabilidade em contribuir para a preservação da vida do indivíduo, aliada a uma manifestação de intensidade desproporcional ao estímulo desencadeador.

DefiniçãoObjetoSintomas
MedoReação fisiológica normal diante de um risco de vida. Existe, está no presente, é preciso e proporcional ao estímulo. Medo de algo ou alguma coisa.Fuga ou luta.
FobiaReação fisiológica do medo, eliciada por um objeto que, naturalmente, não causaria risco de morte. Existe, mas é visto como mais terrível do que o normal.Fuga ou luta.
AnsiedadeEstado de humor desconfortável, negativo e inquieto com relação ao futuro. Existe como um problema e está no futuro.Inclui reações fisiológicas como dispneia, taquicardia, vasoconstrição, inquietação.
AngústiaReação associada à condição humana e sua existência, liberdade, escolhas de vida. Não se sabe ao certo e está no passado.Aperto no peito e na garganta, com sensação de sufocamento.

As alterações psicopatológicas do medo podem ser classificadas da seguinte forma:

  • Fobia ou fobia simples: Caracteriza-se por um temor exacerbado e significativo frente a um objeto ou situação que, em condições normais, não representaria uma ameaça iminente à integridade física do indivíduo.
  • Fobia social: Refere-se a um temor desmedido e significativo em relação a situações de interação social.
  • Agorafobia: Caracteriza-se por um temor excessivo e irracional em relação a locais com grande concentração de pessoas, motivado pela apreensão de perder a capacidade de movimentação ou de encontrar uma via de saída.
  • Pânico: Crises de ansiedade agudas e intensas que se manifestam com apreensão extrema de morte, acompanhada por reações fisiológicas como taquicardia, sudorese e dispneia. O início do episódio é usualmente indefinido para o paciente, e a sensação de despersonalização ou desrealização pode persistir por um período subsequente ao ataque.

Alterações dos Sentimentos

As alterações psicopatológicas dos sentimentos são:

  • Apatia: Observa-se uma redução na capacidade subjetiva de experimentar excitação ou de reagir emocionalmente a estímulos afetivos. Os pacientes não relatam dificuldades em vivenciar alegria ou tristeza.
  • Anedonia: Consiste na redução ou perda da capacidade de sentir prazer em atividades que anteriormente eram consideradas prazerosas.
  • Sensação de falta de sentimento: Refere-se à percepção da perda da capacidade de experimentar emoções, associada a um sofrimento derivado dessa perda. Frequentemente, o paciente descreve um sentimento de vazio interior ou de morte.

Alterações da Paixão

  • Ciúmes: Caracteriza-se pelo temor de perder o vínculo com a pessoa ou o objeto de afeição. Em manifestações extremas, o ciúme pode apresentar-se como uma avaliação crítica desproporcional em relação ao indivíduo ou objeto de desejo.
  • Inveja: Manifesta-se como um sentimento de raiva e mal-estar emocional suscitado pela posse ou qualidades de outrem que se almejam para si. A gênese desse sentimento pode estar intrinsecamente ligada a um desejo egóico de merecimento, frequentemente subjacente a uma vulnerabilidade narcísica decorrente de baixa autoestima e apreensão de não ter sido aceito ou considerado suficiente pelas figuras de afeto primárias durante a infância.
  • Dependência amorosa: Configura-se como um estado passional instável, caracterizado por uma tolerância exacerbada em relação ao objeto de necessidade e por uma vinculação de natureza sexual. Indivíduos que vivenciam a dependência amorosa frequentemente relatam um sentimento de absorção intensa, acompanhado de dificuldade em estabelecer limites egoicos.

Volição: O Processo da Vontade

A volição, sinônimo de vontade, configura-se como uma intrincada interação entre instintos, afetos e processos cognitivos. Na psicopatologia clássica, o ato volitivo é usualmente abordado sob a perspectiva do desejo ou da aversão de um indivíduo, permeado por influências afetivas, de aprendizado, motivacionais ou inconscientes. Dalgalarrondo (2019) descreve a vontade como um processo sequencial constituído por quatro fases distintas:

  • Intenção: Caracteriza-se como uma propensão e um interesse direcionados a um objeto específico.
  • Deliberação: Consiste na avaliação consciente dos potenciais benefícios e malefícios inerentes à escolha.
  • Decisão: Representa a eleição consciente e definitiva em direção à concretização da vontade.
  • Execução: Refere-se ao processo psicomotor resultante da decisão previamente tomada e concernente ao objeto de interesse do indivíduo.

Alterações da Vontade

  • Hipobulia: Manifesta-se como uma redução da volição no indivíduo, frequentemente associada a quadros clínicos de apatia, fadiga acentuada e comprometimento na capacidade de tomada de decisões.
  • Abulia: Caracteriza-se pela perda ou suspensão da vontade, distinguindo-se da indiferença ou de estados relacionados a exercícios espirituais.
  • Impulsividade: Manifesta-se por atos psicomotores automáticos, desprovidos de deliberação e decisão prévias. Tais atos são frequentemente considerados egossintônicos e são característicos de indivíduos com comportamento explosivo e baixa tolerância à frustração.
  • Compulsividade: Compreende atos psicomotores de natureza impulsiva, contudo, revestidos de caráter egodistônico, nos quais o indivíduo empreende esforços para resistir, controlar ou postergar sua ocorrência. Frequentemente, esses atos são percebidos como intrusivos e tendem à repetição. Observa-se uma dificuldade em interromper a ação em curso, acompanhada de uma predominância da motivação para evitar riscos e sofrimento.

Dalgalarrondo descreve transtornos mentais caracterizados pela predominância de atos compulsivos e impulsivos:

  • Transtorno obsessivo-compulsivo.
  • Transtorno dismórfico corporal.
  • Transtorno de acumulação ou colecionismo.
  • Tricotilomania.
  • Transtorno de escoriação.
  • Uso e dependência de substâncias.
  • Uso e dependência de jogos e internet.
  • Transtorno da personalidade borderline.
  • Transtorno explosivo intermitente.
  • Transtorno de personalidade antissocial.
  • Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
  • Transtorno disruptivo de regulação do humor.

A manifestação de comportamentos impulsivos e compulsivos transcende a apresentação isolada, frequentemente integrando o quadro sindrômico de diversas outras condições psicopatológicas. Visando uma organização sistemática para melhor compreensão clínica, estes fenômenos podem ser agrupados em cinco categorias distintas.

Impulsos e Compulsões Agressivas Auto/Heterodestrutivas

  • Automutilação: Impulso de machucar-se.
  • Frangofilia: Impulsividade intensa de destruir coisas.
  • Piromania: Impulsividade em atear fogo.

Impulsos e Compulsão de Ingestão

  • Bulimia: Caracterizada pela ingestão rápida e em grande quantidade de alimentos, seguida por sentimentos de culpa e adoção de medidas compensatórias purgativas (vômitos autoinduzidos ou uso de laxantes).
  • Dipsomania: Impulso de consumir rapidamente grandes volumes de álcool, a ponto de induzir perda de consciência ou amnésia lacunar.
  • Potomania: Consiste em um impulso compulsivo para a ingestão de água, mesmo na ausência de sede fisiológica.

Impulsos e Compulsões Relacionadas ao Comportamento Sexual

  • Pedofilia: Impulso sexual com crianças ou púberes.
  • Gerontofilia: Impulso sexual com idosos, de modo desproporcional à idade.
  • Exibicionismo: Impulso de mostrar os órgãos sexuais.
  • Voyerismo: Impulso de obter prazer olhando outras pessoas no ato da relação sexual.
  • Fetichismo: Impulso sexual em determinadas partes de vestimentas ou partes do corpo.
  • Zoofilia: Impulso sexual dirigido a animais.
  • Necrofilia: Impulso sexual dirigido a cadáveres.
  • Coprofilia: Impulso sexual que obtém prazer com o uso de excrementos no ato sexual.
  • Uso de clisteres: Utilização de objetos bizarros introduzidos nos órgãos sexuais.
  • Ninfomania ou satiríase: Impulso sexual aumentado na mulher ou no homem, geralmente causado pela fase maníaca em um transtorno bipolar.

Outros Impulsos e Compulsões

  • Cleptomania: Impulso de furtar objetos sem qualquer objetivo.
  • Jogo patológico: Compulsão em jogos de azar, apesar dos prejuízos financeiros e sociais.
  • Compulsão por compras: Impulso de comprar sem considerar a utilidade e possibilidade financeira, normalmente associado à busca de alívio para a ansiedade e seguido de sentimento de culpa.

Outras Alterações da Vontade

  • Negativismo: Comportamento opositor ou de resistência automática e obstinada a todos os pedidos dirigidos a ele, não colabora com condutas médicas e se opõe a relacionamentos interpessoais.
  • Obediência automática: O sujeito atende a todas as solicitações de pessoas à sua volta, chegando a perder autonomia e vontade.
  • Fenômenos de eco: Impulso em repetir a última sílaba do interlocutor (ecolalia), gestos e atos (ecopraxia), fazer reações mímicas ao outro (ecomimia) ou repetir sua escrita (ecografia).
  • Automatismo: É o impulso psicomotor automático e involuntário, como o movimento de lábios, e o ajeitar-se com alguma estereotipia.