Hipercolesterolemia Familiar: Aspectos Clínicos e Fisiopatológicos
Introdução
A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma condição genética autossômica codominante, caracterizada por concentrações plasmáticas elevadas de lipoproteína de baixa densidade-colesterol (LDL-c) e ausência de hipertrigliceridemia. (1)
Diagnóstico Clínico
O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar é eminentemente clínico, pautado na detecção de hipercolesterolemia substancial, com níveis de LDL-c superiores a 190 mg/dL, na ausência de etiologias secundárias. Este quadro é corroborado pela presença de história familiar de hipercolesterolemia ou de doença coronariana de início precoce. A exclusão de causas secundárias significativas, tais como hipotireoidismo, síndrome nefrótica e doença hepática obstrutiva, é imperativa para a confirmação diagnóstica. (1)
Prevalência Epidemiológica
A prevalência inicial estimada da hipercolesterolemia familiar heterozigótica na população era de 1 em 500 indivíduos. Contudo, dados epidemiológicos mais recentes indicam uma frequência de aproximadamente 1 em 250 indivíduos, consolidando-a como o distúrbio monogênico mais comum em seres humanos. (1)
Manifestações Clínicas da HF Heterozigótica
Clinicamente, a HF heterozigótica manifesta-se por níveis plasmáticos elevados de LDL-c, que tipicamente variam entre 190 e 400 mg/dL, com concentrações de triglicerídeos (TGs) geralmente dentro dos limites de normalidade. Pacientes com HF heterozigótica apresentam hipercolesterolemia desde o nascimento, e o diagnóstico é frequentemente estabelecido durante o rastreamento lipídico de rotina ou mediante a identificação de uma anamnese familiar relevante. (1)
Achados físicos, embora não universalmente presentes, podem incluir arco corneano e xantomas tendíneos, particularmente notados no dorso das mãos e no tendão calcâneo. É comum que a história familiar desses pacientes revele a ocorrência de doença cardiovascular coronariana (DCC) prematura no ramo familiar afetado pela mutação genética. (1)
Fisiopatologia da Hipercolesterolemia Familiar
A hipercolesterolemia familiar é primariamente ocasionada por mutações genéticas que comprometem a funcionalidade do receptor de LDL. As mutações mais prevalentes ocorrem no gene do receptor de LDL (LDLR), resultando em uma redução na atividade do receptor hepático. Consequentemente, observa-se uma diminuição na taxa de depuração das lipoproteínas de baixa densidade (LDLs) da circulação sanguínea. (1)
O nível plasmático de LDL-c eleva-se até que a taxa de produção de LDL-c se equilibre com a depuração residual, mediada tanto pelo receptor de LDL quanto por mecanismos independentes. Os elevados níveis de LDL-c na HF são predominantemente atribuíveis a uma remoção tardia das LDLs do sangue. Adicionalmente, a depuração de lipoproteínas de densidade intermediária (IDL) também é retardada, contribuindo para um aumento na produção de LDLs a partir das IDLs. (1)
Padrão de Herança Genética
A hipercolesterolemia familiar é um distúrbio genético que segue um padrão de herança autossômica dominante. Isso implica que a condição é herdada de um dos genitores afetados, e existe uma probabilidade de aproximadamente 50% de que irmãos e filhos de um paciente afetado também apresentem HF. (1)
A severidade da disfunção do receptor de LDL é evidenciada pelo efeito de “dose gênica”: indivíduos com mutações em ambos os alelos do gene do receptor de LDL (homozigotos para HF ou heterozigotos compostos) exibem concentrações de LDL-c significativamente mais elevadas em comparação com aqueles que possuem apenas um alelo mutante (heterozigotos para HF). (1)
Implicações Clínicas e Risco Cardiovascular
A hipercolesterolemia familiar heterozigótica não tratada associa-se a um risco significativamente elevado de doença cardiovascular prematura. Homens não tratados com HF heterozigótica apresentam uma probabilidade de aproximadamente 50% de sofrer um infarto agudo do miocárdio antes dos 60 anos de idade, enquanto mulheres com a condição também enfrentam um risco substancialmente aumentado de eventos cardiovasculares. (1)
Referências Bibliográficas
- Jameson, J. L.; Fauci, A. S.; Kasper, D. L.; Hauser, S. L.; Longo, D. L.; Loscalzo, J. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.