Impactos Fisiológicos e Comportamentais do Trabalho em Turnos (Shift Work)

Impactos Fisiológicos e Comportamentais do Trabalho em Turnos (Shift Work)


Introdução

O trabalho em turnos, especialmente o noturno, configura-se como um potente cronodisruptor para o organismo humano, afetando o ritmo circadiano de aproximadamente 20% da população global. Essa disrupção está associada a uma série de alterações fisiológicas, metabólicas e comportamentais, com sérias implicações para a saúde a longo prazo.


Efeitos Metabólicos e Cardiovasculares

O trabalho noturno tem sido consistentemente associado ao aumento do risco de obesidade e sobrepeso (1). Trabalhadores de turnos noturnos exibem uma diminuição da Taxa Metabólica de Repouso (TMR) e, simultaneamente, um aumento na ingestão calórica. A alteração do ritmo circadiano interno e do comportamento alimentar exacerba a intolerância à glicose, ressaltando a importância do alinhamento entre esses ritmos para a manutenção da homeostase metabólica (3).

A ingestão de alimentos no período noturno, prática comum entre esses trabalhadores, tem sido relacionada à obesidade, independentemente do balanço energético total (2). Além disso, o trabalho em turnos está ligado a uma maior janela de tempo para a ingestão alimentar e à privação de sono, que por sua vez intensifica comportamentos alimentares negativos, como o aumento da fome e a alteração na distribuição de macronutrientes (4).

Em termos de saúde cardiovascular, trabalhadores de turnos possuem um risco elevado, manifestado por níveis aumentados de triglicerídeos e reduzidos de colesterol HDL (5). A incidência e o risco para doenças crônicas, como a síndrome metabólica, o diabetes, a hipertensão e doenças cardíacas, são significativamente maiores nessa população (4, 5).


Impacto na Qualidade da Dieta e Padrões de Alimentação

Diversos estudos indicam que trabalhadores noturnos tendem a adotar padrões alimentares menos saudáveis. Uma revisão demonstrou que eles apresentam maior consumo de cafeína, atrasam a última refeição do dia, têm irregularidade nos horários das refeições e menor ingestão de frutas e vegetais (4). Embora o consumo total de energia não mostre diferenças significativas em alguns estudos, a qualidade nutricional da dieta é comprometida (4).

Esses indivíduos têm uma menor adesão a dietas saudáveis, como a dieta mediterrânea, e consomem mais lanches industrializados, bebidas ricas em açúcares e álcool, e menos alimentos ricos em fibras (5). Dificuldades em preparar refeições saudáveis ou encontrar opções prontas devido aos horários não convencionais de trabalho também contribuem para a má qualidade da dieta (4).


Saúde Mental e Qualidade do Sono

O trabalho em turnos tem uma associação direta com a piora da qualidade do sono. Questionários como o PSQI (Pittsburgh Sleep Quality Index) revelam uma deterioração do sono em todos os seus componentes nessa população (4). A privação e a fragmentação do sono, que são consequências comuns do trabalho noturno, já são conhecidas por sua associação com problemas de saúde mental (4).

A alteração do ciclo circadiano pode impactar a regulação do humor e dos hormônios do estresse, como o cortisol e a melatonina, aumentando o risco para ansiedade e estresse (4). A fadiga crônica e as alterações de humor resultam em menor atenção e concentração, comprometendo o desempenho profissional (4). O estresse crônico, gerado pela irregularidade da rotina e pelo isolamento social, pode levar a alterações na função e estrutura cerebral, tornando esses trabalhadores mais suscetíveis à ansiedade e depressão (4).


Recomendações e Estratégias de Mitigação

Para minimizar os efeitos adversos do trabalho em turnos, é fundamental a implementação de estratégias que visem o acesso a alimentos saudáveis, o alinhamento dos horários de trabalho com o ciclo circadiano e o fornecimento de suporte para a saúde mental (4).

Do ponto de vista nutricional, a adequação do timing e do conteúdo das refeições é crucial (5). Estudos em ratos demonstraram que o consumo de alimentos durante a fase de sono altera o ritmo circadiano e genes metabólicos, resultando em maior ganho de peso (5). Em humanos, a simulação do trabalho noturno sugere que ajustes na quantidade e composição das refeições podem prevenir distúrbios cardiometabólicos. Refeições menores e menos calóricas parecem ser mais benéficas nesse contexto (5).


Referências Bibliográficas

  1. LAERMANS, J.; DEPOORTERE, I. Chronobesity: Role of the circadian system in the obesity epidemic. Obesity Reviews, v. 17, n. 2, p. 108–125, 2016.
  2. THOMAS, E. A. et al. Later meal and sleep timing predicts higher percent body fat. Nutrients, v. 13, n. 1, p. 1–17, 2021.
  3. AOYAMA, S.; SHIBATA, S. Time-of-Day-Dependent Physiological Responses to Meal and Exercise. Frontiers in Nutrition, v. 7, 2020.
  4. LOTTI, Sofia et al. Association between shift work and eating behaviours, sleep quality, and mental health among Italian workers. European Journal of Nutrition, v. 64, p. 97, 2025.
  5. PHOI, Yan Yin; KEOGH, Jennifer B. Dietary Interventions for Night Shift Workers: A Literature Review. Nutrients, v. 11, n. 10, p. 2276, 2019.