O Conceito de Crenças e sua Relação com a Depressão na Terapia Cognitivo-Comportamental


O Conceito de Crenças e sua Relação com a Depressão na Terapia Cognitivo-Comportamental


Introdução

As crenças representam os entendimentos mais profundos, muitas vezes tácitos, que indivíduos com depressão possuem sobre si mesmos, sobre os outros, sobre o mundo e o futuro. Essas ideias globais servem como base para a formação de pensamentos automáticos específicos e influenciam significativamente a percepção da realidade. (1)


Crenças Nucleares, Esquemas e Modos

As crenças nucleares são as ideias mais centrais que um indivíduo tem sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo. As crenças adaptativas são realistas, funcionais e não extremas. Por outro lado, as crenças nucleares disfuncionais são caracterizadas por rigidez e absolutismo, sendo mantidas por um processamento de informações mal-adaptativo. (1)

Esquemas, conforme teorizado por Beck (1964), são estruturas cognitivas na mente. Eles possuem características como: permeabilidade (capacidade de mudança), magnitude (tamanho em relação ao autoconceito geral do indivíduo), carga (nível de força da crença) e conteúdo. O conteúdo dos esquemas pode ser de natureza cognitiva (expresso em crenças), motivacional, comportamental, emocional ou fisiológica. (1)

O desenvolvimento das crenças nucleares ocorre desde a primeira infância, influenciado por uma predisposição genética, interações com pessoas significativas e a interpretação das experiências e circunstâncias. Quando uma situação temática é apresentada, o esquema contendo a crença nuclear correspondente é ativado. (1)

A ativação de um esquema desencadeia, tipicamente, três processos: (1)

  1. O indivíduo interpreta a nova experiência de acordo com a crença nuclear.
  2. A ativação do esquema reforça a crença nuclear.
  3. Outros tipos de esquemas também são ativados.

A modificação dos esquemas cognitivos e comportamentais disfuncionais na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é enfatizada devido ao seu impacto sistêmico. (1)

Modos

Os modos são agrupamentos de esquemas inter-relacionados e co-ocorrentes. O objetivo da terapia é desativar o modo depressivo e ativar o modo adaptativo. (1)

  • Modo Adaptativo: Na maior parte da vida, a maioria das pessoas mantém crenças nucleares realistas e equilibradas. No modo adaptativo, os esquemas são mais funcionais e as crenças, mais flexíveis e realistas. Este modo é caracterizado por: (1)
    • Esquemas cognitivos de competência, amabilidade e valor.
    • Esquemas motivacionais que promovem a atividade.
    • Esquemas afetivos de esperança, otimismo, bem-estar, propósito e satisfação.
    • Esquemas comportamentais de abordagem (e, ocasionalmente, evitação saudável).
    • Esquemas fisiológicos de níveis normais de energia, apetite, libido, etc.
  • Modo Depressivo: Quando os pacientes estão nesse modo, seus esquemas são disfuncionais e as crenças se tornam mais distorcidas e extremas. Este modo é caracterizado por: (1)
    • Esquemas cognitivos de desamparo, desamor e desvalor.
    • Esquemas motivacionais para conservação de energia.
    • Esquemas afetivos de tristeza, desesperança, e, por vezes, irritabilidade, culpa, raiva e/ou ansiedade.
    • Esquemas comportamentais de evitação e retraimento.
    • Esquemas fisiológicos de fadiga, alteração de apetite e diminuição da libido, entre outros.

Beck (1999) teorizou que as crenças nucleares negativas sobre o self se enquadram em três categorias principais: desamparo, desamor e, mais recentemente, desvalor. A identificação da categoria pode não ser clara em todos os casos. Por exemplo, a afirmação “Não sou bom o suficiente” pode estar relacionada ao desamparo (falta de conquistas) ou ao desamor (não ser digno de afeto). A crença de “não ter valor” é classificada como desvalor quando a preocupação se refere a imoralidade ou toxicidade, e não a competência ou amabilidade. (1)


Crenças sobre os Outros, o Mundo e o Futuro

Indivíduos sem transtornos psicológicos geralmente possuem visões equilibradas sobre outras pessoas e o mundo. Em contraste, aqueles com dificuldades psicológicas podem ter crenças nucleares negativas e rígidas sobre os outros e o ambiente. (1)

De modo geral, quando não deprimidos, as pessoas tendem a ter uma visão equilibrada do futuro, reconhecendo a ocorrência de experiências positivas, neutras e negativas. Ideias fixas e excessivamente generalizadas sobre o futuro, o mundo e os outros muitas vezes precisam ser avaliadas e modificadas em conjunto com as crenças nucleares sobre o self. (1)


Identificação de Crenças

O trabalho de modificação de crenças é uma parte crucial da TCC. Inicialmente, o foco é o fortalecimento de crenças adaptativas. A avaliação direta das crenças nucleares negativas é introduzida mais tardiamente no tratamento, pois a sua evocação pode desencadear emoções negativas intensas, com risco de abandono precoce do tratamento. (1)

Identificando Crenças Nucleares Adaptativas

É fundamental começar a identificar as crenças nucleares realistas e adaptativas o mais cedo possível. Já na primeira sessão, pode-se solicitar ao paciente que descreva o melhor período de sua vida. Pergunte como ele se percebia nesse tempo e, se relevante, como via os outros e o mundo. Também é útil perguntar como outras pessoas o viam. (1)

Em sessões subsequentes, investigue a visão que o paciente tinha de si mesmo antes do início do quadro depressivo. É importante atribuir a deterioração do funcionamento à condição clínica, e não a características inatas do indivíduo. (1)

Identificando Crenças Nucleares Mal-adaptativas

Diversas estratégias são úteis para identificar crenças nucleares negativas: (1)

  • Procurar Temas Centrais nos Pensamentos Automáticos: Ao longo das sessões, identifique padrões nos pensamentos automáticos, emoções, comportamentos e na história do paciente. A repetição de pensamentos negativos sobre ser incapaz de realizar tarefas, por exemplo, pode sugerir uma crença nuclear da categoria de desamparo. (1)
  • Técnica da Seta Descendente: Esta técnica ajuda a identificar crenças nucleares negativas ao pedir ao paciente que assuma que seus pensamentos automáticos são verdadeiros e, em seguida, questionar sobre o significado subjacente desses pensamentos. A técnica consiste em identificar um pensamento automático central e, a partir dele, investigar o que o paciente acredita que esse pensamento revela sobre si mesmo. (1)
  • Crenças Nucleares Expressas como Pensamentos Automáticos: Em estados depressivos, uma crença nuclear pode ser expressa diretamente como um pensamento automático. Nesses casos, o terapeuta pode levantar uma hipótese sobre a crença e pedir que o paciente reflita sobre sua validade. É importante ressaltar que a situação-problema nem sempre é um guia confiável para a identificação da crença nuclear. (1)

Identificando Crenças Intermediárias Mal-adaptativas

As crenças intermediárias (regras, atitudes e pressupostos) também podem ser identificadas através de várias técnicas: (1)

  • Reconhecimento quando Crenças Intermediárias são Expressas como Pensamentos Automáticos: Embora a maioria dos pensamentos automáticos seja específica para uma situação, alguns expressam ideias mais gerais, como “É terrível decepcionar as pessoas”, o que indica uma crença intermediária. (1)
  • Identificação Direta: Muitas crenças intermediárias contêm uma estratégia de enfrentamento disfuncional. A avaliação dos pressupostos condicionais, por meio de questionamento ou outros métodos, frequentemente gera maior dissonância cognitiva do que a avaliação de regras ou atitudes. (1)

Modificação de Crenças

A decisão de modificar uma crença disfuncional deve ser guiada por algumas perguntas: (1)

  • Qual é a crença?
  • Ela causa sofrimento emocional ou comportamento mal-adaptativo?
  • O paciente acredita nela de forma forte e plena?
  • Ela interfere na realização de objetivos e aspirações?

A modificação das crenças deve ser introduzida assim que o paciente estiver pronto. Inicialmente, o trabalho foca nos pensamentos automáticos relacionados às crenças disfuncionais. Com a mudança na intensidade das crenças, o paciente passa a interpretar as experiências de maneira mais funcional. (1)

Orientando o Paciente sobre Crenças Disfuncionais

O paciente deve entender que as crenças são ideias, não verdades absolutas, e podem ser testadas e alteradas. Elas não são inatas, mas aprendidas, e podem parecer verdadeiras, mas geralmente são infundadas. O paciente deve ser orientado sobre como as crenças se originam e como, quando os esquemas relevantes são ativados, a mente tende a focar em dados que confirmam a crença e a ignorar os dados que a contradizem. (1)

A modificação das crenças é um processo de duas vias: desenvolver e fortalecer crenças adaptativas para ativar o modo adaptativo e modificar as crenças negativas irrealistas para desativar o modo depressivo. (1)

Fortalecendo Crenças Adaptativas

O fortalecimento das crenças positivas é essencial para a ativação do modo adaptativo. Algumas estratégias incluem: (1)

  • Identificar e Concluir a partir de Dados Positivos: Ao início de cada sessão, pergunte sobre eventos positivos e o que essas experiências revelam sobre o paciente. (1)
  • Identificar as Vantagens de Crenças Adaptativas: Analise os benefícios de adotar uma perspectiva mais realista e funcional sobre si mesmo. (1)
  • Apontar o Significado de Dados Positivos: Elogie comportamentos adaptativos e os caracterize como evidências de competência e outras qualidades. (1)
  • Usar Outras Pessoas como Referência: Peça ao paciente para refletir sobre como outras pessoas que ele admira ou confia o veem. (1)
  • Usar um Quadro para Coletar Evidências: Peça ao paciente para registrar ou fotografar experiências positivas, criando um reforço visual e potente da nova crença. (1)
  • Induzir Imagens de Experiências Atuais e Históricas: O uso de imaginação reforça crenças adaptativas nos níveis intelectual e emocional, especialmente quando há afeto positivo associado. (1)
  • Agir “Como se”: Encoraje o paciente a se comportar como se já acreditasse na crença adaptativa, o que, por sua vez, a fortalece. (1)

Modificando Crenças Mal-adaptativas

A capacidade de modificar crenças varia entre os pacientes. É geralmente mais fácil em casos de transtornos agudos do que em transtornos de personalidade. A mudança começa no nível intelectual e requer o uso de técnicas experienciais, como imaginação, dramatização e experimentos comportamentais, para que a crença mude no nível emocional. Técnicas como o trabalho com a cadeira vazia (Gestalt) e metáforas podem ser úteis para expor o paciente a emoções e crenças dolorosas. (1)

As técnicas para modificar crenças negativas incluem:

  • Questionamento Socrático: Utiliza o mesmo tipo de questionamento usado para pensamentos automáticos, mas aplicado ao contexto de crenças gerais. (1)
  • Reestruturação: Criação de quadros para monitorar e reestruturar evidências que parecem apoiar crenças disfuncionais. (1)
  • Experimentos Comportamentais: Encorajar o paciente a reduzir a evitação e enfrentar situações desafiadoras para obter experiências que refutem suas crenças. (1)
  • Uso de Histórias, Filmes e Metáforas: Ajudar o paciente a desenvolver uma visão diferente de si mesmo ao refletir sobre personagens ou pessoas que compartilham sua crença negativa. (1)
  • Continuum Cognitivo: Técnica útil para modificar crenças que refletem um pensamento polarizado (tudo ou nada). Cria-se uma escala para ajudar o paciente a se posicionar em um ponto intermediário. (1)
  • Uso de Outras Pessoas como Ponto de Referência: Ajudar o paciente a obter distância psicológica de suas próprias crenças ao considerar as circunstâncias e crenças de outras pessoas, especialmente de figuras que ele admire ou por quem sinta compaixão. (1)
  • Autoexposição: O uso criterioso da autoexposição do terapeuta pode ajudar o paciente a encarar seus problemas de forma diferente, desde que seja genuína e relevante. (1)
  • Dramatização Intelectual-Emocional: Também chamada de “ponto-contraponto”, é útil para pacientes que compreendem a disfuncionalidade de uma crença intelectualmente, mas ainda a sentem como verdadeira emocionalmente. (1)
  • Reestruturação do Significado de Memórias Precoces: O uso de técnicas experienciais, como a revivência de memórias traumáticas, em um ambiente seguro, pode ajudar o paciente a reestruturar o significado desses eventos em nível emocional. (1)

Referências Bibliográficas:

1- BECK, J. S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3ª Edição. Artmed, 2022