Aleitamento Materno: Fundamentos e Implicações para a Saúde Materno-Infantil


Aleitamento Materno: Fundamentos e Implicações para a Saúde Materno-Infantil


Introdução

O leite materno é universalmente reconhecido como a base ideal para a nutrição infantil. Sua composição, que se adapta continuamente às necessidades do bebê, e os amplos benefícios para a saúde da mãe e da criança, sublinham a importância do aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida, seguido pela sua continuidade com a introdução de alimentos complementares. Este artigo explora as características do leite materno, as recomendações para a lactação, e as implicações clínicas associadas.


Composição e Características do Leite Humano

O leite materno e o colostro possuem uma composição nutricional finamente ajustada às necessidades e às capacidades metabólicas e fisiológicas do lactente (2).

Volume e Transição do Leite

A secreção inicial de leite varia de 10 a 100 mL/dia, com uma média de 30 mL. Esse volume aumenta progressivamente, alcançando a composição do leite maduro entre o 3º e o 14º dia após o parto.

Colostro: O Primeiro Leite

O colostro, um fluido amarelado e viscoso, preenche as células alveolares mamárias no último trimestre da gestação e é secretado nos primeiros dias pós-parto (1, 2). Ele se diferencia do leite maduro por ser mais rico em proteínas e mais pobre em gorduras e carboidratos (1). Fornecendo aproximadamente 66 kcal/100 mL, o colostro é uma excelente fonte de anticorpos (1).

Além disso, o colostro exerce um efeito laxativo que facilita a eliminação do mecônio (as primeiras fezes do neonato) e contribui para o estabelecimento da microbiota intestinal da criança, oferecendo proteção contra infecções (2). Embora contenha menos lactose do que o leite maduro, o colostro é abundante em antioxidantes e apresenta maiores concentrações de vitaminas lipossolúveis, proteínas, sódio, potássio, cloreto, zinco e imunoglobulinas, enquanto possui menor teor de vitaminas hidrossolúveis (1).

Leite Humano Maduro

O leite humano maduro possui a menor concentração de proteínas entre os mamíferos, o que resulta em uma baixa carga de solutos, perfeitamente adequada para os rins imaturos do lactente (2). A alfa-lactoalbumina é a principal proteína, desempenhando um papel crucial no sistema enzimático para a síntese de lactose. A caseína presente auxilia na proteção contra infecções intestinais, impedindo a adesão bacteriana à mucosa intestinal, e facilita a digestão pela formação de um coalho gástrico mais suave, reduzindo o tempo de esvaziamento gástrico (2).

Os lipídeos representam a maior fonte de energia no leite humano, contribuindo com 35–50% da ingestão energética diária (2). A lactose, o principal carboidrato, fornece aproximadamente 40% das necessidades energéticas (2). Adicionalmente, a lactose facilita a absorção de cálcio e ferro e promove a colonização intestinal por bactérias fermentativas que acidificam o trato gastrointestinal (TGI), inibindo o crescimento de bactérias patogênicas, fungos e parasitas (2).

É fundamental ressaltar que a melhora da alimentação materna é a estratégia mais eficaz para prevenir agravos à saúde infantil (2).


Recomendações e Manejo da Lactação

Recomendações Atuais

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) recomendam o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, seguido pela continuidade do aleitamento com a introdução gradual de alimentos complementares (2). Embora a amamentação exclusiva seja ideal nos primeiros seis meses, ela pode ser mantida ao longo do primeiro ano ou por um período maior, de acordo com o desejo mútuo da mãe e da criança (1). É desnecessário oferecer água adicional a bebês amamentados, visto que o leite materno é composto por 87% de água (1). Todos os recém-nascidos amamentados devem ser avaliados por um profissional de saúde entre 3 e 5 dias após o nascimento (1).

Avaliação do Suprimento de Leite

A OMS alerta que mães que não tiveram um ganho de peso adequado durante a gestação e, consequentemente, não acumularam reservas suficientes, podem enfrentar dificuldades na lactação (2). O suprimento de leite é considerado satisfatório quando o bebê, alimentado exclusivamente com leite materno, demonstra desenvolvimento adequado e mantém índices bioquímicos normais (2).

A insuficiência de suprimento de leite é rara em mães bem nutridas, descansadas e com baixo nível de estresse (1). A sucção estimula o fluxo de leite; assim, a amamentação em livre demanda geralmente garante um volume adequado de leite para o bebê (1). Indicadores de um suprimento adequado incluem ganho consistente de peso e comprimento do lactente, 6 a 8 fraldas molhadas diariamente e fezes frequentes (1).


Nutrição Materna Durante a Lactação

Energia e Macronutrientes

As recomendações de energia para lactantes baseiam-se na quantidade de leite produzido, no seu conteúdo energético e nutricional, e nas reservas energéticas maternas (2). A produção média de leite no primeiro e segundo semestres pós-parto é de aproximadamente 800 mL/dia e 550 mL/dia, respectivamente (2). Consequentemente, sugere-se um adicional de energia de 670 kcal/dia no primeiro semestre e 470 kcal/dia no segundo semestre pós-parto (2).

Para mulheres que armazenaram 2-4 kg de gordura durante a gestação e buscam uma perda de peso de 0,8 kg/mês, o adicional calórico pode ser ajustado para 500 kcal/dia no primeiro semestre (2). É crucial observar que dietas restritivas podem reduzir tanto a produção láctea quanto a concentração de micronutrientes no leite (2).

Em relação às proteínas, recomenda-se a ingestão de 1,1 g/kg de peso desejável, acrescida de um adicional de 19 g/dia no primeiro semestre e 12,5 g/dia no segundo semestre (2).

Micronutrientes

Dentre os micronutrientes, a prioridade recai sobre as vitaminas B1, B2, B6, B12, iodo e ferro (2). A concentração de iodo no leite materno é sensível ao status materno (2). A deficiência de iodo pode comprometer a função tireoidiana tanto na mãe quanto na criança, afetando o desenvolvimento neurofisiológico infantil (2). A recomendação diária de iodo para lactantes é de 290 mcg (2). Mães com dietas deficientes em vitamina B12, D ou iodo produzirão leite com baixos teores desses nutrientes, o que pode impactar negativamente o desenvolvimento da criança (1).


Aspectos Práticos e Condições Específicas na Amamentação

Técnica e Manejo

A amamentação é uma habilidade que se desenvolve com prática, paciência e perseverança tanto para a mãe quanto para o bebê (1). O contato pele a pele e o posicionamento do bebê ao seio logo após o nascimento são fundamentais (1). Os seios tornam-se mais cheios e firmes entre 48 e 96 horas pós-parto, indicando o aumento do volume de leite (1). Mães que precisarão se ausentar devem ser orientadas sobre como extrair e armazenar o leite materno (1).

Exercício Físico e Lactação

A lactante deve ser incentivada a retomar a prática de exercícios algumas semanas após o parto, idealmente quando a lactação estiver bem estabelecida (1). Exercícios aeróbios em intensidade moderada (cerca de 60–70% da frequência cardíaca máxima) não demonstram efeitos adversos na lactação (1).

Diabetes e Amamentação

Mulheres diabéticas insulinodependentes podem experimentar “hipoglicemia da lactação” devido ao aumento das sessões de amamentação (1). O monitoramento frequente da glicose é crucial para a segurança da mãe e do bebê (1).

Transferência de Fármacos

É importante que a mãe esteja ciente de que quase todos os medicamentos que ela utiliza podem ser, em algum grau, transferidos para o leite materno (1).

Intolerâncias e Alergias no Lactente

Ocasionalmente, o bebê pode desenvolver intolerância ou alergia a algo consumido pela mãe. A proteína do leite de vaca, especialmente a caseína, e o amendoim são exemplos notáveis (1). A quantidade ou frequência necessárias para desencadear essas reações ainda não foi conclusivamente determinada (1). Se houver remoção de algum alimento da dieta materna, a qualidade nutricional dessa dieta deve ser avaliada e, se necessário, suplementada (1).

Mães com Sobrepeso

Mulheres com sobrepeso podem restringir o consumo energético em 500 kcal/dia através da diminuição da ingestão de alimentos ricos em gordura e açúcar (1). Contudo, é essencial que aumentem o consumo de alimentos ricos em cálcio, vitamina D, A, C e ômega-3 para assegurar a oferta adequada de nutrientes no leite (1).

Cirurgias Mamárias

Implantes mamários, especialmente aqueles com incisões periareolares e transareolares, podem levar à insuficiência na lactação (1). Mulheres nessas condições devem ser incentivadas a amamentar, e seus bebês devem ser monitorados para garantir ganho de peso apropriado (1). A mamoplastia de redução pode resultar em grandes variações na produção de leite, dependendo da quantidade de tecido removido e do tipo de incisão cirúrgica (1). Da mesma forma, essas mães devem ser encorajadas a amamentar, e seus bebês precisam de monitoramento rigoroso para um ganho de peso adequado (1).


Benefícios da Amamentação para a Saúde Materna

A lactação confere atividades protetoras e imunomoduladoras à mulher (2). O aleitamento materno está associado à redução do risco cardiovascular e de fraturas de quadril na pós-menopausa, além de oferecer proteção contra alguns tipos de câncer, como os de ovário e mama (2). Adicionalmente, contribui para a perda de peso pós-parto, a diminuição do sangramento puerperal, é econômica e favorece o vínculo afetivo entre mãe e filho (2).

Perda de Peso Pós-Parto

IMC (Índice de Massa Corporal)Meta de PesoPerda de Peso Recomendada
<18,5 (baixo peso)Alcançar a eutrofia
18,5-24 (eutrofia)Manter a eutrofia
25-29,9 (sobrepeso)Perder peso até atingir eutrofia0,5-1,0 kg/mês
>30 (obesidade)Perder peso até atingir eutrofia0,5-2,0 kg/mês

(2)


Referências Bibliográficas

  1. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  2. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases Bioquímicas e Fisiológicas da Nutrição nas Diferentes Fases da Vida, na Saúde e na Doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p.

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