Melatonina: Fisiologia, Implicações Clínicas e Abordagem Terapêutica
Introdução
A melatonina é um hormônio crucial secretado pela glândula pineal em resposta às variações do ciclo circadiano, sendo sua produção dependente da luz (1, 4, 9). É reconhecida como um sincronizador endógeno e uma molécula cronobiótica, ou seja, uma substância que reforça as oscilações ou ajusta o tempo do relógio biológico central localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NS) do hipotálamo, essencial para estabilizar os ritmos corporais (7).
Fisiologia da Melatonina
Receptores e Ritmo Circadiano
A melatonina exerce sua ação por meio de dois receptores bem definidos, MT1 e MT2, ambos acoplados à proteína G e encontrados principalmente no encéfalo e na retina, mas também em alguns tecidos periféricos (9).
Em todos os animais estudados, sejam diurnos ou noturnos, observa-se uma secreção elevada de melatonina durante a noite e uma secreção diminuída ao longo do dia (9). Esse ritmo é controlado por impulsos provenientes da retina que terminam no NS, estrutura comumente chamada de relógio biológico, no hipotálamo, responsável pelo ciclo circadiano (9).
A melatonina regula o ciclo circadiano, atuando no ciclo vigília/sono, nos ritmos neuroendócrinos e na temperatura corporal através de sua ação nos receptores MT1 e MT2 (7). A ativação do receptor MT1 inibe o disparo neuronal no NS e a secreção de prolactina pela adeno-hipófise. Já a ativação do MT2 altera o ritmo circadiano dentro do NS (9). Além disso, a melatonina está envolvida na pressão sanguínea, na regulação cardiovascular autonômica, no sistema imune, na função renal e na função antioxidante do organismo (7).
O pico de secreção da melatonina ocorre entre meia-noite e 04h, e a exposição à luz durante esse período pode inibir a secreção do hormônio pelo resto da noite (6). A melatonina produzida pela pineal não é estocada, sendo liberada para a corrente sanguínea (ligada à albumina) e para o fluido cerebroespinhal (CSF), alcançando diversas áreas do sistema nervoso central e todos os órgãos periféricos, onde gera diferentes efeitos por diferentes mecanismos de ação (8).
Considerando seu fácil acesso ao sistema nervoso central, a melatonina atua tanto em aspectos gerais da função neural, como neurotransmissores, plasticidade sináptica, neurotrofismo, neuroproteção e neuroplasticidade, quanto na regulação de funções específicas, incluindo o ciclo circadiano, reprodução, metabolismo energético, sono e pressão sanguínea (8). Alguns autores acreditam que seu papel na neuroproteção seja uma de suas ações mais importantes. A melatonina protege células neurais e da glia de ações degenerativas geradas por insultos internos e externos (8). Vale ressaltar que, apesar de representar apenas 2% do peso corporal, o SNC utiliza 20% da demanda de oxigênio do organismo e 15% da demanda cardíaca, sendo responsável pela maior produção de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) no organismo (8).
A meia-vida da melatonina na corrente sanguínea é de 40 minutos (8).
Variações na Produção de Melatonina
- Idade: A produção de melatonina tende a diminuir com a idade, gerando uma maior quantidade de distúrbios do sono (4). No organismo, a melatonina pineal é detectada em crianças a partir do 3º-4º mês, alcançando um pico de produção durante a pré-puberdade, com essa produção diminuindo pós-puberdade (8). De acordo com alguns autores, após 25 anos, ou após os 40, a produção de melatonina declina em 60%. A partir daí, continua decaindo, chegando a valores abaixo de 20% em idosos com mais de 90 anos (8).
- Sexo: A produção de melatonina é sempre maior em mulheres (8).
Melatonina e Metabolismo Energético
Através de seus efeitos imediatos e prospectivos, a melatonina é capaz de regular o metabolismo energético, atuando em cada etapa do balanço energético, incluindo a ingestão, o fluxo, o armazenamento e o gasto energético (8). A melatonina também age no gasto energético e na regulação da massa corporal em mamíferos, prevenindo um aumento da gordura corporal com a idade. Efeitos mediados também pela sua ação nos receptores MT2 no tecido adiposo (7). Em mulheres pós-menopausa, a suplementação crônica de melatonina foi capaz de induzir uma redução da massa gorda e aumentar a massa magra (8).
A fase “dia” é associada a uma alta sensibilidade central e periférica à insulina e a uma elevada tolerância à glicose, com uma secreção elevada de insulina e uma alta captação de glicose pelos tecidos sensíveis à insulina. Isso, além de uma elevação na síntese de glicogênio (muscular e hepático), com inibição da gliconeogênese hepática, e aumento da lipogênese e produção da adiponectina (8).
A fase da noite é caracterizada pelo jejum, associado ao uso de energia estocada (8). Nessa fase, há uma redução da tolerância à glicose, e uma redução da liberação de insulina pelo pâncreas, com resistência à insulina, e uma gliconeogênese e glicogenólise acentuada, além de níveis elevados de lipólise e de secreção de leptina (8).
Outras Funções e Implicações Clínicas
- Jet Lag: Alguns estudos indicam que a melatonina é capaz de aumentar a velocidade com que o corpo ressincroniza o relógio biológico alterado devido ao Jet Lag, melhorando assim os níveis de alerta (2).
- Efeito Antioxidante: A melatonina é muito eficaz na eliminação de radicais livres, com uma notável capacidade de estimular enzimas antioxidantes em diferentes tecidos (8). O efeito antioxidante da melatonina protege o trato gastrointestinal contra ulcerações através da redução da secreção de ácido clorídrico e pelo aumento da secreção de bicarbonato na mucosa, por sua ação nos receptores MT2, que têm um papel importante na proteção duodenal contra o ácido gástrico (7). Além disso, atua protegendo o trato gastrointestinal contra os efeitos oxidativos da bile no epitélio intestinal (7).
- Saúde Óssea: A melatonina aumenta a massa óssea pela promoção da diferenciação dos osteoblastos e a formação óssea (7). Em humanos, a melatonina estimula a proliferação de células ósseas e a síntese de colágeno tipo I, inibindo também a reabsorção óssea através da regulação negativa da formação e ativação de osteoclastos mediados por RANKL (7).
- Desordens Psiquiátricas: Distúrbios de secreção de melatonina têm sido observados em pacientes com desordens psiquiátricas, principalmente depressão, bipolaridade, esquizofrenia e autismo (7). Um estudo encontrou uma melhora significativa na depressão e ansiedade com o uso de 25 mg/dia de agomelatina, um agonista da melatonina MT1/MT2 e antagonista dos receptores seletivos de 5-HT2c (7).
- Gravidez: A melatonina está envolvida no desenvolvimento fetal inicial, com efeitos diretos na placenta, no desenvolvimento glial e neuronal, e pode desempenhar um papel ontogênico no estabelecimento dos ritmos diurnos e na sincronização do relógio biológico fetal (7). Alguns estudos sugerem que a melatonina regula de forma parácrina/autócrina a função placentária, com um potencial papel na reprodução humana (7). Em humanos, estudos demonstraram que o ciclo da melatonina no sangue materno também ocorre na circulação fetal (7).
- Controle Glicêmico / Diabetes: A melatonina noturna parece ser um importante determinante da “hora” do dia. No início de cada manhã, a produção de melatonina deve ser encerrada, induzindo a sensibilidade à insulina e a sensibilidade das células β às incretinas (8). A secreção de melatonina é responsável pela sobrevivência das células β, contribuindo para a preservação da massa e da função dessas células, inclusive em pacientes com diabetes tipo 2 (8). Em humanos, a suplementação aguda de melatonina induz a intolerância à glicose tanto no período da manhã quanto no período da noite (8). A inibição da produção de melatonina pela luz também induz resistência à insulina (8). Dependendo da metabolização da melatonina e da suplementação utilizada, o perfil de melatonina pode se estender até o período da manhã, resultando em uma resistência à insulina iatrogênica e uma hiperglicemia matinal (8).
Conduta Clínica e Suplementação
O uso de melatonina tem sido amplamente estudado e utilizado no manejo de distúrbios do sono e outras condições.
Sono e Insônia
Desde 1990, observou-se que baixas doses de melatonina, que geram níveis plasmáticos próximos ao fisiológico noturno, são capazes de diminuir a latência inicial do sono e a temperatura oral, desencadeando padrões da arquitetura do sono (8). A produção noturna de melatonina tem a propriedade de alterar o organismo do padrão biológico do dia para um padrão biológico noturno, no qual o organismo passa de um padrão de ingestão energética e armazenamento, níveis elevados de cortisol e interação ativa com o meio externo para um padrão de sono, com diminuição de temperatura, baixo consumo energético e níveis diminuídos de cortisol (8).
Estudos experimentais indicam que a melatonina pode afetar o sono por si só, além da regulação do ciclo circadiano (8). Os receptores MT1 estão associados à incidência de episódios de REM (rapid eye movement), e o MT2 está associado à incidência de NREM (non rapid eye movement) (8).
A melatonina e seus análogos têm se mostrado efetivos no manejo da insônia em idosos, em desordens do sono associadas a desordens neurológicas e doenças neurodegenerativas (autismo, déficit de atenção e hiperatividade, doença de Parkinson, doença de Huntington, Alzheimer), em pacientes utilizando betabloqueadores e em pessoas com desordens de REM (8). Tem sido utilizada nos últimos 20 anos como tratamento para desordem primária do sono (1). Ao contrário de outros medicamentos utilizados para o sono, a melatonina apresenta baixos efeitos colaterais, baixa dependência e geralmente não produz o efeito rebote (1). A ingestão de melatonina induz fadiga, sonolência e diminuição da latência do sono (7). Uma meta-análise com 19 estudos, envolvendo 1683 pessoas, concluiu que a melatonina é eficaz na diminuição da latência do sono, na melhora da qualidade do sono, assim como no aumento do tempo de sono (1, 3). Uma meta-análise mostrou que os maiores efeitos são encontrados em doses maiores que 0,3 mg, sendo que dosagens ainda maiores não apresentaram efeitos adicionais, e em alguns casos, podem ser prejudiciais (3). Foi visto que doses maiores de melatonina foram capazes de promover maiores efeitos na latência e no tempo total de sono (1). Uma revisão mostrou que o uso da melatonina teve efeitos positivos no questionário de PSQI (4).
Recomendações Nutricionais e Suplementação
- NOEL estimado de 210 mcg/dia (nível de efeito adverso não observado).
- Aumentar a disponibilidade do triptofano, pois a administração de triptofano parece aumentar a liberação de melatonina em humanos (2).
- Para nutricionistas, a dose recomendada é de até 0,21 mg/dia ou 210 mcg/dia.
- Manter a suplementação no mesmo horário todos os dias para otimizar a regulação do ciclo circadiano (8).
- O pico plasmático acontece 45 minutos após sua administração via oral (8). A melatonina ingerida via oral é bem absorvida, mas apresenta uma meia-vida de apenas alguns minutos (9).
Dosagem: Não existe um consenso na literatura em relação à dosagem, variando de 0,21 a 20 mg/dia. Em adultos jovens, o consumo de 0,1-0,3 mg gera uma concentração plasmática de 100-200 pg/mL, o que é considerado fisiológico (8). No entanto, 1 mg/dia já resulta em uma concentração de 500-600 pg/mL, que é bem maior do que as concentrações fisiológicas (8).
Estudos encontraram uma melhora subjetiva na latência do sono, sem aumentar seu tempo total em adultos (10). Poucos estudos mostraram que a melatonina causa uma melhora objetiva do sono por meio da avaliação com polissonografia (10).
Suplementação em Idosos
Em idosos, observou-se uma diminuição da latência do sono; entretanto, não há um aumento do tempo total de sono, ou seja, a melatonina não atua melhorando a insônia de manutenção nem diminui o número de noites em vigília (10).
Segurança e Efeitos Adversos
Estudos demonstram que a melatonina é segura, não encontrando toxicidade e apresentando alta segurança clínica quanto ao seu uso (8). Há poucas evidências de efeitos adversos com o uso crônico de melatonina (4). Não foram encontrados efeitos graves em doses altas de 20-100 mg, porém existe uma preocupação com esse uso quando associado a outros medicamentos (4). Efeitos colaterais como sonolência, cefaleia, boca seca, gosto ruim na boca, enurese em crianças, zumbido, fadiga e náuseas não diferem do placebo (10). A melatonina não causa insônia de rebote, dependência e/ou abstinência (10).
Referências Bibliográficas
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