Magnésio: Metabolismo, Avaliação do Status e Implicações Clínicas


Magnésio: Metabolismo, Avaliação do Status e Implicações Clínicas


Introdução

O magnésio (Mg) é o segundo cátion mais prevalente no meio intracelular, sendo fundamental para uma vasta gama de processos metabólicos e bioquímicos no ambiente celular. Cerca de 50-60% do magnésio corporal total está presente nos tecidos ósseos, 20-30% nos músculos e 20-25% em outros tecidos e órgãos, enquanto apenas 1% se encontra no fluido extracelular, não refletindo, portanto, as reservas corporais totais (1, 2). O conteúdo total de Mg no organismo é de aproximadamente 1 mol (24g) (2).


Fisiologia e Biodisponibilidade

O íon Mg²⁺ é crucial para mais de 600 enzimas como cofator e para outras 200 como ativador (2). Sua principal função é estabilizar a estrutura do ATP nos músculos e em outros tecidos moles (2). O Mg tem papel essencial no controle da excitabilidade cardíaca, do tônus vasomotor, da pressão sanguínea e da transmissão neuromuscular, sendo necessário para o transporte de K⁺ e a atividade dos canais de Ca²⁺ (2). Ele também é necessário para a secreção de paratormônio (PTH), importante para a homeostase do Ca e P (2).

O Mg atua como antagonista fisiológico do Ca²⁺ dentro das células, competindo pelos locais de ligação em proteínas e transportadores de Ca²⁺. Essas habilidades estão envolvidas nos efeitos observados do magnésio no sistema cardiovascular, músculos e cérebro (2). As concentrações neuronais de magnésio regulam negativamente a excitabilidade do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), essencial para a transmissão sináptica excitatória e a plasticidade neuronal na aprendizagem e na memória (2). O magnésio bloqueia o canal de cálcio no receptor NMDA e deve ser removido para a sinalização excitatória glutamatérgica. Concentrações séricas baixas de Mg²⁺ aumentam a atividade do receptor NMDA, melhorando assim o influxo neuronal de Ca²⁺ e Na⁺ e influenciando a excitabilidade neuronal (2). Por essas razões, a deficiência de Mg²⁺ tem sido hipotetizada em muitos distúrbios neurológicos, como enxaqueca, dor crônica, epilepsia, doença de Alzheimer, Parkinson e AVC, além de ansiedade e depressão (2).

Absorção e Fontes

A absorção média do Mg varia entre 120 a 500 mg/dia, sendo 30-50% absorvidos principalmente por um mecanismo paracelular passivo (2). O Mg é absorvido no intestino delgado, com os principais locais de absorção sendo o íleo e o jejuno distal (2). O cólon também exerce função de absorção de Mg, principalmente na presença de doenças que afetam a função absortiva do intestino delgado, como a Doença Inflamatória Intestinal (DII) ou a síndrome do intestino curto (2).

O magnésio está amplamente distribuído em fontes alimentares vegetais e animais, mas em diferentes concentrações (2). Os vegetais folhosos são as melhores fontes, seguidos por legumes, produtos marinhos, nozes, cereais e derivados do leite (2). O magnésio faz parte da clorofila, pigmento verde das plantas, o que torna os vegetais de folhas verdes suas maiores fontes na dieta (2).

Fontes alimentares: castanha-do-Brasil, amendoim, semente de abóbora, semente de girassol, feijão preto, arroz integral, coentro, espinafre, acelga, farelo de trigo, nozes, granola, amêndoa, aveia (1, 2).

Fatores que Afetam a Absorção e Excreção

Diversas fontes deste mineral apresentam fatores anti-nutricionais, como fitatos e oxalatos, que reduzem significativamente a absorção intestinal de cálcio e magnésio (1). No caso do magnésio, os oxalatos apresentam um efeito menos pronunciado quando comparado ao cálcio (1). Fibratos, fibras, álcool ou o excesso de fosfato e de cálcio diminuem a absorção do Mg (2). Em contrapartida, a lactose e outros carboidratos podem aumentar a absorção (2). É importante ressaltar que álcool e cafeína aumentam a secreção de magnésio pela via urinária (2).

A própria absorção de magnésio diminui à medida que a quantidade ingerida aumenta, representando um mecanismo de proteção para minimizar o risco de intoxicação (1). A ingestão elevada de zinco (superior a 100 mg) reduz a absorção de magnésio, assim como a ingestão concomitante de fosfato, que gera o fosfato de magnésio (composto insolúvel) (1). Enquanto o zinco diminui tanto a absorção quanto o balanço de magnésio, o fosfato, apesar de diminuir a absorção, reduz sua excreção urinária (1). A interação entre cálcio e magnésio não parece ser significativa (1). Uma dieta com elevada carga ácida poderá aumentar a excreção urinária de cálcio e magnésio, e originar um balanço negativo desses cátions (1). A ação de hormônios da tireoide, a acidose, a aldosterona e a depleção de fosfato e K⁺ aumentam a excreção de Mg, assim como o álcool e a cafeína (2).


Avaliação do Status de Magnésio e Deficiência

As concentrações de magnésio no sangue são estritamente reguladas para manter a faixa normal, mesmo que a ingestão na dieta seja baixa ou ocorra excreção excessiva de magnésio (2). Embora as concentrações plasmáticas permaneçam na faixa saudável, as concentrações intracelulares nos ossos e nos tecidos moles podem estar esgotadas (2).

Métodos de Avaliação

  • Magnésio sérico/plasmático total: É o marcador mais utilizado e estudado (1).
    • Valores de referência: 1,7-2,6 mg/dL ou 0,7-1,1 mmol/L (1).
    • Alguns autores sugerem que o limite inferior deveria ser 0,85 mmol/L e não 0,75 mmol/L (1).
    • Valores ideais para saúde tireoidiana seriam acima de 2-2,2 mg/dL.
  • Teste de retenção de dose: A medida mais sensível de detecção em indivíduos com risco de hipomagnesemia devido à depleção das reservas corporais. Em uma infusão de 0,2 mmol/kg de peso corporal, cerca de 15% do magnésio é retido, enquanto indivíduos com hipomagnesemia retêm 85%, e aqueles em risco de deficiência, 50% (2).
  • Magnésio eritrocitário e urinário: Parecem ser marcadores efetivos (1).
  • Avaliação em tecidos (muscular): Seria a forma mais rigorosa, mas é um método invasivo, pouco prático e com pouca validação científica como biomarcador (1).

Deficiência de Magnésio (Hipomagnesemia)

A deficiência de magnésio geralmente está ligada a distúrbios na absorção e/ou aumento na excreção renal (2). A hipomagnesemia não é incomum, ocorrendo em até 10% dos pacientes hospitalizados (2).

Sinais e sintomas da deficiência: Fraqueza (2), tremores, câimbras, letargia (2), anorexia (2), náuseas (2), vômitos (2), constipação, tontura, ansiedade, insônia, taquicardia, hiperatividade, confusão mental (2), parestesia (2) e diminuição da atenção (2).

A deficiência de magnésio pode ainda ter papel importante na patogênese de doenças como:

  • Doença cardíaca isquêmica: Pode provocar danos vasculares no coração e nos rins, acelerando a aterosclerose, causando vasoconstrição das artérias coronárias e aumento da pressão sanguínea (2).
  • Hipertensão: Estudos mostram uma associação inversa entre ingestão de Mg e pressão sanguínea (2). O magnésio tem papel na prevenção e tratamento de dores de cabeça de origem vascular (2).
  • Diabetes Mellitus: O Mg²⁺ livre citosólico frequentemente é baixo em pacientes diabéticos, provavelmente devido à perda urinária elevada (2). A deficiência de magnésio pode contribuir para a resistência à insulina devido ao aumento da produção de citocinas inflamatórias (IL-1β, IL-6, VCAM1) e à diminuição da produção de enzimas antioxidantes (glutationa peroxidase, superóxido dismutase) (2). Baixos níveis séricos de magnésio têm se mostrado um bom indicador de controle da glicemia e complicações relacionadas ao desenvolvimento da doença (2). O aumento na ingestão parece reduzir o risco de síndrome metabólica, e a suplementação com cloreto de Mg foi capaz de melhorar a sensibilidade à insulina (2). Autores encontraram uma associação entre o consumo de magnésio e a diminuição do risco em 8-13% para cada 100 mg/dia de ingestão diária, sendo vista também uma melhora do HOMA-IR (2).
  • Asma: O sulfato de magnésio (MgSO4) parece causar broncodilatação e melhora as funções pulmonares, o que tem levado a estudos sobre seu uso para asmáticos (2).
  • Insônia: O magnésio é um cofator para a formação da serotonina e melatonina.
  • Doença óssea: A deficiência de Mg²⁺ pode causar perda óssea acelerada e declínio na formação óssea (2). Prejudica a resposta óssea ao PTH, levando à hipocalcemia que não responde à suplementação de cálcio (5). A deficiência de magnésio geralmente acompanha baixas reservas de vitamina D e tem papel fundamental na transformação da Vitamina D para sua forma ativa, o que pode levar a menor absorção de Ca (2). Além disso, a deficiência de Mg pode estimular a produção de citocinas inflamatórias que aumentam a reabsorção óssea (2).
  • Aterosclerose: Estudos epidemiológicos mostram relação entre baixas concentrações de magnésio e progressão de aterosclerose e calcificação cardiovascular (2). Níveis baixos de Mg aumentam a interação monócito versus célula endotelial (2). A deficiência de Mg em modelos animais causa aterosclerose, promovendo ativação da resposta inflamatória e de macrófagos (2). Níveis elevados de citocinas, como IL-6, contribuem para o risco de doença cardiovascular (2). A deficiência de Mg também está associada ao remodelamento endotelial, com acúmulo de monócitos e macrófagos na parede arterial nos estágios iniciais da aterosclerose (2). Há uma relação inversa entre concentrações séricas de magnésio e parâmetros da síndrome metabólica, inflamação e redução de HDL-C (2). A suplementação de Mg em níveis que não ultrapassem a UL é segura e diminui o risco de doenças coronarianas (2).
  • Enxaqueca: O Mg está envolvido na fisiopatologia da enxaqueca, sendo sua deficiência relacionada à depressão da disseminação cortical, agregação de plaquetas, liberação de neurotransmissores e vasoconstrição (2). O Mg bloqueia receptores NMDA, cuja deficiência pode facilitar sua ativação e aumentar sua ação na depressão cortical alastrante (CSD), contribuindo para episódios de enxaqueca (2). A redução do Mg também diminui os níveis de óxido nítrico (NO), comprometendo a regulação do fluxo sanguíneo (2). Está relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), envolvido na dilatação dos vasos sanguíneos intracranianos; o Mg é capaz de diminuir os níveis circulantes de CGRP, evitando novos episódios (2). Também inibe a vasoconstrição induzida pela serotonina durante a enxaqueca (2). A suplementação parece uma medida profilática eficaz, com estudos mostrando redução de 75% dos episódios diários, e melhora na prevenção, duração e sintomas associados (vômitos, náuseas, fotofobia), com redução de 22-43% dos episódios (2).
  • Obesidade: Indivíduos obesos geralmente apresentam concentrações plasmáticas de magnésio diminuídas (4). A hipomagnesemia parece estar associada a um maior grau de estresse oxidativo, o que agrava a inflamação e o estresse oxidativo já presentes em obesos, aumentando a suscetibilidade das células ao ataque por espécies reativas de oxigênio (4).
  • Constipação: O magnésio atua no movimento peristáltico do intestino, regulando sua osmolaridade.

Conduta Clínica e Suplementação

Recomendações Nutricionais

As Recomendação de Ingestão Diária (RDA) de magnésio são (3):

  • Homens: 420 mg/dia
  • Mulheres: 320 mg/dia
  • Gestantes: 360 mg/dia
  • Lactantes: 320 mg/dia

Fontes alimentares: Castanha-do-Brasil, amendoim, semente de abóbora, semente de girassol, feijão preto, arroz integral, coentro, espinafre, acelga, farelo de trigo, nozes, granola, amêndoa, aveia (1). Vegetais folhosos, ricos em clorofila, são as maiores fontes dietéticas (2).

Suplementação

A suplementação de magnésio deve ser prescrita apenas em casos de níveis séricos insuficientes ou deficientes, já que em indivíduos com níveis de Mg normais não há benefício adicional (1, 2). Uma meta-análise não observou relação significativa entre a suplementação de magnésio e a melhora do desempenho físico de atletas ou de indivíduos fisicamente ativos (2).

  • Formas de magnésio: Citrato, lactato e cloreto de magnésio apresentam elevada biodisponibilidade (1).
  • Cápsulas gastro-resistentes: Podem ser úteis.
  • Dose: Até 350 mg/dia é o Limite Superior de Tolerância (UL) para suplementos (2). A ingestão excessiva pela suplementação na forma de sais pode causar diarreia e desidratação (1). Em casos de ingestão muito elevada (3-5 g) de sulfato de magnésio, observou-se hipermagnesemia com náuseas, diplopia, fadiga e alterações da fala (1).
  • Magnésio Quelato: Mineral importante no processo de metabolização do cálcio, vitamina C, fósforo, sódio e potássio. É muito utilizado como suplemento por pessoas que não conseguem suprir suas necessidades diárias. Participa da fixação do cálcio nos ossos, contribuindo para o fortalecimento ósseo. Além disso, promove efeito analgésico natural, auxiliando na redução da dor, recuperação muscular e melhora do desempenho durante a atividade física. Amplamente utilizado como relaxante, na prevenção e tratamento de doenças cardíacas, no combate à fadiga neuromuscular, no tratamento da TPM, no combate à depressão, na redução do estresse e ansiedade. Dosagem usual: até 500 mg de magnésio elementar diariamente.
  • Magnésio Treonato: O L-treonato é um metabólito da vitamina C com propriedades semelhantes à vitamina C, utilizado como agente de quelação de minerais e com capacidade de melhorar significativamente a biodisponibilidade do mineral. Na forma de Magnésio L-treonato, atravessa a barreira hematoencefálica, tornando biodisponível o magnésio que penetrará nos neurônios, aumentando a densidade do tecido cerebral. Indicado na melhora do aprendizado, da memória e da cognição, redução da ansiedade e do estresse e na Doença de Alzheimer. Dosagem usual: até 500 mg ao dia.
  • Vitamina B6: Pode ser utilizada em conjunto.

Toxicidade

Os rins são capazes de excretar rapidamente grandes quantidades de magnésio absorvido da dieta ou mesmo daquele injetado. Mesmo após uma ingestão considerada alta, os níveis no sangue geralmente permanecem constantes (2). Indivíduos podem excretar de 40 a 60g de magnésio por dia sem efeitos colaterais, quando o mineral é fornecido por infusão persistente (2). Não há evidências de que grandes quantidades de magnésio por via oral sejam perigosas para um indivíduo com função renal normal (2).


Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  2. COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. KERKSICK, C. M. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommendations. J Int Soc Sports Nutr., v. 15, n. 1, p. 1–57, 2018.
  4. MORAIS, J. B. S. et al. Role of Magnesium in Oxidative Stress in Individuals with Obesity. Biol Trace Elem Res, v. 176, n. 1, p. 20–26, 2017.
  5. ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.

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