Enxaqueca: Diagnóstico, Fisiopatologia e Abordagens Terapêuticas
Introdução
A enxaqueca, também conhecida como cefaleia migranosa ou migrânea, é uma doença neurológica crônica com origem no sistema nervoso central e base genética (10). Caracteriza-se por crises de dor de cabeça episódica, intensa e pulsátil, com duração de 4 a 72 horas, frequentemente acompanhada de náuseas e classicamente associada a sintomas precursores, como distúrbios visuais, olfatórios e/ou gustatórios incomuns (3).
A enxaqueca aparece como a terceira doença de maior ocorrência (14,7%) e a sétima doença mais incapacitante (10). Sua incidência é maior em mulheres, sendo até 4 vezes superior naquelas que utilizam anticoncepcionais (10).
Fisiopatologia da Enxaqueca
A enxaqueca é uma condição complexa e multifatorial, envolvendo interações entre predisposição genética, estilo de vida e diversos fatores desencadeantes.
Bases Biológicas
O estresse oxidativo está fortemente associado à enxaqueca. Quase todos os gatilhos estudados até o momento estão, em algum nível, relacionados ao estresse oxidativo (9). A enxaqueca também é frequentemente associada a alguma desordem mitocondrial. Inicialmente, a enxaqueca era considerada uma desordem hipoglicêmica (9). No cérebro, a mitocôndria produz energia utilizando principalmente glicose e oxigênio como substrato para a produção de ATP (9).
Estudos mostram que pacientes com enxaqueca apresentam alterações no metabolismo energético cerebral, sugerindo a importância do balanço entre produção e demanda de ATP no cérebro (9). O déficit energético gerado pela disfunção mitocondrial é associado ao aumento do estresse oxidativo e da produção de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS) e Nitrogênio (RNS). Tanto as ROS quanto outros oxidantes podem ser percebidos pelo canal iônico TRPA1 (transient receptor potential ankyrin-1), presente nas terminações nervosas nociceptivas, que, quando acionadas, podem induzir a sinalização de dor e neuroinflamação (9).
Outra teoria sugere que a enxaqueca tem origem vascular e segue um histórico familiar. Propõe-se que os vasos sanguíneos durais se dilatem, e o fluxo sanguíneo pulsátil que flui através desses vasos distende e irriga a dura-máter, uma estrutura altamente sensível à dor (3).
A enxaqueca não se caracteriza apenas pela presença de cefaleia, mas pelo estado de suscetibilidade constante que torna o indivíduo enxaquecoso permanentemente sujeito a uma crise, mediante fatores desencadeantes (7). Um sintoma comum é a disfunção cognitiva, relacionada à disrupção da função de conectividade cerebral (1).
Fatores de Risco e Desencadeantes
A enxaqueca pode ser “ativada” por uma gama de gatilhos, incluindo o consumo ou a retirada de determinados alimentos, atividade física, mudanças climáticas, entre outros (1). No entanto, ainda não está claro por que algumas pessoas respondem a determinados gatilhos e outras não (9).
O Conselho Americano para Educação em Cefaleia sugere o preenchimento de um diário com o objetivo de identificar os desencadeantes da enxaqueca e as características da crise, como duração, intensidade, momento de instalação (manhã, tarde, noite), tipo de dor (pressão, latejante; uni ou bilateral), sintomas associados (aura, náusea, fotofobia, etc.) e resposta à medicação, como estratégia importante para o cuidado da doença (10).
O estresse é o principal fator desencadeante, relatado por 76% dos pacientes, enquanto o jejum e os alimentos foram relatados por 48% e 46% da amostra, respectivamente (10). Outro estudo identificou como principais fatores desencadeantes: estresse (59%), odores (49%), luz (44%) e alimentos (42%).
Aminas Biogênicas
Alimentos ricos em aminas, como queijo envelhecido, chocolate e vinho, são frequentemente referenciados na literatura e percebidos pelos pacientes como desencadeantes (10). Estudos farmacológicos clássicos indicam que essas substâncias podem funcionar como “anfetaminas endógenas” ou “falsos neurotransmissores” (10). Por se apresentarem em pequenas quantidades no cérebro de mamíferos, são denominadas aminas-traço (10).
A identificação de receptores específicos para essas aminas estabelece o mecanismo pelo qual elas podem exercer efeitos específicos e não apenas interferir na ação dos neurotransmissores clássicos (10). Alguns estudos demonstraram que as aminas biogênicas (tiramina e feniletilamina) podem desencadear a enxaqueca, de modo que sua retirada pode ser benéfica. A tiramina é encontrada no vinho tinto e a feniletilamina no chocolate, embora essa relação seja controversa (5).
Sensibilidade à Histamina
A dor de cabeça pode ser um efeito colateral da sensibilidade à histamina, que geralmente ocorre pela má metabolização dela, podendo afetar pessoas que consomem alimentos ricos em histamina (banana-caturra, produtos fermentados).
Jejum
Vários mecanismos foram propostos para explicar o efeito do jejum no desencadeamento da dor de cabeça (10). Alguns autores sugerem uma relação com o metabolismo do glicogênio cerebral quando o fornecimento de glicose é insuficiente no início de uma atividade simpática intensa, podendo causar desequilíbrio dos terminais excitatórios, despolarização de neurônios e astrócitos e ativação trigeminal (10). Dependendo do alastramento da despolarização, ocorre enxaqueca, com ou sem aura (10).
Consequências do jejum, como desidratação, níveis elevados de ácidos graxos livres, retirada da cafeína e impacto sobre fatores hormonais, também podem estar envolvidos (10). Recomenda-se evitar longos períodos de jejum.
Frutas Cítricas
Frutas cítricas contêm a amina octopamina e, embora não seja um achado unânime, alguns estudos também indicam que pacientes com enxaqueca associam seu consumo ao desencadeamento de crises (10).
Chocolate
O chocolate é rico em feniletilamina, outra amina, além do seu conteúdo de cafeína, que deve ser considerado um fator desencadeante (10).
Aspartame
O aspartame é um dipeptídeo do ácido aspártico e um metil éster da fenilalanina. A cefaleia é o principal efeito adverso atribuído ao uso dessa substância (10). Um estudo de revisão indica que o efeito parece estar associado a doses moderadas e altas (900-3000 mg/dia) e por longos períodos de exposição (10). Uma atenção especial deve ser dada ao consumo por crianças, pois esse valor pode ser alcançado facilmente (10).
Glutamato Monossódico (GMS)
O glutamato pode ter um efeito desencadeador de crises por um efeito vasoconstritor, resultado de doses elevadas, pela atividade agonista de receptores de glutamato ou por ativação de vias de neurotransmissores, nas quais o óxido nítrico é liberado nas células endoteliais induzindo a vasodilatação (10).
Álcool
Bebidas alcoólicas, especialmente o vinho tinto, já são reconhecidas como gatilho para a enxaqueca (9). Um dos motivos para isso se deve ao fato de que o álcool pode induzir ou aumentar o estresse oxidativo através da geração de ROS e RNS (9). O álcool é um vasodilatador; porém, o efeito desencadeante parece estar mais relacionado ao conteúdo de tiramina e histamina encontrado em vinhos tintos e cervejas (10). É recomendado reduzir o consumo de álcool, especialmente o vinho tinto.
Obesidade
A obesidade está relacionada à enxaqueca, embora o mecanismo que a explique ainda não esteja elucidado (10). Alguns estudos mostram que a magnitude da perda de peso se relacionou com a redução da frequência dos ataques nas visitas de acompanhamento (10).
Doença Celíaca e Sensibilidade ao Glúten
A sensibilidade ao glúten é conhecida por estar associada a outros sintomas não relacionados ao seu principal órgão-alvo, o intestino (10). Estudos identificaram uma diferença significativa entre a prevalência de doença celíaca e a enxaqueca em comparação a um grupo controle (10). A adoção da dieta isenta de glúten resultou em menor frequência, duração e intensidade das crises de enxaqueca (10). É importante avaliar sensibilidades alimentares (glúten).
Helicobacter pylori (H. pylori)
A enxaqueca também tem sido relacionada à presença de Helicobacter pylori. Um estudo identificou a presença da bactéria em 40% dos pacientes com enxaqueca (10). Observou-se que após a erradicação da bactéria, a intensidade, a duração e a frequência das crises reduziram-se significativamente (10). Alguns autores especulam que a elevada resposta inflamatória da mucosa gástrica à espécie de H. pylori pode liberar substâncias que agem como gatilhos de vasoespasmos em áreas específicas cerebrais (10). É essencial avaliar a presença de H. pylori.
Genética
Alterações genéticas com efeitos importantes na enxaqueca ainda não foram completamente identificadas (1). Geralmente, a enxaqueca envolve diversos genes e sofre influência de fatores epigenéticos (1). Na enxaqueca, a alteração genética de um canal de cálcio cerebral específico provoca um estado de hiperexcitabilidade, com metabolismo cerebral anormal, que torna o SNC mais suscetível a estímulos externos (luminosos e alimentares) e internos (estresse emocional, por exemplo) (7).
Classificação da Enxaqueca
A enxaqueca pode se apresentar de diferentes formas, conforme critérios diagnósticos específicos.
Enxaqueca Sem Aura (ESA) (10)
- Pelo menos 5 ataques preenchendo os critérios 2 e 4.
- Cefaleia com duração de 4 a 72 horas.
- Cefaleia caracterizada por pelo menos 2 dos seguintes sintomas:
- Unilateral
- Latejante
- Intensidade moderada ou grave
- Agrava ou impede a realização de atividades físicas rotineiras (ex: caminhar, subir escadas)
- Cefaleia acompanhada de pelo menos 1 dos sintomas:
- Náusea e/ou vômitos
- Fotofobia e fonofobia
- Não atribuível a outro diagnóstico da SIC (Sociedade Internacional de Cefaleia).
Sugere-se que a enxaqueca sem aura seja multifatorial e envolva fatores genéticos e ambientais (10). Familiares de primeiro grau de portadores de enxaqueca sem aura apresentam risco 1,9 vezes maior de desenvolver o distúrbio (10).
Enxaqueca Com Aura (ECA) (10)
- Pelo menos 2 ataques preenchendo os critérios 2 e 3.
- Um ou mais sintomas totalmente reversíveis da aura:
- Visual
- Sensorial
- Fala/linguagem
- Motor
- Tronco cerebral
- Retina (campo mono-ocular afetado por cintilação, escotoma e cegueira)
- Pelo menos duas das seguintes características:
- Um sintoma de aura que se espalha gradualmente após 5 minutos ou mais e/ou 2 ou mais sintomas que ocorrem sucessivamente.
- Cada sintoma individual da aura com duração de 5-60 minutos.
- Pelo menos um dos sintomas é unilateral.
- Aura acompanhada ou seguida dentro de 60 minutos por dor de cabeça.
- Não atribuível a outro diagnóstico da SIC, e ataque isquêmico transitório descartado.
O risco de enxaqueca com aura entre familiares de primeiro grau é de 3,8 vezes maior do que na população em geral (10).
Aura
A aura pode ser descrita como ataques recorrentes com duração de minutos e cujos sintomas normalmente se desenvolvem gradualmente, sendo considerados totalmente reversíveis (10). Incluem principalmente alterações visuais (por exemplo, escotomas ou pontos cegos que aumentam e se alastram perifericamente, afetando o processo cognitivo cerebral) e sensoriais (10).
A aura visual é a mais comum, seguida pelas alterações sensoriais, caracterizando-se principalmente por parestesia em pequena ou grande extensão do corpo, face e língua (10). A aura pode ocorrer sem ser seguida pela dor de cabeça (10). A ordem dos sintomas da aura pode variar e, em geral, duram cerca de uma hora, com exceção dos sintomas motores, que geralmente duram mais tempo (10).
Enxaqueca Crônica
O ICHD-3 beta especifica que o paciente deve apresentar pelo menos 15 dias de dor de cabeça no mês, com sintomas associados em pelo menos 8 desses, sendo que o uso de medicamentos pode existir em conjunto com a enxaqueca crônica (1). A cefaleia deve ser pulsátil, episódica e extremamente intensa, podendo durar de 4 a 72 horas (2). Um histórico de náusea intercorrente, vômito, fotofobia e auras visuais ou olfatórias deve estar presente (2, 3).
Fases da Crise de Enxaqueca (1)
Um episódio de enxaqueca pode ser dividido em fases, baseando-se no tempo até a enxaqueca:
- Premonitória (ou Pródromo): Precede a dor de cabeça. Vários sintomas podem ocorrer, como poliúria, mudanças no humor, irritabilidade, sensibilidade à luz, dor no pescoço, dificuldade para concentrar, entre outros. Geralmente, essa fase acontece horas antes da dor de cabeça. Alguns estudos relataram mudanças na atividade e na conectividade do hipotálamo horas antes da dor de cabeça, o que explicaria a poliúria, a mudança do humor e a mudança no apetite. A caracterização da fase premonitória proporciona a oportunidade de tratar a enxaqueca em seus primeiros sinais. Para alguns pacientes, os eventos que levam ao ataque de enxaqueca podem ter início 12 a 24 horas antes da dor (10). Em uma primeira fase, uma disfunção hipotalâmica conhecida por pródromo (ou fase de aviso) caracteriza-se por hiper ou hipoatividade, fadiga, sonolência, euforia, compulsão alimentar (craving), depressão, irritabilidade, alteração do humor, bocejos repetidos, tontura, enriquecimento e/ou dor na nuca (10).
- Aura: Precede imediatamente ou acompanha a dor de cabeça.
- Dor de cabeça: Fase álgica.
- Pós-dor de cabeça: Fase de resolução.
Objetivo do Tratamento
Um manejo efetivo da enxaqueca requer reconhecer e eliminar fatores capazes de exacerbar esses quadros, além de personalizar um tratamento preventivo (1, 9). O tratamento médico depende da frequência das crises e da presença de outras comorbidades (3).
Alterações Bioquímicas Relevantes
- Magnésio total sérico ou plasmático: Valor de Referência (VR): <0,85 mmol/L (4).
Tratamento Médico Farmacológico
Uso Preventivo
Beta-bloqueadores, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes (incluindo topiramato e divalproex de sódio), toxina botulínica e flunarizina são o tratamento padrão de prevenção à enxaqueca (1). A escolha da terapia preventiva é baseada na tolerância e nas comorbidades apresentadas pelo paciente (1). A profilaxia pode incluir antagonistas de canais de cálcio, bloqueadores β-adrenérgicos e antagonistas de serotonina (3).
Uso Agudo
- AINEs são frequentemente utilizados como primeira opção (1, 3).
- Simpatomiméticos e antagonistas de serotonina, como o sumatriptano (1, 3).
A administração da droga deve ocorrer o mais cedo possível para otimizar o tempo e a eficácia da droga (1). Não existem contraindicações no uso de triptanos em pacientes com enxaqueca com aura (1).
É comum o uso abusivo de medicamentos, sendo que muitas vezes a retirada do medicamento desencadeia a dor de cabeça (1). Com isso, em média, 50% das pessoas com esse uso abusivo, após o “desmame” do medicamento, apresentam apenas episódios esporádicos (1).
Terapia Nutricional e Suplementação
Base Dietética
Não há estudos de boa qualidade que suportem qualquer eliminação dietética específica (1). O mais recomendado é o ajuste para uma alimentação saudável de forma geral, de preferência que contenha os nutrientes que beneficiem os indivíduos afetados pela doença (9). É fundamental avaliar o consumo de alimentos-chave possivelmente desencadeadores.
Cafeína
Embora nenhum estudo tenha sido feito com a cafeína visando provocar a enxaqueca, esse efeito já foi observado (2). O consumo de cafeína reduz o fluxo sanguíneo cerebral pela indução da vasoconstrição no sistema nervoso central, o que é benéfico; no entanto, a retirada da cafeína aumenta o fluxo, piorando o quadro de enxaqueca (2).
O limite recomendado é de 200 mg/dia de cafeína, preferencialmente através do café, cacau ou chás devido a seus outros benefícios à saúde. É importante manter o consumo constante durante os dias para evitar flutuações que possam ser gatilhos. O consumo excessivo crônico de cafeína pode “cronificar” a enxaqueca; a diminuição do consumo deve ser realizada lentamente (2).
A cafeína, uma metilxantina, ultrapassa a barreira hematoencefálica, diferentemente de outras substâncias que exercem ação periférica. A cafeína provoca constrição das artérias, o que pode causar o desencadeamento da enxaqueca (10). Entretanto, a retirada da substância também pode agir como desencadeante, já que, quando sua ingestão é interrompida, as artérias se dilatam, aumentando o fluxo sanguíneo cerebral, resultando em enxaqueca (10). Um estudo mostrou que a retirada de doses de 100 mg/dia de cafeína foi capaz de gerar sintomas (10). O consumo excessivo de cafeína pode aumentar a excreção de magnésio, diminuindo seus níveis séricos e piorando o quadro (2). O consumo de cafeína junto a analgésicos pode acelerar a absorção do medicamento através da diminuição do pH gástrico, além do aumento da motilidade (2). A cafeína é capaz de modular a microbiota intestinal, gerando benefícios no tratamento (2). Alguns autores pontuam que a moderação no consumo de cafeína é uma medida não farmacológica que deve ser considerada em indivíduos com enxaqueca, inclusive em crianças (10).
Carboidratos
O cérebro apresenta uma atividade metabólica extremamente elevada, associada a um consumo constante de oxigênio e glicose (9). Em média, apenas o cérebro é responsável por utilizar 20% de todo o consumo de glicose do organismo em repouso, mesmo representando apenas 2% da massa corpórea (9). Recomenda-se ajustar o consumo de carboidratos (CHO).
Hidratação
A desidratação pode ser um fator desencadeador (3). É fundamental ajustar a ingestão de líquidos.
Coenzima Q10 (CoQ10)
A riboflavina e a coenzima Q10 foram sugeridas como opções viáveis devido à sua função no metabolismo energético (3). Diversos estudos sugerem que a CoQ10 é um agente complementar seguro e eficaz na manutenção da enxaqueca (9). Seu efeito mais “visível” é a diminuição da frequência dos ataques (9). Embora não tenha havido diminuição da severidade dos ataques, houve uma redução do tempo de duração e da frequência (9). Um estudo utilizou 150 mg/dia de CoQ10 e gerou uma redução de 50% no número de ataques relacionados à enxaqueca, resultado confirmado por outros estudos similares (9). Considerando a já estabelecida base de dados sobre a CoQ10 na produção mitocondrial de energia e no estresse oxidativo, espera-se mais estudos relacionando a CoQ10 na enxaqueca, que ainda são poucos (9).
Magnésio (Mg)
O Mg está envolvido na fisiopatologia da enxaqueca, pois sua deficiência está relacionada à depressão da disseminação cortical, agregação de plaquetas, liberação de neurotransmissores e vasoconstrição (6, 10). Indivíduos com enxaqueca apresentaram menores concentrações séricas de magnésio, mesmo dentro dos parâmetros de normalidade (9). A deficiência de magnésio, por si só, é um fator de risco para a enxaqueca (9).
O Mg inibe o influxo de cálcio nos neurônios, bloqueando os receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA), que desempenham um papel na iniciação e manutenção da sensibilização após estimulação nociceptiva (6, 9). Sua deficiência pode facilitar a ativação de NMDA e aumentar, consequentemente, a ação desse receptor na depressão cortical alastrante (CSD), contribuindo para mais episódios de enxaqueca (6, 9). O bloqueio dos canais de cálcio nos neurônios pode ainda contribuir para a inibição da sinalização intracelular pró-inflamatória relacionada à patogênese da enxaqueca (9). Além disso, a redução do Mg também diminui os níveis de óxido nítrico (NO), comprometendo a regulação do fluxo sanguíneo, tanto na parte intra quanto extracraniana (6). Ele também está relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), envolvido na dilatação dos vasos sanguíneos intracranianos. O Mg é capaz de diminuir os níveis circulantes de CGRP, evitando assim novos episódios (6, 9). Além disso, é importante para inibir a vasoconstrição induzida pela serotonina durante a enxaqueca (6). O magnésio mostrou-se eficaz no tratamento (3).
A suplementação de magnésio reduziu em 75% os episódios de enxaquecas diárias, além de ter sido eficiente na diminuição da duração e dos sintomas relacionados, como vômitos, náuseas e fotofobia (6). A suplementação em pessoas que apresentam episódios de enxaqueca parece uma medida profilática eficaz (6). O magnésio se mostrou particularmente mais implicado na enxaqueca quando associado à enxaqueca relacionada ao ciclo menstrual. Alguns autores encontraram que a prevalência da deficiência durante crises no período menstrual chega a 45% (10). O estresse do período pré-menstrual pode estimular a secreção de mineralocorticoides e glicocorticoides que, juntos, podem aumentar a excreção renal de magnésio e diminuir sua absorção intestinal (10). A deficiência do magnésio pode resultar em depleção seletiva dos níveis de dopamina do sistema nervoso central, um neurotransmissor relacionado à transmissão de sinais de euforia e satisfação, e pode ser uma molécula relacionada com comportamentos compulsivos (10). Existem autores que sugerem que a compulsão por chocolate pode representar um mecanismo comportamental para regular essa deficiência, já que o chocolate é uma boa fonte de magnésio (10). A suplementação de Citrato/Lactato/Cloreto de Magnésio é recomendada, com dose máxima de 350 mg/dia, preferencialmente em cápsulas gastrorresistentes e adicionadas de Vitamina B6. É crucial ajustar a ingestão de Mg.
Vitaminas do Complexo B
Vitamina B1 (Tiamina)
A deficiência de tiamina é relatada em diversas patologias humanas, e desde 1949, ela é utilizada no tratamento de enxaqueca (9). Um estudo recente encontrou que o consumo de tiamina está correlacionado com a severidade dos sintomas, sendo que pessoas com sintomas mais graves tendem a consumir menos tiamina. No entanto, quando ajustada a ingestão energética, essa associação deixa de ser significativa (9). Embora ainda não haja evidências robustas, a tiamina é um nutriente essencial, largamente transportada para a mitocôndria, e, por isso, pode estar implicada nas funções mitocondriais (9). Ela pode participar na modulação da dor, e sua deficiência pode ser associada à ocorrência da enxaqueca (9). É importante ajustar a ingestão de B1.
Vitamina B2 (Riboflavina)
A Vitamina B2 parece ter papel no tratamento de enxaquecas (5, 9). A riboflavina é associada à função mitocondrial e, por isso, à enxaqueca (9). Um estudo recente concluiu que a riboflavina, apesar de apresentar um potencial na melhora da enxaqueca, ainda tem evidências fracas (9). Apesar disso, a Academia Americana de Neurologia considera a riboflavina com nível B de evidência, confirmando sua eficácia na prevenção da enxaqueca (9). O mecanismo por trás de seus efeitos é explicado pelo seu envolvimento na regulação da produção de energia mitocondrial e na produção do estresse oxidativo, porém ainda não se sabe detalhes de sua participação (9, 10). Outro mecanismo proposto é que a riboflavina atua na redução da neuroinflamação, sendo uma das bases propostas para a enxaqueca (9). Em resumo, a riboflavina é um composto importante na homeostase mitocondrial, na produção de energia e na proteção contra o estresse oxidativo no cérebro; além disso, diversos estudos clínicos confirmam seu papel preventivo (9). É essencial ajustar a ingestão de B2.
Vitamina B3 (Niacina)
A deficiência de B3 pode gerar uma redução da fosforilação oxidativa, prejudicando a respiração mitocondrial (9). Além disso, alguns autores sugerem que a niacina age no feedback negativo na via da quinurenina (metabolismo do triptofano), redirecionando seu uso para a via da serotonina, onde baixos níveis são relacionados à enxaqueca (9). No entanto, apesar de alguns estudos mostrarem benefícios, ainda existem diversas falhas nesses estudos, sendo necessários estudos mais robustos e bem controlados (9). É crucial ajustar a ingestão de B3.
Melatonina
A melatonina está relacionada a diversos efeitos ligados à função mitocondrial, incluindo aqueles associados diretamente ao metabolismo energético (9). Além disso, ela foi associada à remoção de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS) e Espécies Reativas de Nitrogênio (RNS) (9). Desordens do sono são o segundo principal gatilho para a dor de cabeça (9). Embora não tenham sido encontrados links diretos entre enxaqueca e distúrbios do sono, a utilização de melatonina pode ser uma estratégia útil (9). Alguns estudos observacionais encontraram que a melatonina é capaz de melhorar a frequência e a intensidade das enxaquecas sem efeitos colaterais expressivos (9). A suplementação de Melatonina na dose de 300 mcg é indicada.
Ômega-3 e Ômega-6
Sugere-se que, devido ao componente inflamatório presente na enxaqueca, pacientes possam se beneficiar de dietas com melhor equilíbrio entre os ácidos graxos das famílias ômega-6 e ômega-3. A suplementação de Ômega-3 é recomendada. É importante avaliar o consumo de Ômega 3/6.
Fitoterapia Complementar
Alevante (Mentha piperita)
Um estudo observou que o óleo essencial de Mentha piperita (alevante) a 10%, aplicado topicamente na testa, foi eficaz na redução da cefaleia, sendo tão potente quanto 1g de paracetamol administrado por via oral. Seu efeito foi associado principalmente ao mentol (8).
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