Anemias: Classificação, Diagnóstico e Fisiopatologia
Introdução
A anemia é uma condição clínica caracterizada pela redução da capacidade do sangue em transportar oxigênio aos tecidos, sendo diagnosticada pela diminuição das taxas de hemoglobina (Hb) sanguínea (1). Este documento aborda a classificação, os métodos diagnósticos e a fisiopatologia das principais formas de anemia, com foco nas deficiências nutricionais de ferro, vitamina B12 e folato.
Fisiopatologia da Anemia
A anemia pode ser classificada de acordo com sua fisiopatologia em (1):
- Anemia por comprometimento na produção dos eritrócitos: Resulta de falhas na eritropoiese.
- Anemia por aumento da destruição de eritrócitos: Causada por hemólise excessiva.
- Anemia por perda sanguínea: Decorrente de hemorragias agudas ou crônicas.
Morfologicamente, as anemias são classificadas pelo Volume Corpuscular Médio (VCM) dos eritrócitos em:
- Microcítica: VCM baixo.
- Normocítica: VCM normal.
- Macrocítica: VCM alto.
A contagem de reticulócitos reflete a atividade eritropoiética da medula óssea (1). Anemias com contagens aumentadas (>1,5%) são denominadas hiperproliferativas, enquanto aquelas com contagens diminuídas (<0,5%) são designadas hipoproliferativas (1).
Os principais fatores que contribuem para a ocorrência de anemia são deficiências nutricionais, doenças crônicas (inflamação, processos infecciosos e neoplasias) e alterações genéticas da hemoglobina (1).
Principais Anemias por Classificação Fisiopatológica (1)
Comprometimento da Produção de Eritrócitos | Aumento da Destruição de Eritrócitos | Perda Sanguínea |
Anemias Carenciais: | Anemias Hemolíticas Hereditárias: | Hemorragias Agudas |
– Ferropriva | – Defeitos de proteínas da membrana eritrocitária | Hemorragias Crônicas |
– Megaloblástica | – Eritroenzimopatias | |
Anemia de doença crônica | – Hemoglobinopatias | |
Anemia secundária à insuficiência renal crônica | Anemias Hemolíticas Adquiridas: | |
Anemia aplástica | – Imunológicas | |
– Medicamentos | ||
– Malária |
Os sintomas mais comuns da anemia incluem fadiga, dispneia, síncope, palpitações e cefaleia. Em deficiência de vitamina B12, a pele pode apresentar coloração amarelada, além de sensibilidade à dor, irritabilidade e depressão. Na deficiência de folato, podem ocorrer perda sensorial, incapacidade de controlar os músculos e depressão.
Avaliação Laboratorial
A investigação laboratorial inicial da anemia é realizada por meio do hemograma, complementado por análises específicas quando necessário para o diagnóstico etiológico (1).
Hemoglobina
Os valores de corte para a concentração de hemoglobina, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), são (1):
População | Anemia Total | Leve | Moderada | Grave |
Homens > 15 anos | <13 g/dL | 12,9 – 11 g/dL | 10,9 – 8 g/dL | <8 g/dL |
Mulheres > 15 anos | <12 g/dL | 11,9 – 11 g/dL | 10,9 – 8 g/dL | <8 g/dL |
Gestantes | <11 g/dL | 10,9 – 10 g/dL | 9,9 – 7 g/dL | <7 g/dL |
(1)
Diagnóstico Diferencial (Vitamina B12 vs. Folato)
O diagnóstico diferencial entre deficiência de vitamina B12 e folato é crucial e pode ser realizado por meio dos seguintes testes (2):
Teste | Deficiência de Vitamina B12 | Deficiência de Folato |
Vitamina B12 sérica | Reduzida | Usualmente normal |
Folato sérico | Normal ou aumentado | Reduzido |
Ácido metilmalônico | Aumentado | Normal |
Homocisteína | Aumentado ++ | Aumentada + |
(2)
Anemias Nutricionais
As anemias nutricionais resultam de baixas concentrações de nutrientes essenciais para a formação dos eritrócitos ou da hemoglobina (1).
Anemia por Deficiência de Ferro (Ferropriva)
A anemia ferropriva pode ser causada por deficiência absoluta de ferro ou deficiência funcional (1). Ambas, se não tratadas, podem resultar em anemia (1). A deficiência absoluta pode levar à anemia ferropriva, enquanto a deficiência funcional pode ser a causa da anemia de doenças crônicas (1).
A anemia ferropriva ocorre quando há um desequilíbrio entre a taxa de ferro absorvido e as perdas, resultando em baixas concentrações de ferro no organismo (1). Laboratorialmente, caracteriza-se por baixa concentração sérica de ferro, baixa saturação da transferrina e baixas concentrações de ferritina sérica (estoques de ferro) (1).
As causas comuns da anemia ferropriva incluem (1):
- Necessidades aumentadas de ferro: Crianças, adolescentes e gestantes.
- Deficiência alimentar em ferro: Dieta inadequada, dietas vegetarianas ou veganas mal planejadas, ou condições de pobreza.
- Alterações na absorção de ferro: Gastrite atrófica, enteropatia sensível ao glúten, gastrectomia parcial, infecção por Helicobacter pylori e doença celíaca.
- Perdas sanguíneas: Hemorragias gastrointestinais, uterinas, renais e flebotomias.
No hemograma, a anemia ferropriva tipicamente apresenta número de eritrócitos normal, baixa concentração de hemoglobina e VCM baixo, caracterizando uma anemia microcítica e hipocrômica (1).
Anemia Megaloblástica (Deficiência de Vitamina B12 e/ou Folato)
A anemia megaloblástica é causada principalmente pela deficiência ou menor utilização de vitamina B12 e/ou folato (1). No entanto, outras causas incluem doenças congênitas, síndromes mielodisplásicas e defeitos adquiridos na síntese do DNA devido à quimioterapia (1).
Principais Causas da Anemia Megaloblástica (1)
Deficiência em Vitamina B12 | Deficiência em Folato | Outras Causas |
Absorção reduzida: | Absorção reduzida: | Fármacos: |
– Anemia perniciosa | – Doença celíaca | – Antibióticos |
– Pós-gastrectomia | Ingestão reduzida: | – Quimioterápicos |
– Síndrome de Zollinger-Ellison | – Idosos | – Anticonvulsivantes |
– Insuficiência pancreática | – Alcoolismo | – Contraceptivos orais |
Ingestão reduzida: | – Prematuros | Erros inatos do metabolismo |
– Vegetarianos | – Dieta com leite de cabra | Aumento da demanda: |
– Veganos | Aumento da demanda: | – Gestação |
– Gestação | – Puberdade | |
– Hemodiálise | – Anemia da doença crônica | |
– Dermatite esfoliativa | – Hemodiálise | |
Idiopática: | Anemia Megaloblástica responsiva à tiamina | |
– Anemia diseritropoética congênita | ||
– Eritroleucemia | ||
– Anemia megaloblástica refratária |
O metabolismo do folato e da vitamina B12 estão intrinsecamente relacionados (1). No ciclo do folato, a vitamina B12 atua como cofator essencial durante a remetilação da homocisteína em metionina (1).
A anemia megaloblástica é caracterizada por danos ou retardo na replicação do DNA das células precursoras hematopoiéticas (1). Isso ocorre devido ao insucesso na síntese do timidilato, uma reação dependente da disponibilidade de folato e vitamina B12, resultando no prolongamento da fase S do ciclo celular (1). A síntese de RNA e de proteínas plasmáticas, contudo, não é retardada ou dependente de folato (1). Esse descompasso leva a uma dissociação citonuclear de maturação, com atraso na maturação do núcleo em relação ao citoplasma da célula, culminando no aparecimento de eritrócitos megaloblásticos na corrente sanguínea (1).
No hemograma de um indivíduo com anemia megaloblástica, observa-se anemia macrocítica (VCM aumentado entre 100-150 fL), com redução importante na contagem de eritrócitos e uma redução mais discreta no número de leucócitos e plaquetas (1). Devido ao atraso na maturação nuclear e ao crescimento assimétrico núcleo/citoplasma, há uma perda significativa de precursores hematopoiéticos na medula óssea, resultando em hematopoese ineficaz e aumento das concentrações séricas de bilirrubinas e da atividade da lactato desidrogenase (1).
Por se desenvolver lentamente, a anemia megaloblástica permite mudanças adaptativas compensatórias, produzindo poucos sintomas até que o hematócrito esteja significativamente baixo (1). Os sintomas principais são os comuns às anemias, como fraqueza, palpitações, fadiga, tonturas e dispneia. A palidez, juntamente com a leve icterícia causada pela hemólise intramedular e extravascular, confere um tom amarelo-limão à pele do paciente. Glossite e estomatite angular também podem estar presentes (1).
Conduta Clínica
A conduta clínica na anemia deve incluir:
- Avaliação de Ferro, Vitamina B12 e Folato: Essencial para determinar a etiologia nutricional da anemia.
- Avaliação da Hemoglobina: Para classificar a gravidade da anemia e monitorar a resposta ao tratamento.
- Hemograma completo: Para identificar características morfológicas dos eritrócitos (VCM) e contagem de reticulócitos.
- Exames complementares: Conforme o diagnóstico diferencial, podem ser solicitados ácido metilmalônico e homocisteína.
Referências Bibliográficas
- COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases Bioquímicas e Fisiológicas da Nutrição nas Diferentes Fases da Vida, na Saúde e na Doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p.
- BRAGA, J. A. P.; AMANCIO, O. M. S. Deficiências Nutricionais – Manual para Diagnóstico e Condutas. 1. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2022. 216 p.