Toxicidade do Chumbo em Humanos: Acúmulo, Absorção, Metabolismo e Manifestações Clínicas
Introdução
O chumbo (Pb) é um metal pesado amplamente distribuído no ambiente, principalmente como resultado de atividades antropogênicas. Sua natureza cumulativa e a ampla gama de efeitos adversos nos sistemas biológicos o tornam uma preocupação significativa para a saúde pública, com especial atenção às populações mais vulneráveis.
Distribuição e Acúmulo de Chumbo nos Tecidos
Estudos demonstram consistentemente a afinidade do chumbo pelo tecido ósseo, onde suas concentrações são notavelmente mais elevadas em comparação com os tecidos moles (1). O chumbo apresenta acúmulo tecidual com o avanço da idade, especialmente em ossos, aorta, rins, fígado, pulmões e baço (1).
A concentração média de chumbo no sangue foi estimada, com valores observados variando entre 5,1 e 163 mcg/dL (1). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o limite de segurança para a concentração sanguínea em crianças é de até 10 mcg/dL (1). No entanto, pesquisas mais recentes indicam que concentrações inferiores a 10 mcg/dL já estão associadas a distúrbios neurológicos (1).
Absorção do Chumbo
Não há evidências de acúmulo de chumbo nos pulmões; todo o chumbo retido no sistema respiratório é eventualmente absorvido ou transferido para o trato gastrointestinal (1). Para fins práticos, assume-se que, em média, aproximadamente 30% do chumbo inalado é absorvido (1). A absorção alimentar em adultos é de cerca de 5-10%, mas essa fração pode ser maior em lactentes e crianças durante a amamentação, bem como em casos específicos de deficiências nutricionais (1).
A absorção e retenção do chumbo ingerido são significativamente influenciadas pela quantidade de elementos essenciais na dieta (1). A absorção de chumbo é acentuada pela deficiência de elementos como manganês, zinco, cobre, cromo, cálcio e magnésio (1).
Metabolismo do Chumbo
O chumbo absorvido é transportado no sangue, predominantemente nos eritrócitos, e subsequentemente transferido para tecidos moles, incluindo fígado, rins, e para o tecido ósseo, onde se acumula com a idade (1). Pequenas quantidades são excretadas no leite, suor, cabelo e unhas (1).
A carga corporal de chumbo concentra-se, essencialmente, em dois compartimentos:
- Ossos: Contêm aproximadamente 90-94% do conteúdo total de chumbo do corpo, com uma meia-vida biológica de 10 a 30 anos (1).
- Compartimento de troca rápida (sangue, tecidos moles e fração óssea de rápida troca): Apresenta uma meia-vida de cerca de 30 dias (1).
O sintoma mais comum da intoxicação aguda por chumbo é a cólica gastrointestinal (1). Atualmente, não há evidências conclusivas de que o chumbo possa causar danos diretos ao fígado, sistema cardiovascular ou função reprodutiva (1).
Fontes de Exposição ao Chumbo
A maior parte da exposição humana ao chumbo decorre de atividades antropogênicas, como o uso de combustíveis fósseis, determinadas instalações industriais e a presença de tintas à base de chumbo em ambientes residenciais (1).
As crianças representam a parcela da população mais vulnerável à intoxicação por chumbo (1). A contaminação pode ocorrer por duas vias principais:
- Ingestão direta: De aparas de tinta ou outros produtos contendo chumbo (água de tubulações de chumbo, brinquedos plásticos) (1).
- Ingestão indireta: De poeira ou solo doméstico contaminado com chumbo (1).
O pó de chumbo também pode se depositar em alimentos, criando uma via adicional de exposição (1). No Brasil, uma das maiores fontes de contaminação por chumbo tem sido a utilização de encanamentos domésticos à base de chumbo para a distribuição de água (1). Apesar da proibição do uso de chumbo na fabricação de encanamentos, construções antigas ainda mantêm esse padrão (1).
Para a população em geral, a principal via de contaminação é a alimentação (1). Os alimentos mais relevantes nessa via incluem frutas, vegetais folhosos, cereais, rins, moluscos (especialmente mexilhões), e vinho (provavelmente contaminado pelo contato do suco com equipamentos contendo chumbo) (1).
Interação com Outros Metais Essenciais
Zinco
A exposição ao chumbo em animais e humanos está associada a uma diminuição da atividade da enzima delta-aminolevulinato desidratase (ALA-D), que é dependente de zinco. A coadministração de zinco pode prevenir essa diminuição (1).
Cálcio
Existem interações importantes entre chumbo e cálcio, particularmente no intestino (1). Diversos estudos demonstraram que a deficiência de cálcio aumenta a absorção de chumbo (1).
Ferro
A deficiência de ferro em animais de laboratório intensifica a absorção de chumbo e promove sua toxicidade, indicando que crianças e gestantes são mais suscetíveis ao chumbo dietético (1).
Avaliação do Status do Chumbo no Organismo
A determinação direta da concentração de chumbo no sangue é, em geral, o indicador biológico mais empregado para avaliar os riscos de intoxicação por esse metal (1). O teor de chumbo na urina é baixo e variável, não sendo, portanto, um bom indicador de exposição (1).
Toxicidade do Chumbo: Manifestações Clínicas
Os sintomas da intoxicação por chumbo são exacerbados em dietas deficientes em ferro (1).
Hipertensão
Em adultos, o efeito mais crítico ou sensível pode ser o desenvolvimento de hipertensão arterial. Há uma associação entre a concentração de chumbo no corpo e o aumento da pressão sanguínea em adultos (1).
Anemia
A anemia decorrente da intoxicação por chumbo resulta de dois mecanismos básicos: a redução do ciclo de vida dos eritrócitos e o prejuízo da síntese de heme (1). A diminuição do ciclo de vida dos eritrócitos é uma consequência da fragilidade mecânica aumentada da membrana celular (1). A queda na síntese de heme é, provavelmente, o estímulo para o aumento da atividade da delta-aminolevulinato sintase, a primeira etapa na síntese de heme (1). A anemia é um efeito sistêmico crônico comum, resultante principalmente dos efeitos do chumbo na síntese de heme (1). No entanto, a anemia, na ausência de outros sintomas, raramente é atribuída à exposição ao chumbo (1).
Encefalopatia
Os sintomas iniciais da encefalopatia por chumbo incluem letargia, vômito, irritabilidade, perda de apetite e tontura, podendo progredir para ataxia evidente e redução do nível de consciência, culminando em coma e óbito (1). Crianças que se recuperam de uma encefalopatia por chumbo frequentemente apresentam sequelas como retardo mental, epilepsia e neuropatia óptica, com cegueira em alguns casos (1). A encefalopatia crônica pode resultar da absorção prolongada de chumbo ou ser um efeito residual de um episódio de encefalopatia aguda (1).
Efeitos Renais
Os efeitos toxicológicos do chumbo nos rins são de dois tipos:
- Disfunção tubular renal reversível: Ocorre predominantemente em crianças com exposição aguda ao chumbo, geralmente associada a efeitos neurológicos manifestos (1).
- Nefropatia intersticial crônica irreversível: Caracterizada por esclerose glomerular (1).
Normalmente, os efeitos renais são reversíveis, mas a exposição crônica pode causar alterações funcionais e morfológicas irreversíveis (1).
Câncer
O chumbo é classificado como um carcinógeno de categoria 2A pela IARC, o que significa que há evidências adequadas de carcinogenicidade em animais, mas inadequadas em humanos (1).
Gestação e Fertilidade
A intoxicação mais acentuada por chumbo pode causar esterilidade, aborto, mortalidade e morbidade neonatal (1).
Referências Bibliográficas
- COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.