Artrite Reumatoide: Abordagens Terapêuticas e Nutricionais


Artrite Reumatoide: Abordagens Terapêuticas e Nutricionais

A Artrite Reumatoide (AR) ou Doença Reumatoide (DRe) é uma doença inflamatória crônica sistêmica que afeta aproximadamente 6% das mulheres e 2% dos homens, com o surgimento dos primeiros sintomas geralmente após a quarta década de vida (2). Caracteriza-se pelo acometimento das membranas sinoviais das articulações, culminando em inflamação, inchaço e formação de pannus. Além do envolvimento articular, a DRe pode afetar órgãos como pulmões, medula óssea e olhos (1,2).

A patogênese da DRe envolve a formação de imunocomplexos nas articulações, com a presença de fator reumatoide – anticorpos direcionados às proteínas do tecido conectivo articular (2). A atração de leucócitos para o espaço articular desencadeia uma resposta inflamatória mediada pela liberação de leucotrienos, prostaglandinas, tromboxanos e radicais livres oxidativos (2). Essa agressão autoimune crônica resulta no espessamento da membrana sinovial, acúmulo de líquido articular e erosão da cartilagem e tecido ósseo (2). A DRe pode acometer qualquer articulação sinovial, sendo mais comum o envolvimento simétrico e bilateral das articulações interfalangeanas proximais, metacarpofalangeanas, punhos e metatarsofalangeanas (2).

A doença manifesta-se por períodos de exacerbação inflamatória e dor articular, intercalados por remissões (2). A queixa de rigidez articular matinal com duração de pelo menos uma hora é frequente (2). A longo prazo, pode levar a deformidades e perda da função articular, instabilidade da coluna vertebral, síndromes compressivas neurológicas, ruptura de tendões e da bolsa sinovial, e úlceras cutâneas necróticas secundárias a vasculites e microtrombos arteriais (2). O estresse orgânico inflamatório induz catabolismo proteico intenso, mediado por citocinas inflamatórias como IL-1 e TNF-α (2). Na fase aguda, o metabolismo hepático prioriza a síntese de proteínas inflamatórias e imunoglobulinas em detrimento de proteínas estruturais como a albumina (2). Esse quadro crônico pode evoluir para caquexia e sarcopenia progressiva (2).


Fatores de Risco e Consequências Clínicas

A exata patogênese da DRe ainda não está completamente elucidada, mas se reconhece uma predisposição genética e a influência de fatores ambientais, incluindo hábitos alimentares, tanto no estabelecimento quanto na progressão da doença (1).

Consequências Clínicas

  • Problemas Dentários: Pacientes com DRe apresentam maior susceptibilidade a cáries e sangramentos gengivais, especialmente quando associados à limitação da mobilidade da articulação temporomandibular e xerostomia, exigindo cuidados odontológicos frequentes (2).
  • Alterações no Peso Corporal: Embora a perda ponderal seja comum devido ao intenso catabolismo e distúrbios psíquicos, alguns pacientes podem ganhar peso em decorrência da redução da atividade física, do consumo de alimentos calóricos e do uso de corticosteroides, que promovem acúmulo de gordura, principalmente abdominal (2).
  • Desnutrição: O estado de desnutrição resulta principalmente do catabolismo intenso e do aumento da demanda calórica (2). A caquexia na DRe está diretamente relacionada à produção de citocinas como IL-1 e TNF, que elevam a taxa metabólica basal (2). Outros fatores que contribuem para a caquexia incluem:
    • Comprometimento da articulação temporomandibular, dificultando a mastigação e ingestão de alimentos sólidos.
    • Comprometimento articular das mãos, tornando o indivíduo dependente para compra, preparo e manuseio de alimentos.
    • Ressecamento da mucosa oral e esofágica, com disfagia, glossite e irritação da mucosa orogengival, características da síndrome de Sjögren, frequentemente associada à DRe.
    • Efeitos colaterais de medicamentos, como náuseas e desconforto abdominal.
    • Má absorção intestinal devido à atrofia da mucosa gastrointestinal, secundária à deficiência de ácido fólico pelo uso de imunossupressores, em particular o metotrexato (2).

Estratégias Terapêuticas e Nutricionais

O tratamento da DRe visa prevenir e controlar o processo inflamatório articular, gerenciar as complicações extra-articulares e minimizar a dor, buscando a melhora na qualidade de vida do paciente.

Farmacoterapia

  • Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs): São utilizados para o controle dos sintomas dolorosos (2).
  • Metotrexato: Este fármaco atua inibindo diversas enzimas, promovendo o acúmulo de adenosina e, consequentemente, prevenindo a resposta imune pró-inflamatória (1).
  • Corticosteroides: Em casos agudos intensos, enquanto se aguarda o efeito das drogas modificadoras do curso da doença, utiliza-se corticosteroides em doses baixas e pelo menor tempo possível, devido aos seus múltiplos efeitos colaterais (2).

Tratamento Cirúrgico

A intervenção cirúrgica pode ser indicada em situações de comprometimento irreversível da função articular (2).

Terapia Nutricional

Restrição de Cafeína

O consumo excessivo de café tem sido associado a um maior risco de desenvolvimento da DRe (1). Estudos indicam que indivíduos que consomem mais de quatro xícaras de café por dia podem apresentar risco elevado, sendo essa relação mais evidente em pacientes com anticorpos autoimunes (1). Sugere-se que o café pode influenciar tanto o controle quanto o aparecimento da DRe, uma vez que a cafeína é um antagonista do receptor de adenosina, e o metotrexato, um dos principais tratamentos da DRe, atua acumulando adenosina (1). Pacientes em uso concomitante de metotrexato e cafeína demonstraram uma melhora lentificada (1). Além disso, o café poderia desencadear crises pela liberação de adrenalina e/ou noradrenalina (2). No entanto, há controvérsias, com alguns estudos não encontrando relação significativa entre o consumo de café e a DRe (1).

Avaliação de Alergias Alimentares

Alguns pesquisadores sugerem o envolvimento de alergias alimentares em até 30% dos casos de artrite reumatoide (2). Alimentos ricos em histamina, como carne de porco, tomate, salsicha e espinafre, foram descritos como agravantes do quadro (2).

Dieta no Padrão Mediterrâneo

Este padrão alimentar é frequentemente recomendado devido aos seus reconhecidos benefícios anti-inflamatórios.

Suplementação e Nutrientes de Interesse

  • Ácido Fólico: A utilização de imunossupressores, como o metotrexato, pode levar à depleção de ácido fólico (2). A deficiência de ácido fólico pode causar anemia megaloblástica, sendo habitual a suplementação diária de pelo menos 1g de ácido fólico (2).
  • Cacau: Rico em flavonoides e procianidinas, o cacau demonstra importante efeito antioxidante, modulando a resposta imune celular, suprimindo a ativação da via inflamatória NF-κB e alterando a produção de citocinas pró-inflamatórias (2).
  • Soja: A genisteína, um fitoestrógeno presente na soja, tem demonstrado amenizar o comprometimento articular em modelos animais de DRe, além de reduzir os níveis circulantes de anticorpos anti-colágeno (2).
  • Micronutrientes: Pacientes com DRe apresentam níveis elevados de radicais livres no sangue e líquido sinovial (2). Minerais essenciais como cobre, zinco, ferro, manganês, magnésio e selênio ativam enzimas antioxidantes (2). A deficiência desses minerais, bem como de vitaminas A, C e E, é frequentemente observada em pacientes com doenças inflamatórias crônicas, devido ao aumento da depleção durante a atividade da doença e à geração de radicais livres (2). A vitamina C e o zinco, importantes antioxidantes, são cofatores na síntese de colágeno, o que justifica o crescente interesse nesses nutrientes na DRe (2). Embora um estudo tenha demonstrado maior risco de DRe em indivíduos com menor consumo de frutas, vegetais e vitamina C, e não tenha encontrado a mesma relação com outros antioxidantes (selênio, B-caroteno, retinol e vitamina E), os estudos sobre a suplementação desses elementos ainda são pouco conclusivos (2).
  • Vitamina D: Desempenha papel crucial na regulação imunológica, modulando a atividade de linfócitos (2). Modelos animais indicaram que a vitamina D pode prevenir a DRe (2). Um estudo em mulheres observou uma relação inversa entre o risco de desenvolver DRe e o consumo de vitamina D ou laticínios enriquecidos (2). Em humanos, a vitamina D potencializou os efeitos imunossupressores in vitro da ciclosporina em soro de pacientes com artrite reumatoide e demonstrou melhora nos parâmetros clínicos de pacientes com artrite psoriática aguda (2).
  • Cálcio: Independentemente dos efeitos imunológicos, a suplementação de vitamina D e cálcio é essencial para mitigar o risco de osteoporose induzido pela DRe, especialmente em pacientes que utilizam corticosteroides, os quais promovem o aumento da excreção de cálcio e inibem os efeitos da vitamina D (2).
  • Ômega-6: Ácidos graxos como o ácido linoleico (AL) e o ácido araquidônico (ARA) são precursores de substâncias pró-inflamatórias (eicosanoides), incluindo a prostaglandina E2 (PGE2) (2). O ácido γ-linoleico (AGL) e seu derivado direcionam a atividade da enzima ciclo-oxigenase (COX) para a síntese de PGE1, que possui ações anti-inflamatórias, por deslocamento da reação de síntese de PGE2 (2). A suplementação de AGL e PGE1 foi capaz de suprimir a atividade de leucócitos em modelos animais, mas estudos em humanos apresentaram resultados contraditórios (2). Alimentos de origem animal fornecem grandes quantidades de ARA, não presentes em vegetais, o que sugere a priorização de proteínas vegetais em relação às carnes e outras proteínas de origem animal (2).
  • Ômega-3: O ácido α-linolênico (ALA) pode ser convertido em ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA) pela enzima dessaturase, cuja atividade é lenta em humanos e pode ser comprometida pelo envelhecimento ou doenças crônicas (2). A alta ingestão de ômega-6 pode inibir a geração de EPA e DHA devido à competição pela mesma enzima (2). A metabolização de EPA gera tromboxano A3 (TXA3), que reduz a agregação plaquetária e potencializa a ação vasodilatadora da bradicinina, conferindo proteção cardiovascular, especialmente em quadros de vasculite autoimune (2). O EPA é precursor de PGE3 e leucotrieno B5 (LTB5), ambos com efeito antagônico à PGE2 e, portanto, com ação anti-inflamatória (2). Estudos epidemiológicos sugerem que os ácidos graxos ômega-3 podem prevenir o desenvolvimento da DRe, além de inibir a síntese de ARA, reduzindo os efeitos inflamatórios e a necessidade de anti-inflamatórios (2). Os benefícios foram demonstrados com suplementação média de 3,5g/dia de ômega-3, dose que geralmente só é atingida com suplementos. Nessas condições, observou-se redução da rigidez matinal, amenização da dor e edema articular, diminuição da dose de anti-inflamatórios e aumento da força muscular (2).

Referências Bibliográficas

  1. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016.
  2. SHARIF, K.; WATAD, A.; BRAGAZZI, N. L.; ADAWI, M.; AMITAL, H.; SHOENFELD, Y. Coffee and autoimmunity: More than a mere hot beverage! Autoimmunity Reviews, [s. l.], v. 16, n. 7, p. 712–721, jul. 2017.

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