Aminoácidos de Cadeia Ramificada (BCAAs): Funções, Evidências e Considerações Clínicas
Introdução
Os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs) — leucina, isoleucina e valina — são aminoácidos essenciais, o que significa que não são produzidos pelo corpo e precisam ser obtidos por meio da dieta. Diferentemente de outros aminoácidos, que são metabolizados predominantemente no tecido hepático, os BCAAs têm a capacidade única de serem metabolizados diretamente no tecido muscular (1).
Funções Fisiológicas dos BCAAs
Os BCAAs desempenham papéis cruciais em diversas vias metabólicas e sinalizações celulares:
- Ressíntese de ATP: Os BCAAs plasmáticos podem promover a ressíntese de trifosfato de adenosina (ATP) por meio de sua oxidação, um processo estimulado pelo exercício físico (1).
- Moléculas de Sinalização: Os BCAAs, em particular a leucina, atuam como moléculas de sinalização. A leucina é capaz de promover a ativação da via do mTOR (Mammalian Target of Rapamycin), uma molécula fundamental para a sinalização do mecanismo de síntese proteica muscular (SPM) (1). Além disso, a leucina estimula fatores anabólicos como a via do mTOR e a 70-kDa, e inibe fatores catabólicos como o MuRF-1 e o MAFbx.
- Biogênese Mitocondrial e Redução do Dano Muscular: Aos BCAAs também é atribuída a melhora da biogênese mitocondrial e a remoção de espécies reativas de oxigênio (EROs). Isso leva a potenciais benefícios na ressíntese de ATP no músculo esquelético, além de auxiliar na prevenção ou minimização do dano muscular induzido pelo exercício (DMIE) (1).
Síntese Proteica Muscular (SPM)
Para que a ativação das vias de sinalização anabólica promova efetivamente um aumento na SPM, é essencial que haja uma abundância de aminoácidos essenciais (AAEs) para servirem como precursores necessários à biossíntese completa da proteína (1). As vias de sinalização dos BCAAs só são efetivas se houver uma ampla gama de AAEs para prover os precursores necessários para formar uma proteína completa. Fisiologicamente, para o aumento da síntese de proteínas musculares, é necessária uma adequada disponibilidade de outros aminoácidos precursores.
A leucina é considerada o estimulador mais importante da SPM entre os BCAAs, sendo tão potente quanto a combinação dos três. No entanto, não se deve concluir que a suplementação isolada de leucina pós-treino possa ser tão anabólica quanto (5).
Atenção: O excesso de leucina pode prejudicar a síntese proteica ao diminuir a captação de outros aminoácidos (2). Os BCAAs são ativamente transportados para dentro da célula por transportadores que podem ser disputados por outros aminoácidos.
Turnover Proteico
O turnover proteico é o processo contínuo de produção e quebra de proteínas, representando o balanço entre esses dois eventos.
- Estado Anabólico: Ocorre quando o processo de produção de proteínas supera o de quebra, seja pelo aumento da síntese ou pela diminuição da depleção.
- Estado Catabólico: Ocorre quando o processo de quebra de proteínas supera a produção, sendo as proteínas musculares as principais afetadas.
No estado pós-prandial de uma refeição contendo proteínas, todos os aminoácidos essenciais estarão mais disponíveis no sangue devido à digestão, aumentando a oferta de aminoácidos e, consequentemente, fornecendo substrato para o aumento da síntese proteica (anabolismo).
Apesar de haver ressíntese de proteínas, seu balanço nunca é positivo devido à perda por oxidação. Em teoria, os BCAAs seriam responsáveis por um melhor reaproveitamento da reciclagem dos aminoácidos no estado pós-absortivo, visando diminuir a perda da ressíntese proteica durante a reciclagem para a oxidação e para outros tecidos. O turnover proteico é importante para a contração das fibras musculares, pois é responsável pelo aumento da força, independentemente da massa muscular do indivíduo.
Evidências e Considerações sobre Suplementação
- Dano Muscular Induzido pelo Exercício (DMIE): Alguns estudos obtiveram resultados positivos com a suplementação de BCAA em relação ao DMIE. Contudo, nesses casos, a suplementação foi utilizada por mais de 10 dias, em doses elevadas (200 mg/kg/dia), e administrada duas ou mais vezes ao dia (1).
- Recuperação Muscular: Não foram encontradas evidências que indiquem que o consumo de BCAA melhore a recuperação muscular pós-exercício de resistência ou em ultramaratonas (3,4).
- Desempenho: Há pouca evidência que respalde o efeito de melhora de desempenho do BCAA (4).
- Uso Intra-treino: Utilizar BCAA durante o treino como fonte energética é uma opção consideravelmente mais cara (1).
- Hipótese da Fadiga Central: Não há confirmação da hipótese da fadiga central relacionada ao triptofano (1).
- Variações nos Estudos: Estudos que mostram efeitos positivos apresentam resultados variados, com grandes diferenças nos métodos, o que gera preocupação em relação à validade dos resultados encontrados (4).
Referências Bibliográficas
- LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
- ESTOCHE, J. M. et al. Branched-chain amino acids do not improve muscle recovery from resistance exercise in untrained young adults. Amino Acids, v. 51, n. 9, p. 1387–95, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00726-019-02776-5.
- KNECHTLE, B. et al. Branched-chain amino acid supplementation during a 100-km ultra-marathon-A randomized controlled trial. J Nutr Sci Vitaminol (Tokyo), v. 58, n. 1, p. 36–44, 2012.
- ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
- LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 262 p.