Síndrome Metabólica: Abordagem Clínica e Fisiopatológica

Síndrome Metabólica: Abordagem Clínica e Fisiopatológica


A Síndrome Metabólica (SM) é uma condição clínica complexa e multifacetada, caracterizada por um conjunto inter-relacionado de alterações metabólicas. Estas incluem resistência à insulina (RI), obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial (2). A definição da síndrome é estabelecida pela presença de, no mínimo, três dos seguintes fatores de risco: obesidade visceral, RI, hipertensão arterial e dislipidemia (1).


Diagnóstico da Síndrome Metabólica

O diagnóstico da Síndrome Metabólica é estabelecido pela presença de, no mínimo, três dos critérios a seguir:

  • Obesidade abdominal: Circunferência abdominal maior que 102 cm para homens e maior que 88 cm para mulheres.
  • Triglicerídeos: Níveis séricos superiores a 150 mg/dL.
  • HDL-C: Concentrações inferiores a 40 mg/dL para homens e inferiores a 50 mg/dL para mulheres.
  • Pressão Arterial: Valores iguais ou superiores a 130 mmHg para a pressão sistólica e/ou iguais ou superiores a 85 mmHg para a pressão diastólica.
  • Glicemia de jejum: Níveis séricos superiores a 110 mg/dL.

Fisiopatologia da Síndrome Metabólica

Embora a sequência exata de desenvolvimento dos fatores de risco associados à SM ainda esteja sob investigação, cada componente contribui individualmente para um risco elevado de desenvolvimento de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) e Doença Cardiovascular (DCV) (1, 2). Observa-se que indivíduos com maior resistência à insulina frequentemente apresentam concentrações plasmáticas elevadas de insulina, lipoproteína de muito baixa densidade-triglicerídeos (VLDL-TG) e glicose durante o teste de tolerância oral à glicose, quando comparados a indivíduos insulino-sensíveis (2).

Uma das hipóteses para explicar a resistência à insulina (RI) e a hiperlipidemia postula que a incapacidade do organismo em expandir adequadamente os depósitos de tecido adiposo e capturar eficientemente a gordura nos adipócitos pode levar a um aumento na concentração plasmática de ácidos graxos livres (AGL). Consequentemente, ocorre o acúmulo de AGL em locais ectópicos, como fígado e músculo, um fenômeno conhecido como lipotoxicidade (2).


Componentes da Síndrome Metabólica

Dislipidemia

A dislipidemia é uma condição frequentemente observada em pacientes com Síndrome Metabólica e serve como um marcador de resistência à insulina nos tecidos hepático e muscular, bem como em outras condições patológicas (2). Em indivíduos com RI, a prevalência de baixas concentrações de lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e hipertrigliceridemia é maior do que a elevação dos níveis de colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) (2).

O HDL-C pode estimular a secreção de insulina e inibir a apoptose das células beta pancreáticas, evidenciando a estreita relação entre dislipidemia e RI (2). É crucial o tratamento da elevação do LDL-C, especialmente quando esta ocorre no contexto de RI, pois a dislipidemia está associada a níveis elevados de partículas de LDL-C pequenas e densas, as quais são particularmente aterogênicas (2).

Hipertrigliceridemia

Concentrações elevadas de VLDL-TG podem resultar tanto de um aumento na sua produção quanto de uma redução na sua eliminação (2). Na prática clínica, o aumento da produção de VLDL-TG é o defeito mais frequentemente observado (2).

Os VLDL-TG são sintetizados a partir de AGL, que podem ser derivados da lipogênese hepática de novo, de AGL circulantes liberados do tecido adiposo subcutâneo (AGL sistêmicos), do tecido adiposo visceral ou de reservas lipídicas intra-hepáticas (AGL não sistêmicos) (2). As taxas de liberação de AGL tendem a ser elevadas em estados de resistência à insulina, especialmente durante o período noturno, mesmo na presença de hiperinsulinemia (2).

Em resposta à maior disponibilidade de AGL e às concentrações plasmáticas de insulina cronicamente elevadas, a produção hepática de apolipoproteína-b-100, associada ao VLDL-TG, pode ser aumentada (2). Esse aumento no pool de VLDL-TG promove a transferência de triglicerídeos ligados às partículas de VLDL para o HDL-C e aumenta a eliminação deste último (2). Consequentemente, observa-se tipicamente uma relação inversa entre as concentrações plasmáticas de VLDL-TG e HDL-C (2).

A redução ponderal geralmente leva à diminuição dos níveis de VLDL-TG, principalmente devido à menor contribuição dos AGL “não sistêmicos” na síntese de VLDL-TG (2).

HDL-C

Modificações no estilo de vida, incluindo a redução do peso corporal (com ênfase na gordura abdominal) e a prática regular de exercícios físicos (resistência ou aeróbicos), demonstram eficácia moderada no aumento das concentrações de HDL-C e na melhora da resistência à insulina (2).

No manejo de pacientes de alto risco cardiovascular, a abordagem farmacoterapêutica inicial com o objetivo de elevar os níveis de HDL-C não é a estratégia primária recomendada. Intervenções terapêuticas direcionadas à redução dos níveis de LDL-C devem ser a meta primordial do tratamento (2).

Resistência à Insulina e Glicemia

A alteração da glicemia de jejum é uma ocorrência comum em pacientes com Síndrome Metabólica (SM), elevando o risco de desenvolvimento de Diabetes Mellitus (DM) e Doença Cardiovascular (DCV) (2).

Existe uma significativa variabilidade no limiar em que a resistência à insulina (RI) se torna suficiente para desencadear o DM (2). Estudos indicam que até 25% de indivíduos não diabéticos saudáveis podem apresentar níveis de RI comparáveis aos observados em pacientes com DM (2). Essa observação reflete a ampla variação na eliminação de glicose estimulada pela insulina entre indivíduos, bem como as diferenças na capacidade de adaptação das células beta pancreáticas e dos órgãos-alvo ao agravamento da RI (2).

Dessa forma, a obtenção de valores normais de glicemia de jejum não deve ser interpretada como um indicador tranquilizador em pacientes que apresentam fatores de risco para DM e DCV (2). Outro desafio reside na utilização da concentração plasmática de insulina para identificar indivíduos com risco de DM (2). Isso se deve ao fato de que a capacidade e a durabilidade da resposta das células beta são cruciais para determinar o limiar em que a RI supera a resposta adaptativa da célula beta (2). Adicionalmente, apesar de a maioria dos pacientes obesos apresentar hiperinsulinemia, uma parcela significativa nunca desenvolve DM (2).

Hipertensão Arterial

Diversas evidências sugerem que a resistência à insulina (RI) pode contribuir diretamente para o desenvolvimento da hipertensão arterial (2). Observou-se uma forte associação entre a tolerância à glicose e a hipertensão arterial, mesmo em níveis modestos de ambas as condições, sendo essa relação independente da idade, da obesidade e do uso de medicamentos anti-hipertensivos (2).

Os efeitos da insulina sobre a pressão arterial podem ser mediados pelo aumento da retenção renal de sódio, promovendo a retenção de fluidos (2). A introdução da insulinoterapia frequentemente desencadeia edemas leves em pacientes com Diabetes Mellitus (DM) previamente mal controlado (2). A infusão de insulina pode aumentar a frequência cardíaca e a atividade do sistema nervoso simpático, elevando a contratilidade miocárdica e o tônus vascular, além de estimular a retenção de sal através da secreção de renina (2). Por outro lado, a insulina intravenosa também pode induzir vasodilatação periférica, embora esse efeito possa ser atenuado em pacientes com DM (2).

Adicionalmente, a obesidade pode contribuir para a hipertensão por meio da liberação de fatores relacionados aos adipócitos (2). Os adipócitos contêm angiotensinogênio, que pode não apenas induzir RI e hipertensão, mas também estimular a secreção de aldosterona (2).

Considerando a hipótese de que a RI e a hiperinsulinemia contribuem diretamente para a hipertensão, seria esperado que intervenções que aprimorassem a sensibilidade à insulina resultassem em melhora da pressão arterial (2). Intervenções no estilo de vida, como a perda de peso e a prática de exercícios aeróbicos, demonstram capacidade de reduzir a RI e melhorar a pressão arterial, assim como outras características da síndrome metabólica (2).

Entretanto, fármacos que melhoram a ação da insulina, como a metformina, aparentemente não promovem melhora significativa na pressão arterial, tornando difícil determinar se potenciais benefícios sobre a pressão arterial são obscurecidos por seus efeitos colaterais (2).


Conduta Clínica

O manejo da Síndrome Metabólica é multifacetado e exige uma abordagem individualizada, focada na modificação do estilo de vida e no tratamento das comorbidades associadas.

As principais recomendações incluem:

  • Melhora do estilo de vida: Abrange a adoção de hábitos saudáveis que impactam diretamente a fisiopatologia da síndrome.
  • Perda de peso: Favorecer a redução do peso corporal é fundamental, com atenção especial à diminuição da gordura abdominal.
  • Suplementação de ômega-3: Pode ser considerada como uma ferramenta adjuvante.
  • Incentivo à prática de atividade física: A inclusão regular de exercícios físicos, sejam eles de resistência ou aeróbicos, é crucial para a melhora da sensibilidade à insulina e do perfil lipídico.
  • Tratamento individualizado das comorbidades: Cada condição associada (dislipidemia, hipertensão, alterações glicêmicas) deve ser abordada de forma específica, considerando as particularidades de cada paciente.

Referências Bibliográficas

  1. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  2. ROSS, A. C.; CABALLERO, B.; COUSINS, R. J.; TUCKER, K. L.; ZIEGLER, T. R. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.

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