Candidíase: Uma Visão Abrangente das Infecções por Candida


Candidíase: Uma Visão Abrangente das Infecções por Candida


Introdução

A candidíase, uma infecção fúngica causada por leveduras do gênero Candida, representa um desafio clínico significativo, especialmente em ambientes hospitalares e em pacientes imunocomprometidos.


Microbiologia e Epidemiologia da Candida

Características Gerais do Micro-organismo

A Cândida é uma levedura de pequenas dimensões, com formato ovoide e parede celular fina, medindo aproximadamente 4 a 6 µm de diâmetro. Sua reprodução ocorre por brotamento (2). O gênero Candida engloba mais de 150 espécies, porém, apenas um número limitado dessas espécies é patogênico para humanos (2).

Entre as espécies de Candida consideradas patógenos humanos, destacam-se (2):

  • C. albicans
  • C. guilliermondii
  • C. krusei
  • C. parapsilosis
  • C. tropicalis
  • C. kefyr
  • C. lusitaniae
  • C. dubliniensis
  • C. glabrata
  • C. auris

Esses micro-organismos são onipresentes na natureza e habitam comumente o trato gastrointestinal (incluindo boca e orofaringe), o trato genital feminino e a pele (2).

Ascensão como Patógeno Humano e Implicações Terapêuticas

O surgimento das espécies de Candida como patógenos humanos comuns está diretamente relacionado à introdução de abordagens terapêuticas modernas que comprometem os mecanismos de defesa do hospedeiro (2). Um avanço notável nesse contexto foi o uso generalizado de agentes antibacterianos, que alteram a microbiota humana normal, permitindo a proliferação de espécies comensais não bacterianas (2).

Historicamente, C. albicans era a espécie mais prevalente em infecções por Candida. No entanto, atualmente, outras espécies são responsáveis por aproximadamente metade dos casos de candidemia e candidíase disseminada por via hematogênica (2). Essa mudança epidemiológica é de extrema importância clínica, pois a suscetibilidade das diversas espécies a novos agentes antifúngicos varia significativamente (2).

Incidência e Preocupações Atuais

As espécies de Candida figuram hoje entre os patógenos nosocomiais mais comuns (2). Um estudo de prevalência recente demonstrou que as espécies de Candida foram os micro-organismos mais frequentemente isolados na corrente sanguínea de pacientes hospitalizados (2).

No geral, a incidência global de infecções por espécies de Candida tem aumentado consistentemente nas últimas décadas (2). Uma preocupação emergente e significativa é o surgimento global de C. auris. Algumas cepas deste micro-organismo apresentam resistência a todas as classes de agentes antifúngicos, e as taxas de mortalidade associadas a essas infecções têm sido muito elevadas (2).


Fisiopatologia da Candidíase

Nas formas mais graves de infecção por Candida, os micro-organismos se disseminam por via hematogênica, resultando na formação de microabscessos e pequenos macroabscessos em órgãos vitais (2). Embora o mecanismo exato não seja completamente elucidado, postula-se que a Candida acesse a corrente sanguínea a partir de superfícies mucosas, após um crescimento significativo induzido pela supressão da microbiota normal por fármacos antibacterianos (2). Alternativamente, em outras situações, o micro-organismo pode penetrar a partir da pele (2).

A modificação do estágio de blastosporo para as formas de pseudo-hifa e hifa é geralmente considerada um componente essencial para a penetração da Candida nos tecidos (2). A aderência às células epiteliais e endoteliais é reconhecida como a etapa inicial no processo de invasão e infecção (2).

A imunidade inata constitui o mecanismo de defesa mais importante contra a candidíase disseminada por via hematogênica, sendo o neutrófilo o principal componente dessa defesa (2).

É importante notar que mulheres em uso de agentes antibacterianos podem desenvolver candidíase vaginal (2). A candidíase oral, popularmente conhecida como “sapinho”, pode ocorrer isoladamente ou estar associada a condições imunossupressoras, como a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), ou ainda em pacientes oncológicos submetidos a quimioterapia (1). Geralmente, há um processo inflamatório na mucosa oral, que pode cursar com dor à mastigação (1).


Manifestações Clínicas

As infecções por Candida podem apresentar-se de diversas formas, classificadas principalmente como mucocutâneas ou invasivas profundas.

Candidíase Mucocutânea

A candidíase oral (“sapinho”) é caracterizada por placas brancas, aderentes, indolores, que podem ser discretas ou confluentes, localizadas na boca, língua ou esôfago, ocasionalmente com fissuras nos cantos da boca (2). Também pode ocorrer em pontos de contato com próteses dentárias (2). A ocorrência de candidíase oral em um indivíduo jovem e aparentemente saudável deve levantar a suspeita de uma infecção subjacente por HIV (2). No entanto, é mais comum que seja uma manifestação inespecífica de doença debilitante grave (2).

A candidíase vulvovaginal manifesta-se com prurido, dor e secreção vaginal, que é geralmente fina, mas pode conter “coalhos” brancos em casos graves (2).

Outras infecções cutâneas por Candida incluem (2):

  • Paroníquia: tumefação dolorosa na interface da unha com a pele.
  • Onicomicose: irritação eritematosa com eritema e pústulas nas pregas cutâneas.
  • Balanite: infecção eritemato-pustular da glande peniana.
  • Erosão interdigital blastomicética: infecção entre os dedos das mãos ou dos pés.
  • Foliculite: pústulas que se desenvolvem mais frequentemente na área da barba.
  • Candidíase perianal: infecção pustular eritematosa e pruriginosa ao redor do ânus.
  • Exantema da fralda: infecção perineal eritemato-pustular comum em lactentes.
  • Candidíase disseminada generalizada: outras formas de infecção que ocorrem principalmente em lactentes, caracterizada por erupções disseminadas sobre o tronco, tórax e membros.

Além dessas, existe a candidíase mucocutânea crônica, uma infecção heterogênea que afeta cabelos, unhas, pele e mucosas e que persiste apesar do tratamento intermitente (2). Geralmente, essa condição se manifesta na infância ou nas primeiras décadas de vida (2). Pode ser leve e restrita a uma área específica da pele ou das unhas, ou pode evoluir para uma forma desfigurante, conhecida como granuloma por Candida, caracterizada por proliferações exofíticas na pele (2).

A candidíase mucocutânea crônica está frequentemente associada a disfunções imunológicas específicas, sendo a mais comum a falha na proliferação de linfócitos T ou na estimulação de citocinas em resposta à estimulação por antígenos de Candida in vitro (2). Aproximadamente metade dos pacientes com candidíase mucocutânea crônica apresenta anormalidades endócrinas associadas, que em conjunto são designadas como síndrome de poliendocrinopatia autoimune-candidíase-distrofia ectodérmica (APECED) (2). As condições que, em geral, se seguem ao início da doença incluem hipoparatireoidismo, insuficiência suprarrenal, tireoidite autoimune, doença de Graves, hepatite crônica ativa, alopecia, anemia perniciosa de início juvenil, má-absorção e hipogonadismo primário (2).

Candidíase Invasiva Profunda

As infecções profundamente invasivas por Candida podem ou não resultar de semeadura hematogênica (2). A infecção esofágica profunda, por exemplo, pode ser decorrente da penetração dos micro-organismos a partir de (2):

  • Erosões esofágicas superficiais.
  • Infecção articular ou de ferida profunda por disseminação contígua a partir da pele.
  • Infecção renal decorrente de disseminação, iniciada no cateter, por meio do trato urinário.
  • Infecção de órgãos intra-abdominais e do peritônio devido à perfuração do trato gastrointestinal.
  • Infecção da vesícula biliar a partir da migração retrógrada de micro-organismos do trato gastrointestinal para o sistema de drenagem biliar.

Contudo, é significativamente mais comum que a candidíase invasiva profunda seja uma complicação da candidemia, resultante da semeadura hematogênica de vários órgãos (2). Uma vez que o micro-organismo tem acesso ao compartimento intravascular (seja do trato gastrointestinal ou, menos frequentemente, da pele por meio de um cateter intravascular permanente), ele pode disseminar-se por via hematogênica para uma variedade de órgãos profundos (2). O cérebro, a coriorretina, o coração e os rins são os órgãos mais frequentemente infectados, enquanto o fígado e o baço são menos acometidos (2).


Diagnóstico

O diagnóstico de infecção por Candida é estabelecido pela visualização de pseudo-hifas ou hifas em lâmina úmida (com solução fisiológica e KOH a 10%), corada por Gram para tecido, ou por ácido periódico de Schiff ou metenamina de prata na presença de inflamação (2). A ausência de micro-organismos na coloração com hematoxilina e eosina não exclui de forma confiável a infecção por Candida (2).

O aspecto mais desafiador do diagnóstico é determinar quais pacientes com isolados de Candida realmente possuem candidíase disseminada por via hematogênica (2). Por exemplo, a obtenção do fungo de escarro, urina ou cateteres peritoneais pode indicar mera colonização, em vez de infecção profunda (2). Da mesma forma, o isolamento de Candida do sangue de pacientes com cateteres intravasculares permanentes pode refletir a semeadura inconsequente do sangue a partir do crescimento dos micro-organismos no cateter (2).

Apesar de extensas pesquisas, ainda não existe um teste diagnóstico amplamente disponível e validado capaz de distinguir pacientes com semeadura inconsequente do sangue daqueles cujas hemoculturas positivas representam disseminação hematogênica para múltiplos órgãos (2). Muitos estudos estão sendo conduzidos para estabelecer a utilidade do teste do β-glucana; atualmente, sua maior utilidade reside em seu valor preditivo negativo (aproximadamente 90%) (2). Contudo, até o momento, nenhum teste é totalmente validado ou amplamente aceito para essa distinção (2).


Tratamento

O tratamento das infecções por Candida varia de acordo com a gravidade e o tipo da infecção.

Profilaxia

O uso de agentes antifúngicos para profilaxia de infecções por Candida é um tema controverso, mas alguns princípios gerais foram estabelecidos (2). A profilaxia é ocasionalmente administrada a pacientes cirúrgicos com risco muito elevado (2). No entanto, o uso disseminado da profilaxia para a maioria dos pacientes em cirurgia geral ou unidades de terapia intensiva não é, e nem deve ser, uma prática comum, por três razões principais (2):

  1. A incidência de candidíase disseminada é relativamente baixa.
  2. A relação custo/benefício é subótima.
  3. A crescente resistência aos agentes antifúngicos decorrente do uso amplo da profilaxia é uma preocupação válida.

A maioria dos centros cirúrgicos administra fluconazol profilático (400 mg/dia) a receptores de células-tronco alogênicas (2). Receptores de transplante de fígado de alto risco também recebem profilaxia com fluconazol na maioria dos centros (2). O uso da profilaxia para pacientes neutropênicos varia amplamente entre os centros. Aqueles que optam pela profilaxia geralmente utilizam fluconazol (200-400 mg/dia) ou uma formulação lipídica de anfotericina B (AnB-L, 1-2 mg/dia) (2).

Infecção Mucocutânea

O tratamento das infecções mucocutâneas por Candida é estratificado com base na localização da infecção (2):

DoençaTratamento de EscolhaAlternativas
CutâneaAzol tópicoNistatina tópica
VulvovaginalFluconazol oral (150 mg) ou creme/supositório à base de azolSupositório de nistatina
Oral (“Sapinho”)Pastilha de clotrimazolNistatina, fluconazol
EsofágicaComprimidos de fluconazol (100-200 mg/dia) ou solução de itraconazol (200 mg/dia)Caspofungina, micafungina ou anfotericina B

Candidemia e Suspeita de Candidíase Disseminada por Via Hematogênica

Todos os pacientes com candidemia devem ser tratados com um agente antifúngico sistêmico (2). Embora uma porcentagem de pacientes, incluindo muitos com candidemia associada a um cateter intravascular permanente, possa ter uma candidemia “benigna” em vez de semeadura de órgão profundo, a prática padrão é tratar todos os pacientes com candidemia (com ou sem evidência clínica de acometimento de órgão profundo) (2). Isso se deve à dificuldade em distinguir a candidemia benigna da infecção em órgão profundo e à disponibilidade de fármacos antifúngicos menos tóxicos (2). Além disso, se houver um cateter intravascular permanente, é preferível retirar ou substituir o dispositivo sempre que possível (2).

Várias formulações lipídicas de anfotericina B, três equinocandinas, e os azóis fluconazol e voriconazol são utilizados no tratamento (2). Nenhum agente de cada classe foi considerado superior aos demais (2). A escolha do agente é baseada na epidemiologia microbiana específica, em estratégias que minimizem a toxicidade e no custo (2).


Referências Bibliográficas

  1. Silva SMCS, Mura JDP. Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya; 2016. 1308 p.
  2. Jameson JN, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Loscalzo J. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed; 2021. 3522 p.

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