Pancreatite Crônica: Aspectos Fisiopatológicos, Clínicos e Abordagem Terapêutica Nutricional
Introdução
A pancreatite crônica é uma condição caracterizada por danos pancreáticos irreversíveis, levando à fibrose e à destruição progressiva dos tecidos exócrino e endócrino do órgão. Esta patologia resulta em comprometimento funcional, manifestando-se por diversas repercussões clínicas e metabólicas que demandam manejo terapêutico específico, com ênfase na intervenção nutricional.
Fisiopatologia da Pancreatite Crônica
A pancreatite crônica é definida pela ocorrência de danos irreversíveis ao pâncreas, evidenciados histologicamente por fibrose e destruição do tecido exócrino, representado pelas células acinares, e do tecido endócrino, que compreende as ilhotas de Langerhans (1).
Existem diferentes classificações para a pancreatite crônica, incluindo:
- Pancreatite associada à calcificação: frequentemente vinculada à ingestão crônica de álcool.
- Pancreatite por obstrução pancreática: resultante de obstrução prolongada do ducto pancreático.
- Pancreatite inflamatória: associada a processos inflamatórios, particularmente em doenças autoimunes (1).
Prevalência e Etiologia
A prevalência da pancreatite crônica na população geral varia de 3 a 9 casos por 100 mil indivíduos. O alcoolismo é uma das principais causas, sendo responsável por 70% a 90% dos casos. Estudos indicam que a ingestão diária de 150g de álcool por um período mínimo de cinco anos pode ser suficiente para o desenvolvimento da doença (1).
Manifestações Clínicas e Consequências
Sinais e Sintomas
Os aspectos clínicos da pancreatite crônica incluem:
- Dor abdominal intensa: pode ser decorrente do processo inflamatório pancreático, que pode gerar compressão nervosa, isquemia tecidual e aumento da pressão intraglandular, ou estar associada à presença de pseudocistos, obstruções e carcinomas (1).
- Perda de peso/subnutrição (1).
- Esteatorreia (1).
Consequências da Progressão da Doença
A evolução da pancreatite crônica acarreta uma redução gradual da secreção enzimática, resultando em má digestão e esteatorreia (1). Ademais, o comprometimento das células beta-pancreáticas pode levar ao desenvolvimento de diabetes mellitus (1). Devido à esteatorreia, é comum a ocorrência de deficiências de vitaminas lipossolúveis (1).
Diagnóstico da Esteatorreia
A pesquisa de gorduras nas fezes, que envolve a coleta fecal durante 72 horas com uma ingestão diária controlada de 100g de gordura, é um exame indicado para o diagnóstico da esteatorreia. Esta condição ocorre quando pelo menos 90% da capacidade secretória enzimática pancreática é perdida, caracterizando, portanto, um estágio avançado da pancreatite crônica (1).
Abordagem Terapêutica Nutricional
A terapia nutricional é um pilar fundamental no manejo da pancreatite crônica, visando otimizar o estado nutricional e minimizar os sintomas. As recomendações dietéticas incluem:
- Ingestão calórica: 30-35 kcal/kg de peso corporal (1).
- Dieta normoglicídica: com monitoramento rigoroso da glicemia (1).
- Ingestão proteica: 1-1,5 g/kg de peso corporal (1).
- Lipídeos: devem corresponder a 30% do VET (Valor Energético Total) (1).
- Exclusão completa de bebidas alcoólicas (1).
- Avaliação e suplementação de vitaminas lipossolúveis (1).
Mais de 80% dos pacientes podem ser tratados de forma eficaz com suplementação medicamentosa de enzimas pancreáticas e alimentação por via oral (1). É fundamental que as enzimas sejam ingeridas durante as refeições, em quantidade proporcional aos alimentos consumidos (1). Uma distribuição sugerida é de 20% no desjejum, 40% no almoço e 40% no jantar (1). A persistência da esteatorreia pode ser um indicativo de que a dosagem enzimática não é suficiente (1).
A hipersecreção gástrica é uma das repercussões da pancreatite crônica, podendo prejudicar a ação das enzimas pancreáticas. Nesse contexto, o uso de bloqueadores de hidrogênio (anti-H2 ou IBP) pode ser considerado para otimizar a eficácia enzimática (1). Contudo, é relevante notar que muitas formulações enzimáticas comercializadas atualmente possuem revestimento entérico, o que as protege da inativação pela acidez gástrica (1).
Desnutrição e Síndrome de Realimentação
A desnutrição é uma ocorrência comum em pacientes com pancreatite crônica, resultante tanto da má-absorção decorrente da insuficiência exócrina quanto da associação frequente com o etilismo (1). Diante desse cenário, é crucial que os profissionais de saúde observem o risco de síndrome de realimentação ao iniciar a terapia nutricional (1).
Referências Bibliográficas
- SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.