Cirurgia Bariátrica: Indicação, Contraindicação, Avaliação e Manejo Nutricional e Psicológico


Cirurgia Bariátrica: Indicação, Contraindicação, Avaliação e Manejo Nutricional e Psicológico


A cirurgia bariátrica é uma intervenção complexa no tratamento da obesidade mórbida e suas comorbidades, exigindo uma avaliação rigorosa e um acompanhamento multidisciplinar contínuo. Este documento aborda as indicações, contraindicações, os tipos de procedimentos, as expectativas de perda de peso, os efeitos metabólicos, as deficiências nutricionais e o papel da equipe de saúde no pré e pós-operatório.


Indicação para Cirurgia Bariátrica

A cirurgia bariátrica é recomendada para indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 40 kg/m² ou IMC superior a 35 kg/m² acompanhado de comorbidades. É fundamental que mudanças no estilo de vida e a farmacoterapia não tenham promovido uma perda de peso efetiva, com um acompanhamento mínimo de dois anos (1, 2, 7).

  • Jovens (16-18 anos): Podem ser indicados para o tratamento cirúrgico, desde que haja comprovação da consolidação das epífises de crescimento ósseo (7).
  • Idosos (acima de 65 anos): A indicação deve considerar a relação risco/benefício, visto que a morbimortalidade é maior nesta faixa etária (7).

É importante notar que as opções cirúrgicas mais eficazes para a perda de peso podem estar associadas a um maior risco de deficiências nutricionais (1).


Contraindicações para Cirurgia Bariátrica

Certos critérios excluem a possibilidade de realização da cirurgia bariátrica, visando a segurança e o sucesso do procedimento.

  • Adolescentes: Aqueles com dificuldades cognitivas, histórico de doença mental ou transtornos alimentares, sem consolidação das epífises de crescimento ou em baixo estágio na escala Tanner são contraindicados para a cirurgia (6). A idade mínima permitida para o tratamento cirúrgico da obesidade é 16 anos (6).
  • Idosos: Doenças neurológicas e perda das habilidades cognitivas são contraindicações para a cirurgia (6).
  • Distúrbios Alimentares e Psiquiátricos: Se o paciente apresentar algum distúrbio alimentar e recusar encaminhamento para tratamento psiquiátrico e psicológico pré-cirúrgico, a cirurgia é contraindicada (6).
  • Contraindicações Psicológicas (Conforme Legislação):
    • Limitação intelectual significativa em pacientes sem suporte familiar adequado (6).
    • Quadro de transtorno psiquiátrico não controlado, incluindo uso abusivo de álcool ou drogas (6).
    • Nota: Quadros psiquiátricos graves sob controle não são contraindicações absolutas à cirurgia, mas exigem avaliação e acompanhamento psiquiátrico contínuo (6).

Avaliação Pré-Operatória

A avaliação pré-operatória é essencial para garantir a segurança e o sucesso do procedimento cirúrgico, abrangendo aspectos psicológicos e físicos.

Avaliação Psicológica Pré-Operatória

A avaliação psicológica pré-operatória permite identificar psicopatologias como depressão, transtorno da compulsão alimentar e abuso de substâncias, que podem impactar a programação cirúrgica e indicar a necessidade de intervenção especializada prévia (6). A cirurgia, de modo geral, deve ser realizada após a estabilização desses transtornos (6).

A entrevista clínica é uma metodologia universalmente aceita como componente essencial da avaliação psicológica pré-cirúrgica (6). Nela, são avaliados fatores psicossociais cruciais:

  • Compreensão do paciente sobre a cirurgia bariátrica (6).
  • Motivações para a realização do procedimento (6).
  • Expectativas em relação aos resultados no pré-operatório (6).
  • Habilidades de aderir às recomendações pré e pós-cirúrgicas (6).
  • Mudanças necessárias no estilo de vida (6).
  • História da evolução do aumento de peso e tratamentos realizados (6).
  • Presença de transtornos alimentares (6).
  • Avaliação do funcionamento cognitivo (6).
  • Avaliação de transtornos psiquiátricos (6).
  • Presença de abuso de substâncias, álcool, tabagismo ou outras drogas (6).
  • Nota: Ao avaliar pacientes adolescentes e idosos, os aspectos psicológicos inerentes a cada faixa etária e seus respectivos processos de desenvolvimento devem ser considerados (6).

Avaliação Física Pré-Operatória

A bioimpedância elétrica (BIA) pode não ser um método seguro para avaliar a composição corporal após a perda de gordura corporal aguda induzida pela cirurgia, possivelmente devido à perda desproporcional de água em relação à massa magra (7).


Preparo Pré-Operatório

A orientação nutricional no período pré-operatório visa preparar o paciente para o programa de alimentação pós-operatório (7). Indivíduos com IMC superior a 50 kg/m² (superobesos) devem emagrecer pelo menos 10% do peso antes da operação, a fim de garantir melhor controle das comorbidades e reduzir riscos cirúrgicos e anestésicos (7).


Tipos de Procedimentos Cirúrgicos

Os procedimentos de cirurgia bariátrica são classificados em restritivos, disabsortivos e mistos (6).

Tipos de cirurgia (6)

Procedimentos Restritivos

Estes procedimentos limitam a quantidade de alimentos que entram na porção proximal do sistema digestivo, induzindo a sensação de saciedade (6).

  • Banda Gástrica Ajustável Laparoscópica (BGAL).
  • Gastrectomia em Luva Vertical Laparoscópica (GLVL – Sleeve).

Procedimentos Disabsortivos

São procedimentos que visam a má absorção de nutrientes através do desvio de segmentos do intestino delgado, reduzindo o tempo de trânsito e alterando a capacidade estomacal (3, 6).

  • Desvio Jejuno Ileal (DJI): Procedimento abandonado devido aos seus efeitos colaterais.
  • Transferência Duodenal Laparoscópica com Desvio Biliopancreático (TDL-DP – Duodenal Switch): Operação menos utilizada, representando apenas 5-10% dos casos.

Procedimentos Mistos (Mal-Absortivos e Restritivos)

Essas técnicas combinam a restrição da quantidade de alimento no estômago (que se torna menor) com o desvio intestinal, que gera a má absorção dos alimentos (3, 6).

  • Desvio Gástrico em Y-de-Roux (RYBG – Bypass Gástrico): O procedimento mais utilizado (1).

Escolha do Procedimento

Para pacientes com IMC > 50 kg/m² (superobesos), o bypass gástrico ainda prevalece como a melhor técnica, devido ao maior conhecimento de seus resultados a longo prazo (7).

A gastrectomia vertical (Sleeve) é considerada mais apropriada para pacientes idosos e adolescentes, pacientes com alto risco clínico, candidatos a transplante renal ou hepático, portadores de doença inflamatória intestinal e cirróticos (7).


Bypass Gástrico em Y-de-Roux

O bypass é uma técnica mista, com predomínio de restrição, que combina um estômago reduzido (bolsa gástrica) com uma derivação gastrintestinal que exclui o duodeno do trânsito alimentar (7).

É uma técnica tanto hiporexígena quanto sacietógena, com redução da grelina e aumento de PYY e GLP-1 (7). O efeito sacietógeno do bypass ocorre pela chegada precoce do quimo ao íleo distal, provocando diminuição do esvaziamento gástrico (freio ileal) (7). A chegada do alimento processado ao delgado distal e ao cólon proximal também é responsável pela pronunciada elevação dos êntero-hormônios GLP-1 (especificamente no núcleo arqueado do hipotálamo), estimulando a saciedade por meio dos neuropeptídeos pró-ópio-melanocortina (POMC) e transcrito regulado pela cocaína e anfetamina (CART). Além disso, pode apresentar efeito hiporexígeno pela exclusão do fundo gástrico, reduzindo a produção de grelina (7).

O desvio do trânsito alimentar, ao evitar o duodeno e o jejuno proximal (em um segmento de 150 cm), contribui para uma menor absorção de lipídios, carboidratos, vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), vitamina B1, ferro, ácido fólico e cálcio (7). A maior parte do estômago permanece inativa, não sendo removida, mas perdendo funções como a capacidade de secretar fatores intrínsecos, o que prejudica a absorção de vitamina B12 (7).

O desvio duodenal também pode causar a síndrome de dumping, que é provocada pela passagem de alimentos hiperosmolares para o intestino delgado, resultando em sintomas vasomotores (mal-estar, tontura, palpitação e sudorese fria) e gastrointestinais (cólica abdominal e diarreia) (7).

Gastrectomia Vertical (Sleeve)

Originalmente, a gastrectomia vertical foi concebida como a primeira etapa de uma operação para pacientes superobesos, visando diminuir o risco clínico inicial pela abreviação do tempo operatório (7).

É uma técnica restritiva que reduz em 80% o volume gástrico, causando saciedade, e remove partes do estômago responsáveis pela secreção cloridro-péptica e fator intrínseco (7). É considerada uma técnica hiporexígena (redução da grelina). Esta técnica pode piorar sintomas de refluxo, e há um risco potencial de deiscência do grampeamento do estômago, levando a fístula e abscesso intracavitário, cuja resolução pode ser mais complicada do que no bypass (7).


Prevalência da Cirurgia Bariátrica

Em 2014, o Brasil ocupou a segunda posição mundial em número de procedimentos realizados, com mais de 95.000 cirurgias, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (6).


Perda de Peso Esperada

Pesquisas indicam que cerca de 10% a 25% dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica não perdem o peso esperado. Além disso, alguns autores apontam que, nos primeiros 10 anos após a operação, a recuperação do peso é de aproximadamente 10% do total perdido (6).

O bypass gástrico possibilita uma redução de IMC da ordem de 9 kg/m², enquanto a gastrectomia vertical alcança uma redução de 10 kg/m² em um período de um ano (7). Há expectativas de perda de 25-40% do peso total pré-operatório em um período de 12 a 24 meses (7). A maior perda de peso ocorre durante os primeiros 3 meses, quando o consumo alimentar continua sendo muito restritivo (7).

Em procedimentos de má-absorção, observa-se uma perda de 230-450g/dia, totalizando aproximadamente 18-40,5 kg após os primeiros 3 meses (7). Após 6 a 9 meses, a perda de peso diminui, atingindo seu pico em 12 a 18 meses após o procedimento (7). Após o segundo ano, cerca de 20% a 30% dos pacientes voltam a ganhar peso substancialmente (7).

  • Nota: O dispêndio energético de repouso desses pacientes, durante a perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica, pode apresentar um aumento, o que poderia levar a uma acentuada perda de peso com um possível aumento das consequências nutricionais (7). Uma perda de peso menor que 25% caracteriza insucesso da cirurgia, mas isso não significa que não houve melhora das comorbidades (7).

Efeitos Metabólicos

A cirurgia realizada em pacientes diabéticos com obesidade grau II e III demonstrou uma redução significativa da glicemia, podendo inclusive normalizar em mais de 80% dos casos (7).

Acredita-se que procedimentos como o bypass, através da produção aumentada de GLP-1 e PYY, sejam capazes de reduzir a resistência tecidual à ação da insulina, o que melhoraria o diabetes (7). A melhora na qualidade de vida após essa cirurgia não se deve apenas à perda de peso decorrente dos mecanismos restritivos e/ou mal-absortivos, mas também a um aumento significativo da sensibilidade à insulina, promovida pela ação do GLP-1 e da PYY no eixo êntero-insular, restabelecendo as alterações metabólicas em indivíduos diabéticos e pré-diabéticos (7).

Observa-se também a normalização do eixo adipo-insular, pela diminuição da resistência do sistema nervoso central à ação da leptina, que volta a sinalizar saciedade em um novo ponto de ajuste da regulação do apetite (7).

Adicionalmente, observa-se uma melhora clínica em 80-90% dos casos de síndrome metabólica, doença cardiovascular, asma, diabetes tipo II, esteatose hepática, hipertensão arterial, insuficiência venosa crônica, refluxo gastroesofágico, apneia do sono e ovário policístico (7). Em 50-80% dos casos, há melhora na depressão, cefaleia, dislipidemia, incontinência urinária, artrose e gota (7).

Microbiota

A cirurgia bariátrica inicialmente aumenta a produção de butirato devido a um aumento de quase 12 vezes da Roseburia, o que é benéfico para o paciente obeso por diminuir a hiperpermeabilidade intestinal e a inflamação. Contudo, esse benefício não se mantém sem mudanças no estilo de vida.


Terapia Nutricional Pós-Cirúrgica

A terapia nutricional pós-cirúrgica é crucial para a recuperação e manutenção da saúde do paciente.

Evolução da Alimentação

No pós-operatório imediato, após a liberação da alimentação pelo cirurgião (geralmente 24 horas após o procedimento), a orientação é a ingestão de pequenos volumes de água, progredindo para a dieta de líquidos claros (7).

Após a alta hospitalar, e após demonstrar tolerância à dieta e retorno da função intestinal, o paciente pode permanecer com líquidos claros (primeira fase) por mais 4 dias (totalizando uma semana pós-cirurgia) (7).

Posteriormente, o paciente inicia uma fase de dieta líquida (segunda fase) por 15 dias, para adaptação a pequenos volumes e repouso gástrico (7). Na quarta semana pós-operatória, ocorre a transição para dieta pastosa (terceira fase). Nesta fase, o paciente deve ser orientado sobre a importância da mastigação completa dos alimentos e a não ingestão de líquidos concomitante (7).

A quarta fase corresponde à dieta branda, com duração de 15 dias, até a transição para a dieta de consistência normal, mantendo o controle de volume (7). A tolerância à progressão de consistência e aos alimentos é individual, e alguns comportamentos devem ser observados (7). A intolerância à carne, principalmente vermelha, ocorre possivelmente por não estar bem cozida ou suficientemente triturada, ou seja, geralmente quando ingerida em pedaços grandes (7).

Volume

As técnicas restritivas e mistas exigem adaptações a uma dieta fracionada, com pequeno volume (7). É recomendado que o paciente mantenha várias refeições pequenas ao longo do dia (7). Em cirurgias de bypass gástrico, o reservatório gástrico varia entre 20-60 ml, com uma ingestão aceitável de no máximo 50 ml por refeição (7). Já em cirurgias de duodenal switch, a capacidade gástrica é de 200 ml, com uma ingestão aceitável de 200 ml (7). O volume pode evoluir com o tempo, chegando a 250 ml por refeição (7). Recomenda-se também evitar períodos de jejuns maiores que 3 horas para prevenir hipoglicemias (7).

Calorias

O consumo alimentar inicial pode ser de 300 kcal/dia, atingindo aproximadamente 700 kcal na terceira semana (7). No primeiro mês, a ingestão gira em torno de 500 kcal, podendo chegar ao final do primeiro ano a 1000 kcal (7).

Hidratação

É recomendada a ingestão de 1500 a 2000 ml de líquido com baixo teor calórico por dia (7). É importante manter essa ingestão, mesmo na ausência de sede (7).

Proteínas

Verifica-se um consumo inicial de 0,5-0,6 g/kg de peso teórico por dia, atingindo uma ingestão de 35-40 g/dia, o que fica aquém das recomendações (7). A ingestão de proteína recomendada é de aproximadamente 60 a 120 g/dia (7).

Se o paciente apresentar uma depleção importante de proteína e glicogênio, ou valores de pré-albumina e albumina séricos abaixo da normalidade, recomenda-se a reposição preventiva de proteína de 1,5 a 2,1 g/kg de peso corrigido, podendo chegar a 120 g/dia (7). Esta reposição deve ser feita com cautela para evitar a síndrome de realimentação (7).

A intolerância à carne é comum, limitando a ingestão proteica para menos de 50% do recomendado, mas geralmente diminui em até um ano pós-cirurgia (7). A suplementação deve ser realizada se a ingestão de proteína for inferior a 60 g/dia, e pode ser feita com fontes de proteínas modulares (7). Pacientes com doenças crônicas associadas devem iniciar a suplementação proteica precocemente para minimizar a perda de proteína endógena, uma vez que já apresentam uma mobilização proteica elevada (7).

Priorizar o consumo de proteínas nas refeições, iniciando por elas, e realizar um maior número de refeições com baixo volume, adequando a alimentação à tolerância do paciente, são diretrizes importantes. Além disso, o corte do consumo de álcool é fundamental.

Carboidratos

Após o bypass gástrico ou derivação biliopancreática, a ingestão de carboidratos de absorção rápida e açúcares pode causar a síndrome de dumping, caracterizada por mal-estar pós-prandial, fraqueza, taquicardia, sudorese fria e vertigem (7). Este é considerado um efeito colateral benéfico, pois evita o abuso de doces na dieta e otimiza a perda de peso (7).

Alguns pacientes após a cirurgia apresentam intolerância à lactose, devendo, neste caso, excluir o leite de vaca ou optar por produtos sem lactose. Posteriormente, é válido reavaliar a tolerância, reintroduzindo a lactose na alimentação (7).

Gorduras

Independentemente da fonte, deve-se recomendar evitar e/ou diminuir o consumo de alimentos e preparações que utilizam gordura em seu preparo (7).

Fibras

Se necessário, as fibras podem ser introduzidas a partir do 4º mês na forma de suplementação (7).


Carências Nutricionais e Suplementação

Os primeiros 10 cm do intestino, o duodeno, são o principal local de absorção de nutrientes como ferro, zinco, cobre e folato. Em algumas cirurgias, o duodeno é “isolado” do trânsito alimentar (3). Por esse motivo, todos os pacientes devem consumir complexos multivitamínicos com elementos-traço diariamente após procedimentos de bypass gástrico e derivação biliopancreática (7). Para os procedimentos mistos, essa suplementação pode ser de até duas vezes ao dia (7).

A avaliação frequente de exames, especialmente aqueles relacionados a deficiências nutricionais, é crucial. Se necessário, cada nutriente deve ser suplementado de forma específica.

Suplementação Geral Recomendada

  • Polivitamínico: até 2 vezes ao dia.
  • Vitamina B12: 350-2000 mcg/dia, via oral (VO).
  • Ferro: 40-80 mg de ferro elementar/dia, VO.
  • Ácido Fólico (B9): 400-1000 mcg/dia, VO.
  • Tiamina (B1): 100 mg até 2 vezes/dia, VO.
  • Vitamina C: 100-200 mg/dia, VO.
  • Cálcio: 1200-2000 mg de citrato de cálcio/dia, VO.
  • Vitamina D: 400-50.000 UI/dia, VO.
  • Magnésio: 300-400 mg/dia, VO.
  • Vitamina A: 5000-10000 UI/dia, VO.
  • Vitamina E: 400 UI/dia, VO.
  • Vitamina K: 1 mg/dia, VO.
  • Fibras Solúveis: A partir do 4º mês.

Vitamina B12 (Cobalamina)

A deficiência de B12 é uma das mais frequentes após cirurgias de desvio gástrico, geralmente com sintomas subclínicos (3). Deve-se principalmente à falta de contato do alimento com o fator intrínseco (FI) gástrico, ausente no suco gástrico em 90% dos pacientes, diminuindo a absorção do complexo FI/B12 no íleo, tanto em cirurgias mistas quanto nas mal-absortivas (3, 7). Os suplementos polivitamínicos contêm baixos níveis de Vitamina B12, insuficientes para prevenir o desenvolvimento da deficiência (3).

Opções de Suplementação:

  • 350-500 até 2000 µg de Vitamina B12/dia – Via oral (1, 3, 4, 7).
  • 500 µg/dia – Sublingual (1, 3).
  • 500 µg/semana – Spray Nasal (3).
  • 1000-3000 µg a cada 1-6 meses – Via intramuscular (1, 3).
  • 500 mcg/semana – Via intramuscular (7).
  • 3000 mcg (ou 3 mg) a cada 6 semanas – Via intramuscular (7).

Ferro

O déficit de ferro é um dos mais frequentes após a cirurgia bariátrica, estimado em 30 a 50% dos casos (3). Vários fatores podem contribuir para a deficiência de ferro, que pode persistir por até 7 anos: diminuição da secreção de ácido clorídrico, redução da área de absorção e menor consumo de fontes alimentares (2, 7). Adicionalmente, a obesidade em si pode gerar um aumento no volume sanguíneo e a inflamação crônica de baixa intensidade pode inibir a absorção do ferro (2). A diminuição na absorção de ferro heme foi mais significativa do que a diminuição na absorção de ferro não heme (2). A suplementação oral geralmente não é suficiente para resolver a deficiência.

Opções de Suplementação Aguda:

  • 325 mg de sulfato ferroso + 125 mg de Vitamina C até 4 vezes ao dia (1).
  • 200 mg de fumarato ferroso + 125 mg de Vitamina C até 4 vezes ao dia (1).

Opções de Suplementação Crônica:

  • 40-65 mg de ferro elementar/dia, podendo chegar a 325 mg/dia, duas vezes ao dia, via oral (VO), de sulfato ferroso, fumarato ou gluconato para prevenir a deficiência, especialmente em mulheres (7).
  • 65-80 mg de ferro elementar com Vitamina C (4).

Vitamina B9 (Ácido Fólico)

A carência de folato pode ser associada à carência de Vitamina B12, já que a vitamina B12 é essencial para a conversão do folato em sua forma ativa (3). No entanto, sua deficiência é menos comum, pois, embora haja o desvio do duodeno (sítio primário de absorção), ocorre uma adaptação, sendo este mineral absorvido em outras áreas do intestino delgado (7). A elevação da concentração de ácido fólico já foi validada como um marcador para o Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado (SIBO) (1).

Opções de Suplementação Aguda:

  • 1 – 5 mg/dia (1).

Opções de Suplementação Crônica:

  • 400-1000 mcg/dia (3, 4, 7).
  • 1 mg/dia para mulheres bariátricas que desejam engravidar (1).

Vitamina B1 (Tiamina)

A deficiência de tiamina é bastante comum e pode causar complicações clínicas, como vômitos persistentes e perda de peso rápida, que devem ser tratadas em ambiente hospitalar (3). Um estudo indicou que a deficiência pode não ser corrigida através de suplementação, pois pode ser causada pela SIBO, sendo a terapia com antibióticos a melhor opção nesses casos.

Opções de Suplementação Aguda:

  • 100 mg duas vezes ao dia – via oral (1).
  • 250 mg por 3-5 dias – Intravenosa / intramuscular (1).
  • 50-100 mg/dia via intravenosa ou intramuscular se houver sintomas da Síndrome de Wernicke (7).

Vitamina C (Ácido Ascórbico)

Estudos mostraram que, após 1 ano da cirurgia, 34,6% dos casos apresentaram deficiência de vitamina C (1).

Opções de Suplementação Aguda:

  • 100 mg/dia (aumenta a absorção de ferro / ferritina) (7).
  • 200 mg/dia – Via oral.

Cálcio

Na maioria das vezes, os níveis séricos de cálcio se mantêm, mas com a diminuição da ingestão e da absorção, há uma maior produção do hormônio PTH, que causa maior liberação de cálcio ósseo para a manutenção dos níveis normais (7). Consequentemente, há um risco aumentado para osteoporose, osteomalacia ou hiperparatireoidismo secundário (1, 3, 7). Todos os pacientes devem ser suplementados (3).

Suplementação Crônica:

  • 1200-2000 mg de citrato de cálcio (que é 22-27% melhor absorvido do que o carbonato) (1, 4, 7).

Vitamina D

A deficiência de vitamina D é frequente e pode se tornar mais significativa em situações de diarreia e intolerância (3).

Opções de Suplementação:

  • 400-50000 UI/dia (7).
  • 1000-4000 UI de Vitamina D3 (Colecalciferol) (1, 4).
  • 50.000 UI de colecalciferol – uma vez por semana por 12 semanas (1).
  • Nota: Em casos graves de má-absorção de vitamina D, as doses orais podem chegar a 50.000-150.000 UI/dia.

Magnésio

A deficiência de magnésio é amplamente relatada, mas seus efeitos ainda são controversos (3).

Opções de Suplementação:

  • 300 mg/dia para mulheres (7).
  • 400 mg/dia para homens (7).

Vitamina A, E e K

A deficiência de vitaminas A, E e K é frequente e pode se tornar mais significativa em situações de diarreia e intolerância (3).

Opções de Suplementação:

  • Vitamina A: 5000-10000 UI/dia (7).
  • Vitamina E: 400 UI/dia (7).
  • Vitamina K: 1 mg/dia (7).

Zinco

As deficiências de zinco são amplamente relatadas, mas seus efeitos ainda são controversos (3). Se houver queda excessiva de cabelo (eflúvio telógeno), a suplementação de sulfato de zinco pode favorecer o crescimento (7). Além disso, a deficiência de zinco pode causar alterações no paladar (hipogeusia) (7).

Outros Problemas Absortivos – Enzimas Digestivas

Fezes extremamente fétidas devido à chegada de proteínas mal digeridas no intestino grosso (putrefação proteica) podem ocorrer devido à deficiência de enzimas digestivas, que impedem a absorção da proteína. No Brasil, o produto ENZIFOR pode ser utilizado junto às refeições.


Complicações Pós-Operatórias

As complicações mais temidas no pós-operatório são sepse de origem abdominal e tromboembolismo pulmonar (7). Outras complicações menos graves, mas com frequência variável, incluem atelectasia pulmonar, hipoventilação, seroma, infecção de ferida operatória, hérnia incisional, litíase biliar e obstrução intestinal (7).

Em cirurgias restritivas e mistas, alimentos mal mastigados podem impactar na câmara gástrica, formando bezoares (massas compactas de matéria parcialmente digerida ou não digerida que podem ficar presas no estômago ou intestino) (7).

Nas operações de derivação biliopancreática, evacuações pastosas frequentes, com odor fétido e flatulências, podem ser desconfortáveis e socialmente inconvenientes, mas passíveis de controle por meio da restrição de gordura na dieta e do uso de antibióticos (7). Doenças orificiais, como hemorroidas, fissura anal e fístula perianal, são possíveis complicações decorrentes da alteração dos hábitos intestinais nesse tipo de operação (7).

A síndrome de dumping pode ocorrer em alguns pacientes durante o primeiro ano pós-operatório (7). Os sintomas incluem dor abdominal, cólicas, náuseas, diarreia, tonturas, rubor, taquicardia e síncope, geralmente relacionados ao consumo de alimentos com alta densidade energética e bebidas (7). Para controlar esses sintomas, recomenda-se:

  • Evitar o consumo de açúcar, doces e alimentos gordurosos.
  • Fracionar a alimentação em aproximadamente 6 refeições por dia em menores volumes.
  • Não ingerir líquidos durante as refeições (consumir até 1 hora antes e 1 hora após).
  • Aumentar o consumo de alimentos ricos em fibras.
  • Mastigar bem os alimentos.
  • Associar alimentos fontes de proteína no consumo de carboidratos (ex: torrada com queijo branco) para lentificar o tempo de digestão. A suplementação de módulos de fibras pode auxiliar em alguns casos.

Complicações nutricionais graves são pouco frequentes, mas podem ser potencialmente severas, como a síndrome de Wernicke-Korsakoff, causada pela deficiência de tiamina (7). Sua deficiência pode ser resultado da combinação entre redução da ingestão, vômitos frequentes e má-absorção (7). O quadro clínico inicial é caracterizado por anorexia, náusea, vômito, diplopia, ansiedade e depressão, e evolui para desorientação temporoespacial, alucinação e coma, sempre associada à neuropatia periférica (7). O tratamento é feito por meio da reposição de tiamina, mas as sequelas podem ser permanentes (7).


Papel do Psicólogo no Contexto da Cirurgia Bariátrica

O psicólogo tem a função de identificar e tratar distúrbios psicológicos e questões emocionais que possam prejudicar o tratamento. Ele também realiza intervenções psicoeducativas sobre a obesidade, suas comorbidades e o processo cirúrgico, além de facilitar o manejo de demandas relacionadas ao emagrecimento e a adesão às orientações da equipe multiprofissional (6).

Transtornos Mentais e Cirurgia

Os transtornos psiquiátricos mais comuns em indivíduos com obesidade grau III que buscam a cirurgia são o transtorno da compulsão alimentar (TCA), a depressão e a ansiedade (6). Dificuldades com a autoimagem, autoperjuízo, adições, traumas e abusos também estão presentes, indicando uma frequente ligação entre problemas psicológicos e psiquiátricos e um IMC elevado (6).

Algumas pesquisas sugerem que pacientes com transtorno do humor podem apresentar menor perda de peso pós-cirurgia e maior chance de reganho. Contudo, outros estudos demonstram que as psicopatologias, em geral, não são preditores consistentes para o impacto na perda de peso pós-operatório (6). Pacientes com diagnósticos de ansiedade e depressão relatam reduções significativas nos sintomas durante o primeiro ano de pós-operatório (6).

Compulsão Alimentar e Cirurgia

Uma revisão de 2007 indicou que pessoas com TCA tendem a manter a patologia após o procedimento, e quando presente, apresentaram menor perda de peso no pós-operatório e maior necessidade de intervenções para um resultado favorável (5). Sendo assim, o acompanhamento da compulsão alimentar no pré-operatório da cirurgia bariátrica é recomendado (5).

Aspectos Psicológicos Relevantes na Avaliação

  • Composição familiar e dinâmicas: O ambiente familiar influencia a ocorrência e persistência da obesidade. A análise da organização e dinâmica familiar é relevante para a assistência psicológica ao paciente obeso, em qualquer idade, especialmente no tratamento pós-cirurgia bariátrica (6).
  • Razões para buscar a cirurgia: A motivação extrínseca (ex: perder peso para manter emprego ou casamento) pode oferecer pouco suporte ao paciente para lidar com as dificuldades relacionadas à perda de peso, pois qualquer falha na exigência externa pode comprometer o tratamento (6). Expectativas não realistas sobre o emagrecimento ou forma física idealizada podem gerar grande descontentamento com o resultado (6).
  • Conhecimentos prévios sobre a cirurgia e seus riscos: É comum que o paciente não saiba o tipo de cirurgia, o motivo da técnica escolhida ou o que esperar do tratamento. Em alguns casos, pode ser necessário testar as habilidades cognitivas do paciente para avaliar sua capacidade de entender o termo de consentimento (6).
  • Expectativas da cirurgia: É fundamental considerar as expectativas do paciente, fornecendo perspectivas realistas proporcionadas pela intervenção cirúrgica (6).
  • Histórico da obesidade: O relato do paciente sobre o início da obesidade o ajuda a perceber a presença da doença, avaliar os riscos de saúde e entender situações que contribuíram para o aumento de peso e comportamentos obesogênicos (6). A história familiar é crucial, revelando possível determinação genética e a cultura alimentar familiar (6). Pais são o modelo e a primeira referência para crianças e adolescentes em hábitos alimentares (6).
  • Adesão aos tratamentos pré-cirúrgicos: A adesão do paciente a tratamentos anteriores de obesidade indica o tipo de dificuldade que ele pode enfrentar no pós-cirúrgico (6). A adesão está relacionada a aspectos comportamentais, como percepção e manejo de obstáculos e adversidades, e a fatores externos (6).
  • Associação do ganho de peso com situação traumática ou de estresse: Compreender como a obesidade e a autoaceitação afetam a rotina e as relações sociais é crucial (6). Sentimentos de vergonha e inadequação social são comuns em pacientes obesos (6). Quadros psicopatológicos relacionados à dismorfia corporal não são incomuns (6). Histórias de abuso sexual ou outros traumas apontam estreita relação com o desenvolvimento da obesidade (6). É imprescindível avaliar as circunstâncias relacionadas ao surgimento e manutenção da obesidade e verificar se a situação foi “corrigida” (6).
  • Hábitos alimentares: Crenças e hábitos repetidos sobre comida podem levar a pensamentos equivocados, como a necessidade de comer tudo no prato para evitar desperdício, o que dificulta a adequação às novas porções pós-cirurgia (6). O terapeuta deve verificar vícios alimentares, crenças e emoções que levaram à obesidade, além da influência da genética, costumes, cultura familiar e modernidade (6).
  • Histórico de automutilação, ideação suicida ou tentativa de suicídio: É de suma importância solicitar ao paciente a descrição das situações, considerando os fatos geradores e as medidas tomadas. Avaliar se os motivadores foram sanados e, em casos graves, envolver a rede de apoio (família) pode ser importante (6).
  • Uso de substâncias, álcool ou drogas: O alcoolismo e o uso de outras drogas não tratados são contraindicações para a cirurgia (6).

Acompanhamento Pós-Cirúrgico

O consenso do núcleo de psicólogos de cirurgia da obesidade do Chile estabeleceu a seguinte frequência para o acompanhamento psicológico pós-cirurgia bariátrica (6):

  • 1 mês pós-cirurgia.
  • 3 meses pós-cirurgia.
  • 6 meses pós-cirurgia.
  • 12 meses pós-cirurgia.
  • Depois, a cada 6 meses até completar 5 anos.

O que deve ser abordado no acompanhamento:

  • Aspectos comportamentais referentes a mudanças/ajustes aos requisitos do pós-operatório (6).
  • Peso e alimentação (presença de distúrbios alimentares) (6).
  • Traumas (passados ou atuais que impactam no peso/alimentação) (6).
  • Aspectos de risco em saúde mental (desestabilização, risco de automutilação ou suicídio) (6).
  • Uso indevido do álcool (6).
  • Imagem corporal (ex: excesso de pele) e cirurgia revisional (6).
  • Autocuidado (6).
  • Adesão ao tratamento (6).
  • Regulação do estresse, com ênfase na identificação de sintomatologia de transtornos alimentares (6).

Importância do Acompanhamento Pós-Operatório:

Pesquisas mostram que a perda do acompanhamento pós-operatório está associada à diminuição da perda de peso e aumento do reganho (6). Uma meta-análise revelou que intervenções comportamentais, especialmente focadas no comportamento alimentar e na alimentação, aumentaram significativamente os resultados relativos à perda de peso nos primeiros 12 meses após a cirurgia (6).

Desejo de Engravidar

Mulheres em idade reprodutiva correspondem a quase 50% das pacientes submetidas à cirurgia bariátrica (6). Recomenda-se às candidatas evitar a gravidez de 12 a 18 meses do pós-operatório (6).


Referências Bibliográficas

  1. BAL, B. S. et al. Nutritional deficiencies after bariatric surgery. Nat Rev Endocrinol, v. 8, n. 9, p. 544–556, 2012. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1038/nrendo.2012.48.
  2. STEENACKERS, N. et al. Iron deficiency after bariatric surgery: What is the real problem? Proc Nutr Soc, v. 77, n. 4, p. 445–455, 2018.
  3. ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
  4. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  5. PRAZERES, I. S. et al. Prevalência da compulsão alimentar periódica e desenvolvimento de obesidade grave. Rev Soc Bras Clín Méd, v. 15, n. 2, p. 75–79, 2017.
  6. FRANQUES, A. R. M.; FREIRE, C. C.; SILVA, M. P. da. Diretrizes brasileiras de assistência psicológica em cirurgia bariátrica e metabólica. 2024.
  7. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
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