Osteoartrite: Fisiopatologia, Diagnóstico, Tratamento e Prevenção
Fisiopatologia da Osteoartrite
A osteoartrite (OA), formalmente conhecida como artrite degenerativa ou doença articular degenerativa, é a terceira doença mais incapacitante globalmente, superada apenas pelo diabetes e demência (6). Caracteriza-se por uma doença degenerativa das articulações, envolvendo um processo inflamatório crônico na cartilagem articular (7). É a forma mais comum de doença articular e a principal causa de incapacidade física e redução da qualidade de vida em idosos, com forte ligação à obesidade (2,6,8).
A OA é uma doença progressiva que se manifesta pela perda gradual da cartilagem articular hialina, acompanhada de remodelação óssea adjacente (1,4,8). Diferente das doenças autoimunes ou sistêmicas, a OA envolve a destruição da cartilagem com inflamação assimétrica (6). Comumente afeta articulações de suporte de peso, como joelho, quadril e coluna, mas também pode ocorrer nas mãos e pés (2,4,6,7,8).
Manifestações Clínicas e Achados Radiológicos
Os sintomas característicos incluem dor articular, que pode ser mais pronunciada no final do dia e agravada por atividades físicas de sobrecarga (2,4,6,7,8). A dor na OA geralmente piora com a descarga de peso e a atividade, e melhora com o repouso (6). Pacientes frequentemente relatam rigidez matinal ou “endurecimento” da articulação afetada após períodos de inatividade, que dura poucos minutos, além de diminuição da flexibilidade (2,4,6,7,8). A cartilagem é um tecido aneural, portanto, sua perda não causa dor diretamente (8). A dor na OA provavelmente se origina de estruturas fora da cartilagem, ocorrendo quando a capacidade de absorção de impacto da cartilagem é comprometida (8).
Os distúrbios cartilaginosos caracterizam-se pelo desgaste e adelgaçamento da placa articular interarticular, expondo o tecido ósseo subjacente (7). Isso resulta em um processo inflamatório crônico local, com redução da capacidade de absorver impactos diretos devido à perda das propriedades reológicas do colágeno cartilaginoso, e dificuldade em permitir o deslizamento suave e orientado do movimento articular (7). Ao contrário da artrite reumatoide (AR), a osteoartrite apresenta um caráter assimétrico quanto ao acometimento articular (7). As articulações tornam-se espessadas, levemente edemaciadas, com fibrose da cápsula sinovial, perda progressiva da mobilidade, crepitações ósseas e deformidades (7).
Os achados radiológicos incluem a perda do espaço interarticular, esclerose do osso subjacente, formação de espículas marginais (osteófitos) e, eventualmente, o aparecimento de cistos sinoviais (7).
Diagnóstico da Osteoartrite
O diagnóstico da OA pode ser baseado em anormalidades estruturais ou nos sintomas decorrentes dessas anormalidades (8). As alterações estruturais, como perda da cartilagem (observada como perda do espaço articular nas radiografias) e osteófitos, são basicamente universais em idosos (8). No entanto, muitas pessoas com evidências radiográficas de OA não apresentam sintomas articulares (8).
Prevalência e Fatores de Risco
Cerca de 50% dos indivíduos acima de 50 anos e 80% dos indivíduos acima de 70 anos apresentam sinais radiológicos da doença; contudo, apenas metade desses são sintomáticos (7). Aproximadamente 1 em cada 3 pacientes com 65 anos ou mais apresenta osteoartrite.
Fatores de Risco:
- Idade: É o principal fator de risco (6,8). O envelhecimento aumenta a vulnerabilidade articular (8). Em jovens, a carga dinâmica das articulações estimula a síntese de matriz da cartilagem; em idosos, a cartilagem é menos responsiva a esse estímulo (8). Em virtude dessa incapacidade, a cartilagem adelgaça com o envelhecimento e sofre maior estresse de cisalhamento, aumentando o risco de lesão (8). Além disso, fatores de proteção articular falham mais frequentemente. Os músculos que cruzam a articulação tendem a enfraquecer e respondem com menor rapidez aos impulsos (8). Os ligamentos distendem-se com a idade, tornando-se menos capazes de absorver impulsos. Juntos, esses fatores aumentam a vulnerabilidade das articulações (8).
- Obesidade: É um fator de risco significativo (6,8). Durante a caminhada, o apoio em uma única perna força o joelho a suportar uma carga que pode chegar de 3 a 6 vezes o peso corporal (8). Esse é um dos principais motivos pelos quais a obesidade é um fator de risco significativo para o desenvolvimento da osteoartrite, principalmente no joelho e no quadril (8). O efeito da obesidade sobre o desenvolvimento é mediado principalmente pela aplicação de cargas nas articulações; contudo, foi observada uma associação entre obesidade e osteoartrite nas mãos, sugerindo que produtos sistêmicos do tecido adiposo, como as adipocinas, podem afetar a doença (8). Em mulheres, a relação entre peso e risco é linear, de modo que o aumento no peso é acompanhado de um aumento proporcional no risco (8).
- Sexo Feminino (6)
- Etnia Branca (6)
- Maior Densidade Óssea (6)
- Lesão por Uso Repetitivo Associada à Prática Desportiva (6)
- Genética: A OA é uma doença altamente hereditária e específica de cada articulação (8). O papel dos fatores genéticos tem ganhado importância com a verificação de mutações relacionadas ao gene do colágeno tipo II em famílias com alta prevalência de OA (7).
Tratamento da Osteoartrite
O tratamento da osteoartrite visa aliviar os sintomas, minimizar os impactos funcionais e preservar a qualidade de vida (1). Basicamente, combina exercícios físicos com o uso de analgésicos (paracetamol) ou anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) (4).
Tratamento Não Farmacológico e Prevenção
Prevenção Ativa:
- Fortalecimento Muscular: Essencial para a estabilidade articular.
- Equilíbrio (Propriocepção): Melhora a coordenação e a proteção das articulações.
- Exercícios Aeróbicos de Baixo Impacto: Atividades como exercícios aquáticos, pedalagem, natação ou caminhada são recomendadas para pacientes artríticos, associadas à perda de peso e fortalecimento da musculatura de suporte às articulações, aprimorando a saúde e a qualidade de vida (5,7).
- Controle Alimentar: Manutenção do peso corporal saudável. Esportes ou atividades extenuantes, que sujeitam repetidamente as articulações ao alto impacto e sobrecarga, aumentam o risco de degeneração da cartilagem articular (6).
Prevenção Passiva:
- Nutracêuticos
- Infiltrações
- Palmilhas: Para reduzir o impacto articular, recomenda-se o uso de bengalas de apoio e a utilização de calçados macios com palmilhas especiais (7).
- Cirurgia
Terapia Nutricional e Suplementação
Dieta com Padrão Anti-inflamatório:
A adoção de uma dieta com padrão anti-inflamatório é benéfica.
Ômega-3:
Foi observado que pacientes com artrite reumatoide (doença inflamatória com etiologia idiopática que envolve múltiplas articulações sinoviais) submetidos à suplementação de óleo de peixe tiveram redução dos sintomas e das concentrações séricas de IL-1β (3). Além disso, maiores concentrações de ômega-3 no plasma e no líquido sinovial foram associadas a uma menor experiência de dor (2). O alívio da dor pode ocorrer devido à ação anti-inflamatória do EPA e DHA, bem como pelo efeito do DHA nos receptores opioides das células nervosas, fundamentais na regulação normal da sensação de dor (2).
Colágeno:
Não existe colágeno vegano. No tratamento da osteoartrite, o colágeno tipo II é o mais estudado e dividido em três grupos (4):
- Colágeno “undernatured” (UCII, nativo, insolúvel) – Mais utilizado.
- Gelatina
- Colágeno Hidrolisado (CH)
São propostos três mecanismos para o colágeno (4):
- Os peptídeos são utilizados para a construção de blocos de cartilagem.
- O colágeno influencia o metabolismo ósseo.
- Via sistema vascular, devido à associação entre OA e a doença vascular ateromatosa do osso subcondral.
O colágeno UCII age via modulação imune, inibindo cascatas inflamatórias e gerando melhora dos sintomas. A suplementação de colágeno tem sido associada ao tratamento de problemas articulares, como a osteoartrite (1), embora estudos anteriores não suportassem a utilização terapêutica devido à falta de evidências (4). Alguns estudos sugerem que a suplementação de colágeno pode induzir a regeneração da cartilagem com o aumento da síntese de macromoléculas na matriz extracelular (1). Estudos encontraram diminuição significativa nas escalas de WOMAC e VAS (métricas de comparação para osteoartrite) com a suplementação (1). Alguns estudos mostraram que o colágeno é capaz de reduzir a dor articular, bem como reduzir os níveis plasmáticos e urinários de CTX-II (C-telopeptídeo reticulado de colágeno tipo II), um biomarcador da degradação de colágeno (1). O colágeno hidrolisado mostrou-se mais benéfico na terapia da OA, provavelmente devido à sua maior absorção do que o colágeno normal (1). Um estudo demonstrou que a ingestão diária de colágeno hidrolisado foi capaz de reduzir a dor em pacientes com osteoartrite de joelho ou quadril, com mínimos efeitos adversos (2). Contudo, esse efeito ainda é controverso e parece mais eficaz em indivíduos com sintomas mais graves no início do estudo (2). É indicado o uso de colágeno UCII preferencialmente na osteoartrite inicial (estágios 1 e 2 da classificação de Outerbridge). Não há consenso sobre o tempo de uso, mas a maioria dos estudos sugere 3 a 6 meses. Se houver melhora dos sintomas em 3 meses, o uso pode ser mantido. Caso contrário, reavaliar, pois há fatores biológicos que não dependem apenas do colágeno. Estudos têm testado doses de 2-10g/dia de colágeno hidrolisado por 12 semanas.
Obesidade / Emagrecimento:
Um dos principais fatores de risco que aumentam o impacto biomecânico sobre a articulação é a obesidade (6,7). Estudos demonstram que uma redução de apenas 5kg no peso está associada a uma redução de 50% no risco de desenvolver OA (7). Quando a perda de peso é da ordem de 10% do peso corporal em pessoas com sobrepeso/obesidade, a melhora dos sintomas e da mecânica articular ao caminhar é muito mais evidente (7). É importante salientar que a maioria dos pacientes acometidos por OA apresenta restrições físicas variáveis, reduzindo consideravelmente seu gasto energético diário e dificultando a redução de peso (7).
Antioxidantes:
Os danos cumulativos aos tecidos mediados pelas espécies reativas de oxigênio são o caminho que leva a muitas das alterações degenerativas observadas com o envelhecimento (6). No entanto, grandes doses de antioxidantes dietéticos, incluindo vitamina C, tocoferóis (vitamina E), β-caroteno e selênio, não mostraram benefício adicional no manejo da OA sintomática (6).
Vitamina E:
Estudos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo que avaliaram a suplementação de vitamina E não encontraram diferenças significativas nos quadros clínicos dos indivíduos (7).
Glucosamina:
A literatura, em sua maioria, aponta para a ineficácia desse agente, inclusive constando como não recomendado na diretriz do Colégio Americano de Reumatologia (7). No entanto, estudos limitados sugerem que o sulfato de glucosamina administrado por via oral, intravenosa, intramuscular ou intra-auricular pode produzir uma redução gradual e progressiva na dor e na sensibilidade articular, bem como uma melhora na amplitude de movimento e na velocidade de caminhada (6). A glucosamina tem produzido benefícios consistentes, incluindo uma melhora de mais de 50% no escore de sintomas em pacientes com artrose (6). Em alguns casos, a glucosamina pode ser igual ou superior ao ibuprofeno (6). Uma dose de 1500mg de glucosamina (500mg, 3x ao dia) com 1200mg de condroitina (400mg, 3x ao dia) resultou em alívio estatisticamente significativo da dor em um pequeno subconjunto de participantes com dor moderada a grave, mas não naqueles com dor leve (6).
- Dose Recomendada: 1500mg/dia (3x 500mg).
- Não foram encontrados efeitos adversos da administração de glucosamina por via oral em parâmetros de sangue, urina, fezes, nem efeitos colaterais graves ou fatais (6).
Condroitina:
A literatura, em sua maioria, aponta para a ineficácia desse agente, inclusive constando como não recomendado na diretriz do Colégio Americano de Reumatologia (7). Uma dose de 1500mg de glucosamina (500mg, 3x ao dia) com 1200mg de condroitina (400mg, 3x ao dia) resultou em alívio estatisticamente significativo da dor em um pequeno subconjunto de participantes com dor moderada a grave, mas não naqueles com dor leve (6).
- Dose Recomendada: 1200mg/dia (3x 400mg).
- A condroitina é quimicamente similar aos anticoagulantes comumente utilizados e pode causar sangramento excessivo se utilizada em combinação com anticoagulantes (6). Também pode causar reações em indivíduos com alergia a mariscos (6).
Tratamento Médico
Farmacologia:
O tratamento farmacológico inclui a utilização de analgésicos e anti-inflamatórios nos períodos de exacerbação dolorosa, com aplicações intra-articulares esporádicas de corticosteroides e hialuronato nos casos mais severos (7).
- Piasclédine 300 mg: Medicamento fitoterápico composto por óleo de soja e abacate.
Tratamento Cirúrgico:
Pacientes com OA sintomática que não responderam adequadamente ao tratamento conservador e que apresentem limitação progressiva nas atividades de vida diária (AVD) devem ser avaliados por um cirurgião ortopédico (6). A reconstrução cirúrgica tem sido muito bem-sucedida, mas não deve ser vista como um substituto para uma boa nutrição geral, manutenção do peso corporal saudável e exercícios (6). A obesidade pode representar um fator de mau prognóstico em cirurgias ortopédicas, aumentando o índice de soltura e desbalanço de próteses articulares, além dos riscos inerentes ao excesso ponderal, como maior taxa de infecções, sangramentos e trombose venosa, entre outros (7).
Células-Tronco:
Não existe utilização de células-tronco em humanos, especialmente na regeneração de cartilagem. Em nenhum momento há crescimento de cartilagem.
Referências Bibliográficas
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