Fisiologia do Ciclo Circadiano e Suas Implicações Nutricionais e Comportamentais


Fisiologia do Ciclo Circadiano e Suas Implicações Nutricionais e Comportamentais


Introdução

O ciclo circadiano é um sistema biológico endógeno e autossustentável, com um período de aproximadamente 24 horas, que regula os processos metabólicos e fisiológicos para otimizar as demandas de energia e seu suprimento ao longo do dia (1). Embora seja um relógio interno, ele é influenciado e ajustado por fatores externos, como o ciclo claro/escuro, a disponibilidade de alimentos, o contato social e até mesmo a luz da lua (1).


Componentes do Ciclo Circadiano

O ciclo circadiano é complexo e envolve:

  • Vias de informação do ambiente: Permitem a sincronização com o meio externo (1).
  • Um “marca-passo” central: Responsável pela oscilação rítmica (1).
  • Vias de transmissão de informações: O ciclo transmite informações por meio de diversos processos, que dependem da expressão de vários genes, incluindo Clock, Bmal1, Per1-3, Cry1-2, Chrono, Rev-erbα e Rorα (1).

O núcleo supraquiasmático (NSQ), localizado no hipotálamo anterior, é o “marca-passo” principal do ciclo circadiano, sendo predominantemente influenciado pelo ciclo claro/escuro (1,6). Ele recebe ligação direta da retina, que sincroniza o ambiente externo com o interno. A luz é o principal fator responsável por essa sincronização.

Os sinais temporais são transmitidos por diversas vias, como sinalização hormonal (cortisol e melatonina), variações na temperatura corporal e sinalizações comportamentais (atividade física, ingestão alimentar). A flexibilidade do relógio interno humano permite uma grande adaptação às variações diárias.

Existem também “relógios” periféricos que atuam em tecidos específicos, expressando genes envolvidos em uma variedade de processos fisiológicos (1). O controle do ciclo é exercido pela secreção de sinais humorais do NSQ para regiões próximas ao hipotálamo, incluindo o fator de crescimento transformador, a citocina do tipo cardiotrofina e a procineicina-2 (1). Os glicocorticoides são outro fator humoral estudado, agindo principalmente nos relógios periféricos e alterando a expressão gênica desses relógios através da ativação de receptores nucleares como o PPARα (1). O relógio central coordena vias neuroendócrinas e autonômicas para otimizar a liberação de glicocorticoides (1).

A disponibilidade de comida pode ser um potente fator regulador do ciclo circadiano. Um estudo que alimentou ratos apenas no período diurno (sendo roedores de hábitos noturnos) conseguiu “realinhar” os relógios periféricos com o horário da oferta de comida (1).

As concentrações plasmáticas de grelina também são controladas pelo ritmo circadiano em ratos e humanos, atingindo seu pico antes do horário da refeição (1). Em contraste, os níveis plasmáticos de leptina, insulina, glucagon e corticosterona atingem seu pico durante a fase ativa dos roedores, enquanto o oposto ocorre com adiponectina e grelina (1).

A microbiota intestinal, tanto em roedores quanto em humanos, oscila ao longo do dia, influenciada pelo ritmo da alimentação, visando uma composição e função ótimas durante as 24 horas (1). Diferentes nutrientes, incluindo glicose, aminoácidos, sódio, álcool, cafeína, tiamina e ácido retinoico, possuem a capacidade de alterar o ciclo circadiano (1).

Eventos cardiovasculares, como edema pulmonar e infartos, frequentemente ocorrem em horários específicos do dia, geralmente próximos às 12:00h.


Nutrient Timing e Impacto no Metabolismo

Os relógios periféricos regulam a absorção da glicose, a sensibilidade e a secreção de insulina. O cortisol, mediado pelo eixo HPA (Hipotalâmico-Pituitário-Adrenal) e pelo SNC, apresenta um pico de liberação momentos antes do período ativo, diminuindo a secreção de insulina.

Há uma melhor resposta das células β-pancreáticas pela manhã. O tecido muscular demonstra maior sensibilidade à insulina pela manhã e maior capacidade mitocondrial oxidativa no período noturno. A melatonina interfere na secreção de insulina e é inibida pela luz. Níveis baixos de melatonina são associados ao DM2, uma vez que a melatonina contribui para a redução da secreção de insulina. Estudos mostram que a exposição à luz noturna em indivíduos acordados pode levar à elevação da glicose plasmática. O hormônio do crescimento (GH), antagonista da ação da insulina no músculo e fígado, diminui a sensibilidade à insulina no período noturno.

Processos como transporte de glicose, gliconeogênese, lipólise, adipogênese e oxidação mitocondrial são todos controlados por transcrições relacionadas ao relógio central (time-sensitive). A sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose diminuem ao longo do dia.

A primeira refeição do dia determina a fase dos relógios periféricos, enquanto a última refeição pode levar à lipogênese e ao acúmulo de gorduras. O quociente respiratório também é influenciado pelo ciclo circadiano:

  • Manhã: Quociente respiratório ≈ 0,84 (preferência por oxidação de carboidratos).
  • Noite: Quociente respiratório < 0,84 (maior preferência por oxidação de lipídios).

Um maior consumo de carboidratos pela manhã demonstrou um efeito protetor contra a síndrome metabólica. A ingestão de proteínas pela manhã é mais eficaz no aumento da saciedade e no controle da grelina ao longo do dia. Estudos em ratos indicaram que a concentração de calorias no início do dia é mais eficaz para a perda de peso do que no final do dia. Um café da manhã “calórico” conseguiu modular os níveis hormonais de grelina, diminuindo a fome no restante do dia (2). Em diabéticos, um café da manhã rico em proteínas e gorduras trouxe benefícios ao metabolismo (2).

Um estudo correlacionou o tamanho do jejum noturno com mudanças no IMC, sugerindo que um jejum mais longo se associa a um IMC menor. Os autores hipotetizaram que esses efeitos benéficos podem ser devidos à melhora na regulação de hormônios da saciedade (grelina e leptina), na otimização dos relógios periféricos (com melhora de reguladores metabólicos como CREB) ou à diminuição do dano oxidativo e maior resistência ao estresse (5).


Cronodisrupção e Saúde

A cronodisrupção, definida como a dessincronização crônica do ritmo de 24 horas, resulta em efeitos adversos à saúde (1). Ela ocorre quando a sincronização entre o ambiente externo e a fisiologia interna é perdida (1).

Em um estudo, após 3 dias de desalinhamento do ciclo circadiano, foram observados níveis de leptina diminuídos e um aumento nos níveis de glicose, mesmo com o aumento da insulina (1). Estudos em animais já demonstram que alterações no ciclo circadiano podem levar a anormalidades comportamentais na ingestão alimentar e no Gasto Energético Basal (GEB).

Manifestações da Cronodisrupção

  • Fome noturna: Maior ingestão de alimentos no período noturno.
  • Hiperfagia: Excesso de alimentação devido a alterações em neuropeptídeos como a grelina.
  • Alterações no metabolismo de carboidratos: Levando a mudanças na sensibilidade à insulina e consequente resistência à insulina.
  • Queda no GEB.

Um estudo identificou que quanto mais tarde a ingestão alimentar e o horário de dormir, maior é o percentual de gordura (3). Pular o café da manhã e concentrar a alimentação no período noturno foi associado a um maior ganho de peso. A primeira refeição do dia determina a fase dos relógios periféricos, e a última leva à lipogênese e ao acúmulo de gorduras; pular o café da manhã resulta em um atraso na lipólise e consequente aumento na lipogênese. Foi observado que dormir mais tarde não está necessariamente associado a comer mais, sugerindo outros mecanismos por trás do aumento do percentual de gordura (3). Por outro lado, uma maior concentração das calorias no período da manhã foi associada a um aumento no emagrecimento. A composição da dieta não demonstrou alterações na porcentagem de perda de peso em indivíduos obesos (2).

Síndrome do Comer Noturno

É uma condição caracterizada por um atraso no horário da alimentação, com a maior parte do consumo ocorrendo no final da tarde ou à noite (1). Em ratos, a alimentação durante a fase de “descanso” foi associada ao desenvolvimento de obesidade (1). Hábitos alimentares inadequados podem gerar obesidade e desalinhamento do ciclo circadiano (1).

Jet Lag

O jet lag é resultado de viagens repetidas com diferentes fusos horários, causando sintomas como sono ruim, baixo desempenho mental e físico, mudanças subjetivas negativas e distúrbios gastrointestinais (1). Adicionalmente, o jet lag pode induzir alterações na microbiota, resultando em disbiose, que tem sido associada à obesidade e intolerância à glicose (1).

Shift Work (Trabalho em Turnos)

A exposição à luz durante o período noturno é um dos mais potentes cronodisruptores para o corpo humano (1). Cerca de 20% da população global está engajada em atividades noturnas que representam risco para o ciclo circadiano (1). A troca de turno já foi associada a um maior risco de obesidade/sobrepeso (1). Em trabalhadores noturnos, ocorre uma diminuição da Taxa Metabólica de Repouso (TMR) com um concomitante aumento na ingestão calórica. O desalinhamento do ritmo circadiano interno e do comportamento exacerbou a tolerância à glicose em trabalhadores de turnos invertidos, reforçando a necessidade de um alinhamento entre os ritmos (4).

Mulheres que trabalham em turnos noturnos apresentam um risco aumentado para o desenvolvimento do câncer de mama, sendo esse risco proporcional à duração do trabalho noturno ao longo dos anos (1). A exposição à luz durante a noite, com consequente redução nos níveis de melatonina, tem sido postulada como a causa desse efeito (1). A troca para o trabalho noturno também está associada a uma maior janela alimentar, sendo a ingestão de comida no período noturno relacionada à obesidade, independentemente da ingestão energética (3). Além disso, a troca de turno associa-se a uma menor duração do sono (3).


Janela Alimentar

Pular o café da manhã tem sido associado a uma maior chance de desenvolver obesidade e falhas metabólicas. O ganho de peso decorre da disrupção no timing da produção de calor induzida pela dieta, que normalmente atinge seu pico pela manhã (1). Observa-se maior tolerância à glicose pela manhã em comparação com a tarde (4). Indivíduos que consomem mais calorias pela manhã tendem a perder mais peso, mesmo com ingestão energética semelhante (3).

Em relação ao almoço, pesquisadores sugerem que não deve ser “adiado” para o final da tarde. Participantes obesos/sobrepeso perderam mais peso quando almoçaram mais cedo, mesmo ingerindo uma dieta isocalórica (1,2). O jantar deve ser consumido pelo menos 3 horas antes de dormir (1).

Pesquisadores em Israel especulam que concentrar o consumo de carboidratos no período noturno poderia modificar os padrões de liberação de leptina, levando a uma maior concentração de leptina durante o dia, aumentando a saciedade nas horas de vigília (1). Um experimento demonstrou melhora na sensibilidade à insulina e no metabolismo, além de diminuição do status inflamatório, com essa estratégia (1). Nos tecidos periféricos (fígado, músculos e tecido adiposo), o carboidrato concentrado na dieta promoveu sinalização da adiponectina, reprimiu a gliconeogênese, aumentou a oxidação lipídica e diminuiu a inflamação, melhorando fatores de risco para obesidade (1).

Um estudo mostrou que a elevação de triglicerídeos em resposta à ingestão de lipídios foi maior e mais prolongada durante a noite do que durante o dia (4). Em roedores, a absorção de alguns aminoácidos foi maior no início da fase ativa do que na fase de descanso (4). Em humanos, 16 aminoácidos, incluindo a leucina, foram melhor absorvidos pela manhã (4). Um estudo indicou que consumir grandes quantidades de calorias no jantar pode induzir disfunções lipídicas e metabólicas, mesmo com restrição da janela alimentar (4).

Uma vez que os processos metabólicos estão ligados ao ciclo circadiano, a ingestão alimentar fora desse ciclo pode levar a efeitos adversos no metabolismo, como obesidade, DM2 e doenças cardiovasculares (3). Em alguns estudos, a restrição de tempo para alimentação (dieta Ramadã) foi considerada uma boa estratégia não farmacológica no combate à obesidade (2). A diminuição da janela alimentar com o atraso na primeira refeição foi associada a um maior percentual de gordura (3), implicando diretamente na estratégia de jejum intermitente, onde a janela alimentar é restrita a 6-10 horas/dia (3).

Restrição do Tempo Alimentar

Restringir o tempo de alimentação durante o dia foi benéfico para trabalhadores noturnos, representando uma ferramenta eficaz no controle de peso e na saúde metabólica (1). Também conhecida como a dieta do Ramadã, ou jejum intermitente. A restrição do tempo alimentar foi capaz de prevenir o ganho de peso, a intolerância à glicose, a esteatose hepática e a inflamação em uma dieta rica em gorduras (4). A restrição alimentar, com uma janela de 6 horas de alimentação e o jantar às 15h, melhorou a sensibilidade à insulina, a função das células β, a pressão sanguínea e o estresse oxidativo em pré-diabéticos (4).


Sono e Ciclo Circadiano

A privação de sono de 4-6 horas foi capaz de diminuir a sensibilidade à insulina no fígado, no tecido adiposo e no resto do corpo, possivelmente devido ao aumento da circulação de catecolaminas e/ou cortisol (1). A prática regular de exercícios físicos foi associada a uma melhor qualidade do sono e a um menor cansaço durante o dia (1). O exercício físico atua como um sincronizador não fótico para o ciclo circadiano em humanos e ratos (1).

A luz artificial com ondas entre 460-480 nm (luz azul) é um potente sinal de vigília. Já a luz vermelha tem um impacto reduzido nos receptores de melatonina, estimulando menos o estado de vigília (1). A luz azul pode ser usada para melhorar a atenção, o tempo de reação e o humor, enquanto a luz vermelha pode melhorar a qualidade do sono (1).

Até o momento, a única substância com potencial para uso na modulação do sono e ciclo circadiano é a melatonina e seus análogos (1). A melatonina pode ser utilizada em indivíduos obesos, uma vez que estes frequentemente perdem a ritmicidade do ciclo circadiano, gerando possíveis benefícios no tratamento (1).

Estudos recentes demonstraram que o horário da refeição durante o dia tem implicações diretas na prevenção da obesidade, perda de peso, apetite, resistência à insulina e síndrome metabólica (2). Assim como o horário das refeições, o timing dos macronutrientes também pode influenciar a dieta (2).


Exercício Físico e Ciclo Circadiano

No início da manhã, os reflexos dos sistemas sensório-motor, cognitivo, comportamental, cardiovascular e metabólico estão no nível máximo de repouso. Ao longo do dia, esses reflexos tendem a aumentar, atingindo seu ápice junto ao pico de temperatura corporal, por volta das 17-18h (4,6).

Existem evidências de que o ritmo biológico e fisiológico exerce efeito sobre o desempenho atlético. Essas evidências demonstram que o aumento da temperatura corporal pode estar associado à melhora do desempenho, sendo essa temperatura maior no período da tarde do que pela manhã (6). Nesse sentido, um estudo verificou que um aquecimento de 20 minutos pré-exercício pela manhã provocou um aumento na temperatura corporal que pode ser responsável por um desempenho semelhante ao observado quando o exercício é feito no início da noite (6).

Treinar no mesmo horário da competição é uma estratégia benéfica em esportes como a natação (4). O treino no período noturno, entre 19 e 22h, gerou atrasos na liberação de metabólitos da melatonina, sugerindo que exercícios à noite podem atrasar o ciclo circadiano (4). Alguns estudos mostraram que, para ganho de massa magra, treinar no período da tarde é mais eficaz para induzir hipertrofia, enquanto treinar pela manhã é melhor para prevenir a perda de massa (4). Visando a queima de gordura, treinos no período da tarde foram mais eficazes a curto prazo, com maior aumento nos níveis de adrenalina no sangue e IL-6 do que quando realizados pela manhã (4).


Ciclo Circadiano e Educação

Estudos demonstraram que adiar o horário de início das aulas na segunda metade do ensino fundamental e no ensino médio produz melhores resultados para os alunos em diversos indicadores (7). Quando o horário de início das aulas é transferido para as 08:30 ou mais tarde, os alunos têm maior probabilidade de dormir a quantidade de horas adequadas, menor sonolência durante a aula, menos dificuldade para permanecerem acordados em sala, níveis menores de depressão e maior participação em atividades extracurriculares (7). Esses efeitos ocorrem principalmente porque as aulas que iniciam mais tarde estão sincronizadas com os ritmos circadianos biológicos dos adolescentes, que naturalmente os impedem de ir para a cama cedo o suficiente para obterem o sono necessário (7).


Referências Bibliográficas

  1. LAERMANS, J.; DEPOORTERE, I. Chronobesity: Role of the circadian system in the obesity epidemic. Obes Rev, v. 17, n. 2, p. 108–25, 2016.
  2. SOFER, S.; STARK, A. H.; MADAR, Z. Nutrition Targeting by Food Timing: Time-Related Dietary Approaches to Combat Obesity and Metabolic Syndrome. Adv Nutr, v. 6, n. 2, p. 214–23, 2015.
  3. THOMAS, E. A. et al. Later meal and sleep timing predicts higher percent body fat. Nutrients, v. 13, n. 1, p. 1–17, 2021.
  4. AOYAMA, S.; SHIBATA, S. Time-of-Day-Dependent Physiological Responses to Meal and Exercise. Front Nutr, v. 7, 2020.
  5. PAOLI, A. et al. The influence of meal frequency and timing on health in humans: The role of fasting. Nutrients, v. 11, n. 4, p. 1–19, 2019.
  6. RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado de Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2019. 646 p.
  7. PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento Humano. 14. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022. v. 1.

Deixe um comentário0