A Hidratação na Performance Esportiva e na Saúde Geral
Introdução
A água, componente majoritário do corpo humano, é essencial para a manutenção das funções fisiológicas e, consequentemente, para a performance esportiva e a saúde geral. Este documento detalha a fisiologia da hidratação, as consequências da desidratação e da hiponatremia, bem como as recomendações nutricionais e estratégias de hidratação adaptadas a diferentes contextos e populações.
Fisiologia da Água Corporal
Aproximadamente 60% da massa corporal total de um indivíduo é composta por água, o que equivale a cerca de 42 litros em uma pessoa de 70 kg (2). A distribuição de água nos tecidos varia, sendo que o tecido muscular contém entre 65% e 75% de água, enquanto o tecido adiposo apresenta apenas cerca de 10% (2).
Absorção de Água
A maior parte da absorção de água, cerca de 99%, ocorre no intestino delgado, predominantemente no duodeno (~72%), por meio de difusão simples (6). Nesse processo, a água se move de uma área de maior concentração de água para uma de menor concentração, ou seja, para o compartimento com maior concentração de soluto (6). Em termos práticos, quando a osmolaridade do quimo é baixa, a água se desloca para a célula parietal e, em seguida, para o plasma, que possui maior osmolaridade. Inversamente, se a osmolaridade do quimo for alta (por exemplo, em soluções concentradas de glicose), a água se move em direção ao lúmen intestinal (6).
Desidratação
Alterações no conteúdo hídrico corporal podem ser decorrentes de diversos fatores, como hemorragias, vômito, diarreias, uso de diuréticos e sudorese (2). Durante o exercício, a principal causa de perda hídrica é a evaporação do suor, fundamental para a termorregulação (2). As taxas de sudorese durante eventos esportivos podem variar de 0,3 a 2,4 L/h, influenciadas pela intensidade, duração, aclimatação, altitude e outras condições ambientais (1). Um atleta de 70 kg que completa uma maratona em 2h30min, por exemplo, pode evaporar cerca de 1,6 a 2,0 L/h, resultando em uma perda de aproximadamente 7% de sua massa corporal (2).
Perdas hídricas de 2% a 4% do peso corporal já resultam em prejuízos no desempenho, devido à redução do volume intersticial e intracelular, que afeta diretamente as vias energéticas dependentes do conteúdo hídrico intracelular (1, 2). A desidratação severa ocorre com perdas entre 6% e 10% do peso, levando a efeitos mais pronunciados no exercício, na produção de suor e na circulação sanguínea muscular e cutânea (1). Perdas superiores a 7% causam alterações graves no volume plasmático e, consequentemente, no volume sistólico. Para compensar a diminuição do débito cardíaco e da pressão arterial, o organismo eleva a frequência cardíaca, secreta hormônios antidiuréticos e promove vasoconstrição periférica, o que compromete a termorregulação e aumenta a temperatura corporal (2). Assim, quanto maior o grau de hipoidratação, menor a capacidade de termorregulação do indivíduo (2).
Hiponatremia
A hiper-hidratação antes ou durante o exercício pode precipitar um quadro de hiponatremia, caracterizada por uma concentração de sódio plasmático abaixo de 130 nmol/L (Na+ < 130 nmol/L) (5). Os sintomas incluem: náuseas, cefaleia progressiva, fraqueza, tontura, dores abdominais e torácicas, apreensão, confusão, alterações comportamentais, ataxia, déficit neurológico local, ganho de peso, dispneia e, em casos graves, coma por edema cerebral (5). Esses sintomas podem se manifestar mesmo com pressão, pulsação e frequência respiratória normais (5). Em caso de suspeita, é crucial a dosagem de Na+ e um hemograma que revele hematócrito diluído (5). Atletas que demoram mais de 4 horas em maratonas, por exemplo, exigem cuidado especial na estratégia de reposição hídrica para evitar hiponatremia (5).
Recomendações Nutricionais e Estratégias de Hidratação no Esporte
Recomendações Diárias
As recomendações gerais de ingestão hídrica para adultos variam entre 35-50 mL/kg/dia.
Hidratação no Esporte
Atletas devem implementar estratégias de hidratação antes, durante e após os eventos esportivos (1). A medição do peso pré e pós-exercício é uma ferramenta valiosa para quantificar a perda de líquido e individualizar a estratégia de reposição (1). A taxa de sudorese (TS) também pode ser utilizada como parâmetro:
TS(mL/min) = [(Peso inicial (kg)−Peso final (kg))×1000]/Tempo de atividade (min)
Estratégias Pré-Exercício (Pré-Prova)
A reposição hídrica deve ocorrer antes da percepção da sede (2). A hiper-hidratação pré-exercício pode ser benéfica em algumas situações, utilizando protocolos agudos de sódio e carga de glicerol (3). Para uma hidratação pré-evento adequada, os atletas devem consumir entre 5-10 mL/kg de líquidos nas 2-4 horas anteriores ao evento, permitindo a eliminação do excesso de líquido (1). O consumo de alimentos ricos em sódio pode auxiliar na retenção hídrica (1). Outra recomendação é a ingestão de 250-600 mL de líquidos nas 2 horas que antecedem o evento (5).
Estratégias Durante o Exercício (Durante a Prova)
A principal finalidade da reposição líquida durante o exercício é atenuar a perda hídrica e postergar a fadiga (2). Recomenda-se a ingestão fracionada de 3 mL/kg a cada 15 minutos ou entre 200-400 mL a cada 15 minutos, o que, para um atleta de 70 kg, significa cerca de 210 mL a cada 15 minutos (2, 5). Geralmente, reposições entre 400-800 mL/h são suficientes para a maioria dos atletas (1). A ingestão fracionada a cada 15 minutos visa otimizar a absorção e o esvaziamento gástrico (2).
A solução de reposição deve conter entre 6% e 10% de carboidratos para facilitar o esvaziamento gástrico (2). O sódio deve ser consumido durante exercícios com grandes perdas pelo suor, especialmente em cenários com taxa de sudorese superior a 1,2 L/h ou em atividades com duração superior a 2 horas (1). A reidratação em eventos esportivos com duração superior a 45 minutos é crucial para a manutenção da capacidade de desempenho, devido à oferta de carboidratos, eletrólitos e cafeína, além da otimização do processo termorregulatório (2).
Para perdas hídricas de até 2% do peso corporal, a reposição pode ser feita apenas com água (2). No entanto, para perdas acima de 2%, a suplementação de eletrólitos, principalmente sódio, é necessária para evitar hiponatremia (2). Nesses casos, a reposição deve ser realizada com soluções isotônicas, contendo água, glicose, sódio e outros eletrólitos (2). A temperatura da solução deve estar entre 6°C e 20°C para facilitar a digestão (2).
Estratégias Pós-Exercício (Pós-Prova)
Para uma reidratação eficaz após o evento esportivo, o volume de líquidos a ser ingerido deve ser equivalente a 1,25 a 1,50 vezes a perda de peso corporal ocorrida durante o evento (1, 2, 5). Embora qualquer bebida auxilie na reposição de líquidos, atletas devem ser orientados sobre o consumo de bebidas cafeinadas, que podem levar a uma ingestão líquida total menor, especialmente se já fazem parte da rotina alimentar (3).
Influência de Fatores Específicos
Diferentes Modalidades Esportivas
Em atividades de força como saltos, lançamentos e levantamento de peso, o prejuízo no rendimento é percebido com uma desidratação de 5%. Em contrapartida, em atividades de resistência aeróbia, a desidratação afeta o desempenho mais precocemente, devido à alteração na circulação sanguínea decorrente da redução do volume sanguíneo (1, 2). Diversos estudos demonstraram que a desidratação impacta mais atletas de provas de 5 km e 10 km do que aqueles que participam de provas de 1,5 km.
Esportes com Pesagem
Em esportes com categorias baseadas no peso corporal, onde a pesagem ocorre pouco antes do evento, a desidratação proposital não é a melhor estratégia, pois geralmente não permite o retorno ao estado de hidratação ideal a tempo da competição (1).
Para-Esportes
Atletas com deficiências podem apresentar uma necessidade de ingestão de líquidos diminuída devido a uma menor taxa de sudorese (1). É crucial monitorar a temperatura desses atletas, especialmente em casos de lesão na função neural (lesões medulares), onde os mecanismos de regulação térmica podem estar comprometidos, resultando em redução do fluxo sanguíneo periférico e da taxa de sudorese (3).
Termorregulação e Temperatura Corporal
O estresse causado pelo aumento da temperatura corporal pode afetar negativamente os sistemas gastrintestinal, cardiovascular e termorregulatório, sendo uma grande preocupação para atletas (3). Para mitigar o acúmulo de calor e prevenir o aumento excessivo da temperatura, o organismo desencadeia processos de vasodilatação e sudorese (3).
Bebidas frias (0,5°C) podem ser benéficas, pois auxiliam na redução da temperatura corporal e na melhora do desempenho (1). Estudos indicam que, durante o exercício, o contato de bebidas geladas com a boca ativa áreas cerebrais específicas, promovendo uma sensação de conforto térmico que, por sua vez, pode aumentar o desempenho (3). O uso de bebidas geladas, além de manter a temperatura “ideal”, contribui para o balanço hídrico, fornece nutrientes, defende a integridade da barreira intestinal e alivia o desconforto térmico, especialmente em ambientes quentes (3).
Termorregulação e Obesidade
Um estudo observou que soldados com IMC ≥ 22 apresentavam uma probabilidade 8 vezes maior de sofrer patologias associadas ao calor em comparação com aqueles com IMC < 22, durante uma corrida de 2,5 km.
Referências Bibliográficas
- COMMUNICATIONS, S. Nutrition and Athletic Performance. Med Sci Sports Exerc, [s.l.], v. 48, n. 3, p. 543–568, 2016.
- LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
- MCCUBBIN, A. J. et al. Sports Dietitians Australia position statement: Nutrition for exercise in hot environments. Int J Sport Nutr Exerc Metab, [s.l.], v. 30, n. 1, p. 83–98, 2020.
- CLOSE, G. L. et al. New strategies in sport nutrition to increase exercise performance. Free Radic Biol Med, [s.l.], v. 98, p. 144–158, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.freeradbiomed.2016.01.016.
- RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado de Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2019. 646 p.
- JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.