Abordagem Nutricional no Envelhecimento: Da Fisiologia à Conduta Clínica


Abordagem Nutricional no Envelhecimento: Da Fisiologia à Conduta Clínica


Introdução

O processo de envelhecimento é um fenômeno complexo, multifatorial e individual, caracterizado por alterações fisiológicas e metabólicas progressivas que impactam a saúde e a qualidade de vida. Compreender essas modificações é fundamental para a elaboração de estratégias nutricionais eficazes que visem à promoção de um envelhecimento saudável e à prevenção de comorbidades associadas.


Prevalência e Contexto Demográfico

A população idosa, definida como indivíduos com 60-65 anos ou mais, tem apresentado um crescimento expressivo. Estima-se que, globalmente, essa faixa etária abranja cerca de 650 milhões de pessoas atualmente, com projeções que indicam um aumento para 2 bilhões até 2050 (1). Esse cenário demográfico reforça a importância de diretrizes nutricionais específicas para essa população.


Alterações Bioquímicas e Antropométricas no Idoso

Alterações Bioquímicas Relevantes

Com o avanço da idade, observa-se uma tendência à diminuição de parâmetros hematológicos como hemoglobina, hematócrito, eritrócitos e ferro sérico. O volume corpuscular médio (VCM) pode apresentar-se ligeiramente mais elevado. Em relação aos lipídios, níveis elevados de LDL são considerados preocupantes, enquanto níveis baixos de LDL não demonstram relação com mortes precoces em idosos.

Avaliação Antropométrica

Peso Corporal: É comum uma diminuição do peso, principalmente a partir dos 75 anos, decorrente da perda de massa óssea e muscular (10).

Altura: A partir dos 40 anos, a altura tende a sofrer uma redução média de 1 cm a 1,5 cm a cada década, respectivamente em homens e mulheres (10). Isso se deve, provavelmente, ao achatamento plantar, diminuição da altura das vértebras e discos intervertebrais, e alterações posturais (10).

Índice de Massa Corporal (IMC): Pontos de corte específicos para idosos são recomendados devido às mudanças na composição corporal. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) sugere:

  • Baixo peso: IMC < 23
  • Normal: IMC = 23-28
  • Sobrepeso: IMC = 28-30
  • Obesidade: IMC > 30 (1)

Já Lipschtz et al. (1994) estabeleceram:

  • Desnutrição: IMC < 22
  • Eutrofia: IMC = 22-27
  • Obesidade: IMC > 27 (10)

Avaliação da Massa Muscular e Composição Corporal

A circunferência da panturrilha (CP) é um indicador sensível de alterações musculares em idosos, sendo uma CP <31 cm o melhor indicador para sarcopenia (10). A diminuição da massa magra também pode ser avaliada pela circunferência muscular do braço, que estima o tecido muscular do braço (1).

Em relação à composição corporal, é comum um aumento de 20-30% na gordura corporal total em idosos, com alteração no padrão de distribuição para uma localização mais abdominal (10). Esse aumento “central” ocorre pela elevação dos depósitos centrais de gordura e maior internalização da gordura ao redor dos órgãos internos (10). Isso leva a um aumento na circunferência da cintura e diminuição nas circunferências do braço e da dobra tricipital (10).


Tratamento Médico: Fatores Farmacológicos e Nutricionais

A farmacologia merece atenção especial em idosos. Medicamentos como laxantes, diuréticos, sedativos e anticonvulsivos podem impactar negativamente o estado nutricional, principalmente devido ao prejuízo na absorção e no metabolismo de nutrientes (2).


Recomendações Nutricionais Específicas para Idosos

Gasto Energético

O envelhecimento é acompanhado por uma diminuição do gasto energético de 1-2% por década (1). Essa redução progressiva é atribuída à alteração da composição corporal, com perda de massa magra e ganho de tecido adiposo (1). Além disso, a redução na prática de atividades físicas pode diminuir em aproximadamente 150 kcal/dia a necessidade energética total (1). Contudo, algumas doenças como Parkinson, Alzheimer e insuficiência cardíaca estão associadas a um aumento da taxa metabólica basal (TMB) (10).

Proteínas

Estudos indicam que, a partir dos 70 anos, ocorre uma redução na digestão e absorção de proteínas, o que leva a menor biodisponibilidade de aminoácidos e prejuízo na síntese proteica muscular (2). Essa menor entrada de aminoácidos no músculo também afeta a resposta hormonal. Devido à dificuldade digestiva, é interessante distribuir a ingestão proteica ao longo do dia. Recomenda-se um consumo de pelo menos 1,2-1,5 g de proteína/kg/dia para diminuir o risco de sarcopenia. Alguns estudos sugerem 0,4 g/kg/refeição de proteína, com um mínimo de 0,8 g/kg/dia.

Leucina: Uma ingestão aumentada de leucina, seja via alimentação ou suplementação, pode otimizar a síntese proteica muscular em idosos (8). Aumentar o fornecimento de leucina e outros aminoácidos essenciais, inclusive através do whey protein, é uma das melhores formas de diminuir a perda de massa muscular (8). O limiar anabólico de leucina, que maximiza a síntese proteica muscular, é de aproximadamente 3 g por refeição (9).

Gorduras

Em idosos com dificuldades alimentares ou perda de peso involuntária, o consumo de alimentos ricos em gorduras pode ser benéfico devido à sua alta densidade energética (10).

Fibras

As RDAs para fibras são de 21 g/dia para mulheres >51 anos e 30 g/dia para homens >51 anos. As fibras tendem a melhorar o trânsito intestinal, beneficiando a queixa comum de constipação (2). Entretanto, o consumo excessivo pode gerar efeitos adversos na biodisponibilidade de nutrientes, pois alimentos ricos em fibras, especialmente fitatos, podem se ligar a minerais como o zinco, impedindo sua absorção (2). As fibras insolúveis retêm água no cólon, aumentando o bolo fecal e melhorando o trânsito intestinal, sendo um fator protetor contra a doença diverticular do cólon, comum em idosos (10). As fibras solúveis prolongam o tempo de trânsito intestinal, diminuindo a velocidade de absorção de nutrientes, o que pode ser benéfico para o controle glicêmico (10). Recomenda-se uma dieta rica em carboidratos (CHO) ricos em fibras.

Hidratação

Idosos são mais suscetíveis à desidratação devido a uma menor resposta da sede, dificuldade renal em concentrar a urina e dificuldade em regular a ingestão de líquidos (10). A percepção reduzida da sede e a possível deficiência do sistema de receptores opioides contribuem para a hipodipsia (1). Além disso, observa-se redução na capacidade renal de concentrar a urina e na atividade da renina e aldosterona (1). Recomenda-se uma ingestão de 30 mL/kg de peso ou uma média de ~1 mL/kcal/dia (1,10). Sinais de desidratação incluem alterações no turgor da pele, hipotensão ortostática e alterações na textura da língua e mucosa (10).

Micronutrientes

As necessidades de micronutrientes não diminuem com o envelhecimento (10). Como o consumo alimentar tende a diminuir, é crucial focar na qualidade dos alimentos para garantir a mesma quantidade de micronutrientes em um menor volume (10).

Suplementação: A suplementação de micronutrientes pode ter efeitos benéficos no sistema imune de idosos, como melhora da resposta proliferativa linfocitária, função das células NK (natural killer), produção de IL-2 e resposta humoral pós-vacinação (2). A possibilidade de deficiências deve ser avaliada mesmo em idosos aparentemente saudáveis (2). É importante monitorar os suplementos e suas quantidades para evitar excessos ou interações (2). O uso de polivitamínicos apresenta evidências fracas (10).

Creatina: A creatina, ao entrar no músculo via transportador CreaT, promove a entrada de água na célula por osmose (3). Isso gera estresse mecânico, que inibe a miostatina e ativa genes osmosensíveis e fatores miogênicos, induzindo a ativação e proliferação de células satélites, que são essenciais para a construção de massa muscular (3).

Antioxidantes: Quanto mais compostos bioativos a dieta possuir, maior é o silêncio na resposta inflamatória (2). Compostos bioativos inibem citocinas pró-inflamatórias, diminuindo a resposta sistêmica (2). No entanto, estudos indicam que a suplementação de antioxidantes, como vitaminas E e C, pode ser prejudicial ao ganho de massa muscular, inibindo a resposta adaptativa ao treino (3). Análises de estudos não encontraram resultados favoráveis ao uso de vitamina E e minerais antioxidantes na prevenção de doenças cardiovasculares e/ou câncer (10).

Ômega-3: A suplementação de 1,9 g de EPA + 1,5 g de DHA em idosos (>65 anos) demonstrou aumento na síntese muscular, provavelmente devido à redução da inflamação e melhora da sinalização (10). A suplementação de ômega-3 também melhorou a dor muscular pós-esforço (10). O ômega-3 está relacionado à redução da agregação plaquetária, pressão arterial, risco de síndrome metabólica e marcadores pró-inflamatórios (1). Seu consumo também se associa ao aumento do apetite, melhora do sistema antioxidante, sensibilidade à insulina e aumento do anabolismo proteico (1). Diversos estudos relacionam o ômega-3 à redução do risco de doenças neurodegenerativas (1).

Vitamina A: A deficiência de vitamina A em idosos é rara (10).

Vitamina D: A prevalência da deficiência de vitamina D é alta, e idosos apresentam maior risco (1). Eles têm necessidade aumentada devido a alterações fisiológicas que afetam seu metabolismo, como redução do precursor na pele e da síntese hepática da proteína transportadora, além da diminuição da capacidade renal e hepática de hidroxilar os precursores para a forma ativa (1). A suplementação é especialmente recomendada para osteopenia e osteoporose (10). A vitamina D pode ser suplementada mensalmente em doses maiores, com absorção similar a doses diárias ou semanais menores (10). Avaliar suplementação de 1200 mg/dia de cálcio + 800UI (20 mcg) de Vit. D3.

Vitamina B12 (Cobalamina): 10-15% dos idosos apresentam deficiência de B12 (10). A má absorção, causada pela incapacidade de liberar a cobalamina dos alimentos ou proteínas transportadoras intestinais (principalmente em hipocloridria), ou pela hiperproliferação bacteriana, são fatores contribuintes (1). Clinicamente, a deficiência manifesta-se hematologicamente (anemia megaloblástica) e neurologicamente (parestesia, hipotensão ortostática e alterações cognitivas) (10). Homocisteína e ácido metilmalônico elevados confirmam a deficiência (10). A homocisteína elevada é fator de risco para demências e Alzheimer (1). A suplementação precoce de B12 melhora os resultados clínicos (10). A RDA é de 2 mcg/dia; alimentos fortificados ou suplementos são recomendados (1). Em casos de deficiência, a suplementação varia de 100-1000 mcg/dia, preferencialmente intramuscular inicialmente, seguida pela via oral (10). Avaliar suplementação de B12.

Vitamina B9 (Folato): Não há alterações nas necessidades de folato com a idade (1). No entanto, é importante atenção, pois sua deficiência pode contribuir para doenças crônicas não transmissíveis (1). A deficiência é associada ao uso de álcool e medicamentos antagonistas do folato (metotrexato, fenitoína, sulfassalazina, fenobarbital e triantereno), comuns na polifarmácia do idoso (10). O folato é crucial para o sistema nervoso central, metabolismo de neurotransmissores e integridade da memória (1). Alguns autores sugerem que a suplementação de folato pode oferecer proteção cognitiva (10).

Cálcio: A RDA para indivíduos >50 anos é de 1200 mg/dia, e para mulheres >65 anos, 1500 mg/dia. O limite superior de ingestão é de 2000 mg/dia (2). As taxas de absorção de cálcio variam entre 30-50% (2). A perda progressiva de massa óssea (osteopenia e osteoporose) e a osteomalácia são aspectos importantes do metabolismo do cálcio no envelhecimento (2,10). A diminuição do cálcio ionizado aumenta a secreção do PTH, mobilizando cálcio dos ossos (2). A concentração circulante de 1,25(OH)2D3 (forma ativa da vitamina D) é um fator determinante na absorção do cálcio (2). O pico de massa óssea na puberdade é crucial para a reserva óssea futura (2). A suplementação de cálcio pode diminuir a perda de massa óssea, aumentar a densidade, reduzir a pressão sanguínea e o colesterol (2). No entanto, deve ser monitorada devido ao aumento do risco de infarto e calcificação vascular (2). O citrato de cálcio é mais independente do ácido gástrico para absorção (2). Carbonato e fosfato tribásico de cálcio têm maior biodisponibilidade (~40%) (2). O carbonato pode causar mais problemas gastrointestinais, e o citrato apresenta menor biodisponibilidade (2). A suplementação de 1200 mg/dia de cálcio + 800 UI (20 mcg) de Vit. D3 por 18 meses foi associada à redução de fraturas e aumento da densidade óssea em idosos (2,10). Não se recomenda mais do que 500 mg/dose (2). A suplementação de cálcio pode causar náuseas, dispepsia e constipação (2). Avaliar suplementação de citrato de cálcio 500 mg/dose, ou 1200 mg/dia de cálcio + 800UI (20 mcg) de Vit. D3.

Magnésio: A RDA é de 420 mg/dia para homens e 320 mg/dia para mulheres. O limite superior para suplementos é de 350 mg (1). O magnésio atua como cofator enzimático, no metabolismo de outros micronutrientes (cálcio, potássio, zinco, ferro), na ativação da tiamina e no transporte e ativação dos canais de cálcio (1). A absorção intestinal de magnésio pode diminuir com a idade (2), embora existam estudos que questionam essa relação (10). Baixa ingestão de magnésio está relacionada à sarcopenia, e a suplementação pode melhorar o desempenho e atuar na prevenção (1). Avaliar suplementação de magnésio.

Ferro: A RDA é de 8 mg/dia, com limite superior de 45 mg/dia (2). A suplementação sem necessidade é prejudicial, podendo gerar desbalanço entre elementos-traço (2). As necessidades são semelhantes às de adultos (~10 mg/dia) (10). A deficiência em idosos pode ser causada por sangramentos crônicos no TGI, doenças inflamatórias, má absorção ou ingestão inadequada (10). A ferritina tende a aumentar com a idade, associada a processos inflamatórios (2). O envelhecimento não gera acúmulo de ferro (2). A concentração de hemoglobina, hematócrito e eritrócitos diminui com a idade, e o VCM tende a ser ligeiramente mais alto (2).

Cobre: A RDA é de 900 mcg/dia para homens, com limite superior de 10 mg/dia (2). O envelhecimento isoladamente não altera a eficiência da absorção de cobre (2). A absorção em idosos é similar à de adultos, mas pode ser afetada por zinco, fitato e oxalato (2). Fatores de risco para deficiência incluem suplementação de zinco e síndromes de má absorção (2). O cobre é cofator da SOD, reduzindo radicais superóxido (2).

Cromo: A ingestão adequada (AI) é de 30 mcg/dia para homens e 20 mcg/dia para mulheres (2). O cromo atua como cofator da insulina, essencial para a homeostase da glicose e metabolismo lipídico (2). A ingestão alimentar de cromo em idosos é frequentemente deficiente, diminuindo com o avançar da idade (2). A baixa ingestão é agravada pelo consumo elevado de açúcares simples (2). A suplementação de cromo demonstrou benefícios nos parâmetros lipídicos e tolerância à glicose (2). A deficiência é comum em idosos com intolerância à glicose, diabetes e hipercolesterolemia (1). A suplementação de 100 mcg/dia de cromo diminui significativamente a glicemia de jejum e a HbA1c, com retorno aos valores basais após interrupção (2).

Zinco: A RDA é de 11 mg/dia para homens e 8 mg/dia para mulheres, com limite superior de 40 mg/dia (2). É crucial na prevenção de sua deficiência devido ao seu papel no estresse oxidativo e sistema imune (2). Clinicamente, a deficiência de zinco pode manifestar-se como dermatite, queda da função imune, perda de paladar e dificuldade na cicatrização (10). Baixas concentrações de zinco estão ligadas à depressão e outros diagnósticos psiquiátricos em idosos (2). O zinco é fundamental na síntese proteica de enzimas relacionadas ao reparo ósseo e inibe células osteoclásticas (2). A suplementação é usada para cicatrização de feridas (10). A suplementação preventiva, associada ao tratamento de doenças existentes, pode ser útil (2). Os melhores resultados de suplementação ocorrem com doses da RDA; gluconato, aspartato ou acetato de zinco são mais eficazes que sulfato (2). Idosos em tratamento medicamentoso de longo prazo têm maior prevalência de deficiência de zinco (2). Algumas evidências sugerem menor absorção de zinco em idosos devido a alterações intestinais (1), embora isso seja questionável (1). A suplementação de zinco em idosos normalizou a hipozincemia, melhorou a resposta imune, marcadores de estresse oxidativo, incidência de infecções e atividade de enzimas antioxidantes (1). Avaliar suplementação de zinco.

Selênio: A RDA é de 55 mcg/dia, com limite superior de 400 mcg/dia (2). O selênio é crucial na proteção das células contra o envelhecimento acelerado (2). Atua na destoxificação de metais pesados e substâncias carcinogênicas, e na modulação do sistema imunológico (2). Concentrações diminuídas de selênio são encontradas em idosos, e a suplementação é recomendada abaixo de 57 mcg/L (2). A deficiência é rara (10). Doses acima de 400 mcg/dia são excessivas e podem causar toxicidade (náuseas, vômitos, irritabilidade, fadiga, queda de cabelo e neuropatia periférica) (10). O consumo diário de uma castanha-do-Brasil pode recuperar a deficiência de selênio e melhorar funções cognitivas em idosos com comprometimento cognitivo leve (2). Baixo selênio foi associado à queda da força em idosos (2). A suplementação de selênio melhora o humor em idosos (2).

Manganês: A ingestão adequada (AI) é de 2,3 mg/dia para homens e 1,8 mg/dia para mulheres, com limite superior de 11 mg/dia (2). A deficiência de manganês pode ter papel na peroxidação lipídica hepática e afetar o transporte de glicose e o metabolismo dos adipócitos (2).

Alumínio: Embora não bem definido, foi associado ao Alzheimer (10).

Boro: Não existem recomendações de necessidades nem indicação de suplementação de boro (10).


Fisiologia do Envelhecimento e Impactos

O envelhecimento é um processo de deterioração histopatológica progressiva, resultando em prejuízo da homeostase e redução da capacidade fisiológica e adaptativa (1). A teoria dos radicais livres propõe que o envelhecimento é causado pelo papel tóxico das espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, que deterioram as funções mitocondriais e geram mais radicais livres, levando a lesões moleculares acumuladas e perda de funcionalidade (1,2). Vitaminas e minerais são importantes nesse processo de defesa antioxidante (2). O envelhecimento é um processo sequencial, individual e não patológico, que torna o organismo menos capaz de enfrentar o estresse ambiental (2).

Marcadores Celulares do Envelhecimento

O envelhecimento é caracterizado por nove marcadores principais (3):

  1. Instabilidade genômica: Aumento do dano genômico, relacionado a déficits no reparo do DNA (3). Mutações no DNA mitocondrial parecem ser induzidas por erros na replicação precoce (3).
  2. Atrito de telômeros: Encurtamento progressivo dos telômeros (3).
  3. Alterações epigenéticas: Modificações na expressão gênica sem alteração da sequência de DNA (3).
  4. Perda da proteostase: Comprometimento da manutenção da homeostase proteica (3).
  5. Desregulação da detecção de nutrientes: Longevidade aprimorada se associa a função reduzida de GH, IGF-1 e receptores de insulina, e seus efetores intracelulares (AKT e mTOR) (3). Uma restrição calórica pode ser benéfica (3). A secreção de GH diminui progressivamente após a terceira década, refletindo-se nos níveis de IGF-1 (3).
  6. Disfunção mitocondrial: Contribui para o envelhecimento, independentemente dos níveis de ROS (3). Danos à integridade e biogênese mitocondrial ocorrem devido a alterações na dinâmica mitocondrial e inibição da mitofagia (3).
  7. Senescência celular: Acúmulo de células senescentes em diferentes tecidos (3).
  8. Exaustão das células-tronco: Redução na capacidade de regeneração tecidual (3).
  9. Alteração da comunicação intercelular: Comprometimento da interação entre células (3).

Esses marcadores podem ser classificados em primários (efeitos deletérios), antagonistas (efeitos benéficos em baixos níveis contra o dano celular) e integrativos (resultado do dano acumulado dos primários e antagonistas) (3).

Alterações Fisiológicas no Organismo

O envelhecimento envolve a redução progressiva dos tecidos ativos, com perda da capacidade funcional e modificação das funções metabólicas (2).

Massa Muscular: É comum a perda seletiva da massa muscular, principalmente das fibras tipo II (mais responsivas à hipertrofia) (2). A degradação proteica aumenta devido ao estresse oxidativo, inflamação crônica, diminuição das unidades motoras, sedentarismo, diminuição das células satélites, resistência à insulina, disfunção endotelial, diminuição da resposta anabólica e queda hormonal (testosterona, GH, hormônios tireoidianos) (2). Além da perda seletiva de fibras, há aumento da mioesteatose (acúmulo de gordura entre as fibras), impactando negativamente na contração, sustentação e força muscular (2). A redução da síntese proteica resulta em menor capacidade de transporte de micronutrientes, principalmente por baixas concentrações plasmáticas de albumina (2).

Composição Corporal: A perda de massa magra reflete-se na diminuição da água corporal. O percentual de gordura e o tecido conectivo tendem a aumentar com a idade (2).

Metabolismo: A taxa metabólica diminui, em parte pela redução da massa muscular e atividade física (2).

Saúde Óssea: A massa orgânica e mineral dos ossos declina gradualmente, resultando em osteopenia. Em mulheres, esse processo acelera após a menopausa (2).

Função Gastrointestinal: Alterações na acidez gástrica devido à diminuição da produção de sucos digestivos e da motilidade intestinal (2). A hipocloridria prejudica a absorção de cálcio e ferro não-heme (2). A redução da produção de ácido gástrico também diminui a produção do fator intrínseco, afetando a absorção de B12 (2).

Mobilidade: Quedas são um quadro agravante, acelerando a perda de massa e função, inibindo qualquer estímulo de proteção muscular e impactando significativamente a qualidade de vida (10). Após os 60 anos, quanto maior a força, menor o risco de mortalidade (10).

Apetite: Há uma redução fisiológica do apetite (10).

Alterações no Trato Gastrointestinal

Alterações neuromusculares e neurodegeneração seletiva do sistema nervoso entérico podem gerar diferentes sintomas gastrointestinais, potencializados pela polifarmácia (1).

Xerostomia: Sintoma comum em idosos, apesar de alguns estudos indicarem que a função das glândulas salivares não declina com a idade (1). Muitas medicações e doenças podem contribuir (1). A xerostomia pode causar boca seca, queimação, alteração do paladar, e dificuldades na deglutição e fala (1). Recomenda-se muita água e evitar produtos açucarados e cafeinados (1).

Edentulismo: Não é fisiológico do envelhecimento, mas consequência de doenças bucais ou traumatismos (1,2). Alterações na espessura e composição da dentina e esmalte, além de diminuição da perfusão de vasos sanguíneos nos dentes, são naturais (1). Resulta em declínio da sensibilidade, aumento da vulnerabilidade a traumas e risco de cáries (1). A perda de um dente diminui a capacidade de mastigação em até 30% (2). Consequentemente, observa-se aumento no consumo de carboidratos simples em detrimento de fibras e micronutrientes (1). A prevalência de anemia é maior em idosos com redução do consumo alimentar devido à dificuldade de mastigação, deglutição ou alimentação independente (2).

Refluxo e Disfagia: Sintomas comuns em idosos, possivelmente relacionados à perda de neurônios mioentéricos esofagianos, diminuindo as concentrações e amplitude peristáltica e aumentando o relaxamento do esfíncter esofágico inferior (1). A redução da motilidade gastrointestinal frequentemente se associa à hipocloridria (redução da liberação de ácido clorídrico), causada por gastrite ou uso crônico de inibidores da bomba de prótons (1,10). Esses fatores contribuem para a sensação de plenitude gástrica, reduzindo a fome, e favorecem o crescimento bacteriano no intestino delgado (1). Também favorecem a deficiência de minerais como ferro, cálcio, B9, B12 e zinco (10).

Constipação: Queixa comum e multifatorial em idosos, com destaque para sedentarismo, alimentação inadequada, depressão, uso de medicamentos que alteram a motilidade gastrointestinal e alterações neuromusculares, incluindo neurodegeneração (1).

Densidade Mineral Óssea (DMO): A queda da DMO, com alteração da microarquitetura óssea, aumenta a fragilidade esquelética e o risco de fraturas (10). Essa alteração na massa óssea causa mudanças na postura e outros parâmetros antropométricos (10).

Alterações nos Sentidos

Disfunções de paladar e olfato tendem a surgir após os 60 anos, acentuando-se após os 70 (2). Isso decorre da redução dos botões e papilas gustativas na língua (10). As alterações sensoriais podem prejudicar processos metabólicos estimulados pelo olfato e paladar, como secreção de saliva, ácido gástrico, enzimas pancreáticas e insulina (4). Medicamentos podem influenciar significativamente a disgeusia (alteração no paladar) e hiposmia (diminuição do olfato) (4).

Disfunção Mitocondrial

É um dos fatores que contribuem para o aumento do processo de envelhecimento (3). O avanço da idade causa danos à integridade e biogênese mitocondrial devido a alterações nas dinâmicas mitocondriais e inibição da mitofagia, prejudicando a remoção de mitocôndrias disfuncionais (3).

Filtração Glomerular

Observa-se redução do fluxo sanguíneo renal e consequente diminuição da filtração glomerular (10).

Estresse Oxidativo

O envelhecimento induz o estresse oxidativo, e vice-versa (2). A combinação do aumento do estresse oxidativo com a diminuição do consumo de antioxidantes e uma baixa defesa (enzimática e não enzimática) leva à lesão tecidual e morte celular, desencadeando patologias associadas (2). Consequências incluem ruptura das membranas celulares, mutações do DNA, oxidação de lipídios insaturados, formação de MDA (marcador de peroxidação lipídica) e comprometimento dos componentes da matriz extracelular (proteoglicanos, colágeno e elastinas) (2).


Estratégias para um Envelhecimento Saudável

Terapias Gênicas

Terapias gênicas e o rápido progresso em pesquisas com células-tronco podem prolongar significativamente a duração da vida humana, superando os efeitos do tratamento clínico aprimorado ou da erradicação de doenças (5).

Exercício Físico no Envelhecimento

A prática regular de exercícios físicos tem um impacto positivo na função mitocondrial (3). O treino de endurance em humanos aumenta a expressão de proteínas mitocondriais, mtDNA e TFAMs (3). Um programa de treinamento de resistência de 6 meses reverteu os níveis de “assinatura transcricional do envelhecimento” para níveis similares aos de jovens adultos, através da melhora da função mitocondrial (3).

A atividade física deve incluir atividades aeróbias, além de treinos de força, endurance, flexibilidade e exercícios neuromotores (3). O exercício deve aumentar a capacidade funcional e a qualidade de vida, atenuando as mudanças fisiológicas e comorbidades associadas ao envelhecimento (3). O condicionamento de “pré-habilitação” enfatiza o alongamento articular, ativação muscular, estabilidade e força do core, equilíbrio e coordenação muscular, prevenindo lesões durante as atividades esportivas (5).

Efeitos da Atividade Física no Envelhecimento:

  • Aumento da neurogênese e atenuação da neurodegeneração e alterações cognitivas (3).
  • Diminuição da pressão sanguínea e melhora da função cardíaca (3).
  • Melhora da função respiratória, aumentando a ventilação e a troca gasosa (3).
  • Melhora da função metabólica, aumentando a taxa metabólica de repouso, a síntese muscular e a oxidação de gorduras (3).
  • Melhora da função muscular e composição corporal, aumentando a força, resistência, equilíbrio e controle motor (3).
  • Redução do peso e da adiposidade, com melhora da densidade óssea e aumento da massa muscular (3).
  • Melhora na vascularização, principalmente no aumento da perfusão encefálica e na capacidade dos vasos sanguíneos encefálicos em responder às demandas do fluxo sanguíneo (5).

Com o avançar da idade, o declínio da força excêntrica progride mais lentamente do que o da força concêntrica (5). O sedentarismo tem relação causal com quase 30% das mortes por cardiopatia, câncer de cólon e diabetes mellitus (5). A prática regular de atividade física em idosos, especialmente aeróbia e treinamentos de resistência, previne a atrofia muscular, mantém a função cardiorrespiratória e cognitiva, e melhora a atividade metabólica, garantindo a manutenção da independência (3).

Menopausa

Em mulheres na pós-menopausa, é importante considerar a saúde óssea, com foco em cálcio, magnésio e vitamina D.

Depressão

A queda da capacidade funcional pode desencadear ou agravar quadros depressivos em idosos (2). A depressão é considerada uma doença inflamatória (2). A inflamação aumenta a atividade da enzima IDO, gerando problemas no sono (2).

Anorexia do Envelhecimento

Mesmo com a diminuição do gasto energético total, a perda de peso é causada pela redução do consumo energético em proporção maior que a diminuição do gasto (1). Essa perda de apetite é denominada anorexia fisiológica do envelhecimento (1).

Sono

O sono inadequado gera diversas alterações. Indivíduos com mais de 70 anos apresentam menor capacidade de síntese de melatonina (6). A gama-GT (GGT) é um marcador de estresse oxidativo (2). O sono inadequado favorece um ambiente pró-catabólico (2). Cerca de 50% da população idosa relata problemas relacionados ao sono, como fragmentação, redução das ondas lentas, insônia, apneia e disrupção do ciclo circadiano (6). O uso de tablets por uma hora pode reduzir em 22% a melatonina (6). Um dia de alteração do sono gera efeitos colaterais metabólicos nos dias seguintes (2). Problemas no sono resultam em diminuição de GH, IGF-1, testosterona (fatores anabólicos) e aumento de cortisol, miostatina e resistência à insulina (fatores catabólicos) (2). É importante observar os níveis de Vitamina B6, magnésio e triptofano, que são precursores de serotonina e melatonina (2). O aumento de citocinas pró-inflamatórias desvia a via do triptofano para a formação da quinurenina, relacionada à produção de vitamina B3 (2). A vitamina B3 está ligada à saúde mitocondrial e produção de energia, sendo uma “prioridade” para o corpo (2). Assim, a suplementação de vitamina B3 pode ser interessante para resolver problemas de sono, diminuindo o desvio do triptofano e inibindo a ação da IDO (2). Ajustar B3, B6, Mg, Triptofano.

Hipertensão Arterial

Em quase todas as sociedades, a pressão arterial sistólica (PAS) aumenta gradualmente com a idade, e a maioria dos adultos desenvolve hipertensão ao longo da vida (7).

Sarcopenia

A sarcopenia é um fenômeno constante no envelhecimento, frequentemente multifatorial (10). Os principais fatores que agravam a sarcopenia incluem diminuição da ingestão alimentar, aumento do catabolismo muscular e inatividade física (10). Entre as consequências, destacam-se a alteração da mobilidade e do equilíbrio, que aumentam a prevalência de quedas e fraturas (10). A sarcopenia está associada à atrofia das fibras musculares rápidas (tipo II), substituição por tecido adiposo e fibrose, com diminuição da síntese proteica e redução da força muscular (10). A reposição hormonal não possui segurança de longo prazo bem definida, e o GH não demonstrou ganho de força (10). O aumento da resistência à insulina também contribui para o catabolismo muscular (10). Exercícios de resistência de alta intensidade são eficazes contra a perda de massa muscular e da capacidade funcional, sendo a intervenção mais efetiva em idosos (10). O consumo adequado de proteínas e alimentos anti-inflamatórios como o ômega-3 são fatores protetores (10). É importante ressaltar a obesidade sarcopênica, onde o excesso de gordura e peso influenciam negativamente a saúde e mobilidade (10). A circunferência da panturrilha <31 cm é o melhor indicador para sarcopenia (10).

Síndrome de Fragilidade

A sarcopenia é uma das variáveis utilizadas na definição da síndrome de fragilidade, que confere maior risco de quedas, fraturas, incapacidade, dependência, hospitalização e morte (10). É uma síndrome complexa, multifatorial, caracterizada pela diminuição das reservas de energia e resistência a estressores, resultando no declínio cumulativo dos sistemas fisiológicos (10). A definição mais aceita a descreve como uma vulnerabilidade fisiológica relacionada à idade, resultado da deterioração da homeostase biológica e da capacidade de adaptação (10). É embasada em um tripé: desregulação endócrina, desregulação imunológica e sarcopenia, induzindo lentidão, debilidade, perda de peso, baixo nível de atividade física e fadiga (10).


Referências Bibliográficas

  1. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Barueri: Manole, 2020. 1369 p.
  2. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. REBELO-MARQUES, A. et al. Aging hallmarks: The benefits of physical exercise. Frontiers in Endocrinology (Lausanne), v. 9, p. 1–15, maio 2018.
  4. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  5. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício – Nutrição, Energia e Desempenho Humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 1059 p.
  6. FATEMEH, G. et al. Effect of melatonin supplementation on sleep quality: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of Neurology, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00415-020-10381-w
  7. ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
  8. XU, Z. R. et al. The effectiveness of leucine on muscle protein synthesis, lean body mass and leg lean mass accretion in older people: A systematic review and meta-Analysis. British Journal of Nutrition, v. 113, n. 1, p. 25–34, 2015.
  9. TROMMELEN, J. et al. Presleep dietary protein-derived amino acids are incorporated in myofibrillar protein during postexercise overnight recovery. American Journal of Physiology-Endocrinology and Metabolism, v. 314, n. 5, p. E457–E467, 2018.
  10. RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado De Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2019. 646 p.

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