Fibromialgia: Aspectos Fisiopatológicos, Diagnósticos e Abordagens Terapêuticas


Fibromialgia: Aspectos Fisiopatológicos, Diagnósticos e Abordagens Terapêuticas


A fibromialgia (FM) é uma síndrome crônica complexa, caracterizada predominantemente por dor musculoesquelética generalizada, acompanhada por uma variedade de sintomas neuropsicológicos e funcionais. Esta condição, de etiologia ainda desconhecida, impacta significativamente a qualidade de vida dos indivíduos afetados. A presente revisão aborda a fisiopatologia, os critérios diagnósticos e as estratégias terapêuticas atuais para a fibromialgia, visando otimizar o manejo clínico e promover a melhora da função e bem-estar dos pacientes.


Fisiopatologia da Fibromialgia

A fibromialgia é uma doença reumática crônica cuja principal característica é a dor musculoesquelética generalizada e persistente (1). Embora seja primariamente uma síndrome dolorosa, é comum a presença de sintomas neuropsicológicos associados, como fadiga, distúrbios do sono, depressão e ansiedade (2). Além da dor, os pacientes podem apresentar rigidez matinal, dor miofascial, parestesia em extremidades, sensação subjetiva de edema, alterações cognitivas, síndrome do cólon irritável, síndrome uretral inespecífica e diminuição da qualidade de vida (1).

Evidências recentes apontam para o sistema nervoso central como um elemento crucial na perpetuação da dor e de outros sintomas centrais da fibromialgia e condições relacionadas (2). Hipotetiza-se que pacientes com FM exibam uma redução nas concentrações intramusculares de adenosina trifosfato (ATP) e fosfocreatina (PCr). Nesse contexto, a dor poderia ser um resultado de dano muscular induzido por isquemia local e redução das concentrações de ATP (1).


Prevalência e Genética

A prevalência da fibromialgia é de aproximadamente 2% da população geral, sendo mais comum em mulheres do que em homens (2). Observa-se que diversos genes contribuem para uma maior vulnerabilidade ao desenvolvimento da fibromialgia. Genes envolvidos no metabolismo, transporte e receptores de serotonina e outras monoaminas são implicados, tanto na FM quanto em outras condições sobrepostas (2).


Manifestações Clínicas

Dor e Sensibilidade

A dor na fibromialgia é tipicamente difusa, pouco localizada, de difícil ignorar e intensa, associada a uma redução da capacidade funcional (2). Frequentemente, os pacientes apresentam geradores de dor periférica que, acredita-se, atuam como gatilhos para o quadro de dor disseminado (2). Esta dor está intrinsecamente ligada a um aumento da sensibilidade. Testes psicofísicos revelam alterações no processamento aferente sensitivo da dor e comprometimento do controle inibitório nocivo descendente, resultando em hiperalgesia (resposta exagerada à dor) e alodinia (percepção de um estímulo não nocivo como doloroso) (2). A percepção da dor nos pacientes é frequentemente influenciada por dimensões emocionais e cognitivas, como a catastrofização e as percepções de controle, fornecendo uma base sólida para a terapia cognitivo-comportamental (2).

Sintomas Neuropsicológicos

Os pacientes com fibromialgia comumente apresentam fadiga, rigidez, transtornos do sono, disfunção cognitiva, ansiedade e depressão (2). A fadiga é particularmente prevalente nesta população (2). De modo geral, a dor, a fadiga e a rigidez são agravadas por exercícios e/ou atividades físicas não habituais, resultando em mal-estar pós-esforço (2).

Em relação ao sono, as queixas mais comuns incluem dificuldade para iniciar e manter o sono, bem como o despertar precoce pela manhã (2). A fibromialgia é caracterizada por dor crônica muscular frequentemente associada a sintomas de humor e insônia (3). Um estudo recente identificou uma prevalência de até 88,7% de queixas relacionadas ao sono (dificuldade para adormecer, dificuldade para manter o sono e despertar precoce) entre pacientes com FM (3). Alguns estudos demonstram aumento da latência do sono, aumento do percentual do estágio 1 do sono, redução no percentual relativo dos estágios do sono de ondas lentas e do sono REM, redução do tempo total do sono e aumento dos despertares noturnos (3). Todos esses achados se correlacionam com a presença de queixas afetivas e miálgicas (3). Além disso, a intrusão de ritmo alfa, identificada por polissonografia (PSG), ocorre em aproximadamente 70% do sono não-REM de pacientes com FM. A presença de ondas alfa está associada a um sono superficial, culminando na sensação de má qualidade e sono não reparador (3). Não é incomum encontrar queixas de despertar precoce e fadiga diurna nesses pacientes (3).

Existem evidências de uma relação de reciprocidade entre a qualidade do sono e a dor, sugerindo que o prejuízo no sono é tanto uma consequência quanto um mecanismo causal e mantenedor da condição dolorosa (3). Além disso, independentemente da duração do tempo de sono, a percepção de qualidade reparadora do sono é um preditor de dor clínica em adultos saudáveis e em adultos com insônia, e o sono fragmentado é um preditor de dor clínica no dia seguinte em indivíduos com dor crônica (3). Alguns estudos revelaram que o sono de ondas lentas é o mais prejudicado, e uma consequência direta pode ser o comprometimento da liberação do hormônio do crescimento (GH) e do fator de crescimento semelhante à insulina 1 (IGF-1). Estes hormônios estão envolvidos no reparo de microtraumas musculares e, portanto, nas queixas miálgicas diurnas (3).

Considerações Psicossociais

Frequentemente, os sintomas da fibromialgia iniciam ou são exacerbados durante períodos de estresse (2). A compreensão dos fatores estressores tende a auxiliar no tratamento, pois muitos fatores que exacerbam os sintomas não podem ser controlados com abordagens farmacológicas (2).

Déficit Funcional

A avaliação da melhora da função é essencial na análise do resultado da estratégia terapêutica utilizada (2).


Diagnóstico da Fibromialgia

O diagnóstico de fibromialgia é estabelecido quando a dor está presente na maior parte do dia, na maioria dos dias, por pelo menos três meses (2). É importante ressaltar que exames laboratoriais e radiográficos geralmente fornecem resultados normais na fibromialgia (2).


Conduta Clínica e Tratamento

O objetivo primordial do tratamento da fibromialgia deve ser a melhora da função e da qualidade de vida, e não a eliminação total da dor (2). A melhoria da qualidade do sono também é um foco terapêutico (3).

Abordagens Não Farmacológicas

O tratamento deve incluir a progressão de exercícios, podendo iniciar com atividades físicas aeróbias de baixa intensidade e progredir lentamente (2). O exercício auxilia na redução da sensibilidade e no aumento da autoeficácia (2). Além disso, estratégias cognitivo-comportamentais podem ser úteis no tratamento, abordando padrões de pensamento e comportamento disfuncionais relacionados à dor (2). No manejo da insônia em pacientes com FM, a melhoria da qualidade do sono através de tratamentos não medicamentosos, como a higiene do sono, é fundamental (3).

Abordagens Farmacológicas

As abordagens farmacológicas de maior sucesso atualmente são direcionadas para as vias aferentes e/ou descendentes da dor (2). É crucial evitar analgésicos opioides fortes em pacientes com FM, pois não estão associados a melhoria clínica e podem induzir efeitos colaterais que agravam tanto os sintomas quanto a perda de função (2). Sempre que possível, recomenda-se o uso de um único agente farmacológico para tratar múltiplos domínios de sintomas. Por exemplo, se o paciente apresenta dor associada a fadiga, ansiedade e/ou depressão, a primeira escolha poderia ser um fármaco com efeitos tanto analgésicos quanto antidepressivos/ansiolíticos (2). A melhoria da qualidade do sono através de tratamentos farmacológicos, incluindo o uso de antidepressivos com alguma ação sedativa, é um dos alvos no tratamento dos sintomas centrais da FM (3).

Terapia Nutricional: Suplementação de Creatina

Estratégias que aumentam o aporte de ATP e a capacidade oxidativa são consideradas potencialmente terapêuticas em pacientes fibromiálgicos, podendo aumentar a força e a capacidade aeróbia e, principalmente, atenuar a dor (1). Estudos demonstraram que a suplementação de creatina por 8 semanas foi capaz de melhorar diversos parâmetros clínicos em pacientes com fibromialgia. Contudo, os benefícios cessaram após 4 semanas da interrupção da suplementação (1). É importante notar que a suplementação de creatina exerce efeitos benéficos sobre a função muscular, mas não afeta de maneira significativa o quadro clínico geral da doença (1).


Considerações Finais

Embora não seja possível definir um fator causal da FM, impossibilitando uma correlação fisiopatogênica direta com a insônia, a literatura científica suporta que tratamentos que promovem melhoria na qualidade do sono repercutem positivamente nos sintomas álgicos generalizados da FM (3). O manejo da fibromialgia exige uma abordagem multidisciplinar, focada na funcionalidade, qualidade de vida e no alívio sintomático por meio de intervenções farmacológicas e não farmacológicas adaptadas às necessidades individuais de cada paciente.


Referências Bibliográficas

  1. GUALANO, B. Suplementação de Creatina. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 157 p.
  2. JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.
  3. BACELAR, L. R. P. Jr. et al. III Consenso Brasileiro de Insônia • 2013 Do Diagnóstico ao Tratamento. 2013.
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