Bioenergética Muscular: Fontes de Energia e Metabolismo no Exercício


Bioenergética Muscular: Fontes de Energia e Metabolismo no Exercício


Introdução

A contração muscular e todos os processos celulares dependentes de energia são supridos primariamente pelo trifosfato de adenosina (ATP), a principal molécula orgânica responsável pela energia química celular (1). O ATP libera grande quantidade de energia livre ao ser hidrolisado em adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico (Pi) (1). A concentração de ATP no músculo esquelético em repouso é de aproximadamente 4-5 mmol/kg de peso úmido (3). Para evitar a depleção fatal de ATP, sua concentração no sarcoplasma é mantida por ressíntese contínua a partir do ADP, essencialmente na mesma taxa de sua quebra. Três mecanismos principais estão envolvidos na ressíntese de ATP para a geração de força muscular: a hidrólise de fosfocreatina (PCr), a glicólise e a fosforilação oxidativa (1, 3). Esses processos são influenciados pela intensidade e duração do esforço físico; mesmo em condições extremas de exercício, a depleção total de ATP não é observada (1).


Sistemas de Ressíntese de ATP

Sistema Imediato ou Fosfagênico (ATP-CP)

Este é o sistema mais rápido de síntese de ATP na fibra muscular, envolvendo apenas uma reação química (1, 2). O substrato inicial é a creatina-fosfato (PCr), uma molécula altamente energética que é convertida diretamente em ATP (1, 2). A concentração de PCr na fibra muscular é 3-4 vezes maior que a de ATP (3).

A liberação de energia ocorre pela degradação da PCr em Pi e creatina livre, reação catalisada pela enzima creatina quinase (CK), que não requer oxigênio (1, 2). A CK é uma enzima bidirecional (reação reversível), catalisando tanto a quebra quanto a síntese de fosfocreatina, regulando a produção de ATP (2, 3):

ADP+PCr+H+⇌ATP+Cr

Esta reação libera aproximadamente 43 kJ por mmol de PCr (3). A utilização dessa via aumenta as concentrações intracelulares de ADP e Pi, que, por mecanismos de autorregulação, interferem no sistema ATP-CP, pois a atividade da CK é dependente da razão ATP/ADP (1, 2).

É importante notar que, durante a ressíntese de ATP pela quebra da PCr, ocorre o tamponamento de H+, formados pela hidrólise de ATP. Essa ação ajuda a prevenir a acidificação do sarcoplasma muscular, que poderia induzir uma falha prematura do mecanismo contrátil (3). As concentrações celulares de PCr permitem a predominância desse sistema por poucos segundos; os valores de PCr atingem o máximo próximo aos 5 segundos de exercício, e aos 20 segundos, esses estoques já estão bem reduzidos (1, 2). No entanto, as reações de hidrólise de ATP e PCr são reversíveis; quando a energia se torna disponível a partir de outras fontes (fosforilação oxidativa), a creatina e o fosfato podem ser reunidos novamente para formar PCr:

ATP+Cr→ADP+PCr

Sistema Glicolítico (Glicólise Anaeróbia)

Embora as vias fosfogênica e glicolítica sejam ativadas simultaneamente no início do exercício, elas atingem seus picos em momentos diferentes, dependendo da manutenção da intensidade (1). A via glicolítica utiliza glicose e glicogênio como substratos, que são prontamente mobilizados (1, 2, 3). Este processo não requer oxigênio e fornece piruvato (1, 2, 3).

Apesar de ser uma via útil, sua eficiência é baixa, gerando um saldo de apenas 2 ATPs por molécula de glicose utilizada, o que limita o suprimento energético (2). Contudo, a reserva relativamente ampla de carboidratos disponíveis e a rápida taxa de glicólise tornam a energia fornecida por essa via essencial para o desempenho em exercícios intensos (3). Eventos de 60 segundos a 10 minutos dependem fortemente da glicólise anaeróbia para a regeneração de ATP (3).

Nesse processo, ocorre a produção de ácido lático, que resulta na diminuição do pH da célula muscular e, em altas concentrações, afeta a atividade de diversas enzimas metabólicas e o próprio processo de contração muscular (2, 3). Com o início do exercício de alta intensidade, o ácido lático (íons de hidrogênio e lactato) acumula-se no músculo e é transportado para o sangue (3). O pH do sangue, normalmente 7,4, pode cair para 7,1 ou menos após o exercício, enquanto o pH muscular, geralmente em torno de 7,0, pode cair para aproximadamente 6,5 (3). Os tampões primários no músculo são fosfatos e proteínas teciduais; no sangue, os mais importantes são proteínas, hemoglobina e bicarbonato (3).

A via glicolítica envolve dez reações químicas em série, metabolizando uma molécula de glicose em duas moléculas de piruvato (2). A glicólise anaeróbia visa a eliminação de piruvato e a reciclagem de NAD+, fatores que limitam a atividade da via (2). A glicólise consome piruvato e NADH, formando ácido lático, NAD+ e H+. No entanto, apesar de o NAD+ ser reutilizado, o ácido lático e os íons H+ acumulam-se no músculo e no sangue, limitando a atividade física intensa (1, 2).

A glicólise possui três etapas catalisadas por enzimas-chave irreversíveis: hexoquinase, fosfofrutoquinase-1 e piruvato quinase (2). Em situações de alto fluxo de substratos, como no exercício físico intenso e na hipóxia, altas concentrações de piruvato elevam sua conversão em ácido lático (glicólise anaeróbia), o qual é liberado na corrente sanguínea (2). Em condições de repouso, o piruvato é preferencialmente convertido em acetil-CoA na mitocôndria (glicólise aeróbia), que é degradado no ciclo de Krebs (2).

Sistema Oxidativo

Embora as reações do ciclo de Krebs promovam uma baixa ressíntese direta de ATP, ao longo das reações enzimáticas ocorre a liberação de íons H+ (1). Na matriz mitocondrial, esses íons são transportados por moléculas específicas (NAD+ e FAD), formando NADH e FADH2, o que promove um aumento no número de moléculas de ATP resssintetizadas (1).

Em comparação com a via glicolítica, a via oxidativa é muito mais eficiente: a glicólise gera duas moléculas de ATP, enquanto a oxidação completa da glicose gera 36 moléculas de ATP (2). A via oxidativa utiliza diferentes substratos, incluindo glicose, ácidos graxos e aminoácidos, sendo uma via dependente de oxigênio (1, 2).

Oxidação de Substratos Específicos

  • Oxidação da glicose: Compreende a glicólise aeróbia, a conversão de piruvato em acetil-CoA, o ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa (2).
  • Oxidação de ácidos graxos: Compreende a ativação do ácido graxo, a beta-oxidação, o ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa (2).
  • Oxidação de aminoácidos: Compreende a transaminação ou desaminação, resultando na formação de piruvato, acetil-CoA ou cetoácidos (intermediários do ciclo de Krebs), que seguem para o ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa. Preferencialmente, os músculos utilizam aminoácidos de cadeia ramificada (AACR): leucina, isoleucina e valina para a oxidação (2). Geralmente, a contribuição de aminoácidos na geração de energia não ultrapassa 10%, exceto em situações como jejum ou exercício físico prolongado, condições em que há depleção dos estoques de carboidratos (2).

O treinamento de longa duração e esportes de endurance aumentam a capacidade muscular de oxidação do piruvato e dos AGL (ácidos graxos livres) através do aumento da densidade mitocondrial, da catálise das enzimas oxidativas, entre outros fatores, como o aumento do conteúdo de mioglobina no músculo, que eleva o transporte intracelular de O2 até às mitocôndrias (1).


Quociente Respiratório (QR)

O quociente respiratório (QR) é utilizado para avaliar a contribuição percentual de carboidratos e lipídios como fonte de energia em diferentes situações (1).

QR=VO2​VCO2​​ (volume de dióxido de carbono produzido / volume de oxigênio consumido) (1).

  • QR = 1,00: Predominância da oxidação de glicose (1).
  • QR = 0,70: Predominância da oxidação de ácidos graxos livres (AGL) (1).

Papel dos Macronutrientes na Produção de Energia

Carboidratos

Durante exercícios submáximos de longa duração, os carboidratos (CHO) constituem a principal fonte geradora de energia (1). No entanto, quando ocorre uma depleção acentuada do glicogênio muscular, acompanhada de queda no rendimento, a energia passa a ser suprida pelos AGL e pelo glicogênio hepático (1). O estoque de glicogênio é suficiente para pouco mais de 1 hora de esforço em intensidade moderada, fazendo com que os músculos dependam também da utilização da glicose circulante para manter a contração (1).

Lipídios

Os ácidos graxos são a principal fonte de gordura utilizada como substrato energético nas células (1). As gorduras tornam-se o principal substrato a ser utilizado como fonte de energia em atividades aeróbias, uma vez que a geração de ATP a partir de uma molécula de gordura é muito maior do que a energia gerada pela molécula de glicose (1). Os ácidos graxos têm um papel importantíssimo na manutenção e melhoria do desempenho da atividade física, mas uma etapa limitante é a lipólise (1). A lipólise intramuscular aumenta em detrimento do incremento de carga ou de intensidade, enquanto no tecido adiposo a lipólise é aumentada em intensidades menores de exercícios físicos (1).

Proteínas

O papel da proteína para a demanda energética no exercício físico é secundário nos esforços aeróbios, colaborando em até 5% durante todo o exercício (1). Alfa-aminoácidos (peptídeos), para contribuir com o aporte energético, passam por um processo catabólico denominado desaminação oxidativa, com remoção do grupo alfa-amino (que posteriormente forma ureia) e fornecimento de uma estrutura formada por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio (esqueleto carbônico ou alfa-cetoácidos) (1).

  • Se forem aminoácidos cetogênicos, podem produzir acetoacetato (1).
  • Aminoácidos glicogênicos, quando catabolizados, podem gerar piruvato, intermediários do ciclo de Krebs e glicose, via gliconeogênese (1). Após o processo de desaminação oxidativa, esses compostos podem ser distribuídos para tecidos periféricos para ingressarem no ciclo de Krebs, produzindo ATP (1).

Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  2. LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 262 p.
  3. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
  4. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício – Nutrição, Energia e Desempenho Humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 1059 p.

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