O Uso Terapêutico da Passiflora na Prática Clínica
Introdução
A Passiflora incarnata, popularmente conhecida como maracujá, é uma planta medicinal amplamente utilizada na prática clínica devido às suas propriedades farmacológicas, que incluem atividades ansiolíticas, sedativas e antidepressivas. Esta revisão aborda as principais indicações, a composição fitoquímica e os mecanismos de ação da Passiflora incarnata, fornecendo subsídios para a sua aplicação terapêutica em diversas condições de saúde.
Aspectos Botânicos e Farmacêuticos
A Passiflora incarnata L. é uma das três variedades de maracujá mais comuns, juntamente com a Passiflora alata Curtis e a Passiflora edulis Sims (1). A parte utilizada para fins terapêuticos são as folhas, nomeadas farmaceuticamente como Folium Passoflorae (1).
Componentes Químicos e Mecanismos de Ação
As folhas de Passiflora contêm uma gama diversificada de fitoquímicos, com destaque para a crisina, considerada um dos compostos mais importantes devido aos seus potenciais efeitos neuroprotetores (6).
Na Passiflora edulis, foram identificados os seguintes componentes:
- Glicosídeos triterpenos de ciclopropano, como a passiflorina (1).
- Flavonoides glicosídeos, derivados da apigenina ou luteolina (1).
- Fenóis e aminoácidos (1).
- Carotenoides (1).
- Alcaloides, incluindo harman, harmina, harmalina, harmol e harmanol (1).
- Antocianinas (1).
- Triterpenoides (1).
Já na Passiflora incarnata, a composição é mais complexa, incluindo:
- Flavonoides: crisina, vitexina, isovitexina, saponarina, campferol, quercetina e apigenina (1).
- Alcaloides indólicos: harmano (ou passiflorina), harmina, harmanol e harmalina (1).
- Esteróis: estigmasterol e sitosterol (1).
- Cumarinas: escopoletina e umbeliferona (1).
- Maltol (1).
- Lignanas: ácidos cafeico e ferúlico (1).
- Heterosídeos cianogênicos (1).
- Polissacarídeos (1).
- Traços de óleo essencial: limoneno, cumeno, α-pineno, zizaeno (1).
- Taninos: catecol, ácido gálico, leucoantocianidinas (1).
O mecanismo de ação da Passiflora tem sido correlacionado à modulação do sistema GABAérgico, uma via essencial no sistema nervoso central envolvida em diversas condições psiquiátricas, como ansiedade e depressão (6). Acredita-se que a Passiflora atue nos receptores GABAa e GABAb, além de influenciar a recaptação de GABA (6). Estudos indicam que tanto a fração flavonoídica, com a crisina, quanto os alcaloides do tipo harmano, podem ser cruciais para as atividades observadas, conferindo afinidade aos receptores GABAa para a crisina e ação sobre a MAO para o harmano (1). A Passiflora também pode atuar como um antagonista do receptor GABAb (6). Devido à presença de alcaloides e flavonoides, a planta exerce um efeito depressor inespecífico do sistema nervoso central, resultando em ações sedativa, tranquilizante e antiespasmódica na musculatura lisa (Pós Integrativa).
Indicações Clínicas e Evidências Terapêuticas
As principais indicações clínicas para o uso da Passiflora são:
- Ansiedade
- Insônia
- Depressão ansiosa
- Cefaleia
- Espasmos musculares
- Taquicardia
- Transtornos do climatério
- Palpitação
- Compulsão alimentar
- Melhora da memória
Ansiedade e Insônia
Estudos demonstraram a eficácia do extrato de P. incarnata no tratamento de transtornos de ansiedade e do sono (1). Observou-se que a P. incarnata pode promover um efeito terapêutico em indivíduos com insônia crônica (6). Uma pesquisa indicou que o consumo de uma xícara de chá de P. incarnata por sete dias foi capaz de aprimorar a qualidade e o rendimento do sono (1).
Em comparação com o oxazepam, um estudo não encontrou diferenças significativas entre o extrato de Passiflora e o fármaco, e a Passiflora não resultou em prejuízos na performance de trabalho (6). Além disso, outras pesquisas revelaram a utilidade da Passiflora na redução da ansiedade pré-operatória, sem efeitos colaterais observados ou alterações nos parâmetros hemodinâmicos (6). É considerada segura e eficaz, podendo ser utilizada inclusive antes da anestesia espinhal (6). Duas pequenas investigações indicaram um efeito semelhante entre a Passiflora e os benzodiazepínicos no tratamento de curto prazo para distúrbios de ansiedade (7).
Depressão
Embora o mecanismo exato ainda não esteja completamente elucidado, o papel da Passiflora na via GABAérgica é reconhecido por sua atuação em diversas condições psiquiátricas, incluindo a depressão (6).
Estresse
Em um estudo realizado com ratos, o uso prolongado de Passiflora incarnata foi associado à diminuição dos níveis de estresse, consequentemente, impulsionando a motivação e a atividade motora (6).
Compulsão Alimentar
Foram observados efeitos nos sistemas opioidergicos e GABAérgicos, com interferência nos mecanismos comportamentais (2). Este efeito está associado à oleamida, que possui ação agonista nos receptores GABA e CB1 (2). A modulação do sistema GABAérgico inclui a afinidade pelos receptores GABAA e GABAB, além de efeitos na captação de GABA (3). Na prática clínica, a Passiflora demonstra uma ação relevante na compulsão alimentar, especialmente quando associada à ansiedade. Outro estudo evidenciou que a oleamida, ao atuar no núcleo accumbens, possui ação agonista nos receptores CB1 e 5-HT2C, modulando o comportamento alimentar (4). Uma pesquisa avaliou que o extrato de Passiflora, administrado por 14 dias, foi capaz de atenuar sintomas mentais como disforia, ansiedade, agitação, irritabilidade e o desejo por substâncias que atuam no sistema de recompensas (5).
Memória
Os efeitos benéficos da Passiflora na memória já foram confirmados (6).
Posologia
A posologia da Passiflora varia de acordo com a forma de apresentação:
- Pó: 500 mg – 2 g/dia (1).
- Decocção: 3-5 g de folhas secas ou 6-10 g de folhas frescas (ferver em recipiente aberto para eliminar o excesso de ácido cianídrico); para ansiedade, administrar de 2 a 3 vezes ao dia (1).
- Extrato seco (1:2) 1,5% flavonoides totais: 250 mg – 1 g/dia (1).
- Extrato seco (5:1): 300-400 mg, 3 vezes ao dia (1).
- Tintura (1:5 etanol 45%): 0,5 a 2 mL, 3 a 4 vezes ao dia (1).
- Extrato das partes aéreas: 30-120 mg de flavonoides totais expressos em vitexina/dia (1).
Contraindicações e Toxicidade
Embora testes em humanos não tenham demonstrado riscos significativos à saúde (6), a Passiflora apresenta algumas contraindicações e potenciais efeitos colaterais:
Efeitos colaterais relatados incluem: náuseas, vômitos, cefaleia, taquicardia, convulsões e parada respiratória (1).
Contraindicações:
- Gestação e lactação (1).
- Menores de 12 anos (1).
- Pode potencializar medicamentos inibidores da MAO (1).
Referências Bibliográficas
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