Nutrição em Exercícios de Endurance: Estratégias para Otimização do Desempenho e Adaptações Fisiológicas


Nutrição em Exercícios de Endurance: Estratégias para Otimização do Desempenho e Adaptações Fisiológicas


Introdução

Exercícios de endurance são caracterizados por sua baixa intensidade e longa duração (1). A nutrição desempenha um papel fundamental na otimização do desempenho e nas adaptações fisiológicas desses atletas, com estratégias que abrangem desde a ingestão de macronutrientes até a suplementação e o manejo de problemas gastrointestinais.


Carboidratos: O Principal Substrato Energético

Os carboidratos (CHO) são os principais substratos para a produção de energia no organismo (4). Sua utilização varia conforme a intensidade do exercício: em atividades leves (até 30% do VO2max), contribuem com 10-15% da energia, enquanto em intensidades elevadas (acima de 85% do VO2max), essa contribuição pode chegar a 75-100% (4).

Além da função energética, os carboidratos também atuam como sinalizadores moleculares, regulando a atividade de enzimas, a função proteica e a expressão de genes (4). A quantidade e a localização do glicogênio nas células musculares podem alterar o ambiente metabólico, hormonal e físico (4). Iniciar um exercício com baixa reserva de glicogênio aumenta a resposta transcricional e pós-transcricional, resultando em maior número e/ou atividade de mitocôndrias, além de aumento das taxas de oxidação lipídica (4). Esses efeitos justificam estratégias como o treino em jejum e a dieta baixa em carboidratos (4). Para fins de emagrecimento, pode ser útil reduzir o consumo de CHO ou utilizar estratégias como treinar em jejum ou realizar duas sessões de treino seguidas sem repor o glicogênio (“training low“) para otimizar a utilização de gordura como fonte de energia em treinamentos longos e de baixa intensidade (4).

Recomendações Diárias de Carboidratos

As recomendações de ingestão diária de CHO variam conforme o nível de atividade:

  • 3-5 g/kg: Atividades leves (ADA; ACSM; DC) (11).
  • 5-7 g/kg: Atividades moderadas, com 1 hora de duração (ADA; ACSM; DC) (11).
  • 6-10 g/kg: Atividades intensas, com 1-3 horas de duração (ADA; ACSM; DC) (11).
  • 8-12 g/kg: Atividades extremas, com 4-5 horas de duração (ADA; ACSM; DC) (11).

Ingestão de Carboidratos Pré-Exercício

Para sessões de treinamento/competição com duração superior a 60 minutos, a ADA (American Dietetic Association), DC (Dietitians of Canada) e ACSM (American College of Sports Medicine) recomendam a ingestão de 1-4 g/kg de CHO entre 1-4 horas antes do exercício, priorizando alimentos pobres em fibras e resíduos para garantir boa digestibilidade (4).

O consumo de carboidrato 60 minutos antes do exercício permanece controverso devido à possibilidade de hipoglicemia de rebote (1). Esse fenômeno ocorre pela junção da hiperinsulinemia secundária à ingestão de CHO com a super-regulação do GLUT-4 devido ao exercício, resultando em diminuição da glicemia e queda no desempenho (4).

Nas 36-48 horas que antecedem uma competição com duração acima de 90 minutos, é recomendada a ingestão de 10-12 g/kg/dia de CHO (4). Nas 24 horas antecedentes, a recomendação é de 7-12 g/kg (4).

Ingestão de Carboidratos Durante o Exercício (Intra-Treino)

  • Até 45 minutos: Não é necessário (4).
  • Entre 45-60 minutos: O bochecho de CHO pode ser interessante (4). Alguns estudos mostram que em provas menores que 60 minutos, o bochecho de CHO por 10 segundos a cada 5-10 minutos pode melhorar o desempenho por vias não metabólicas, com efeito direto no sistema nervoso central (1,2).
  • Entre 1h e 2,5h: São necessários 30-60 g/h de CHO (4).
  • Acima de 2,5h: São necessários 90 g/h, sendo uma combinação de 60 g de glicose + 30 g de frutose (4). A glicose e a frutose devem ser misturadas, pois não competem por transportadores na mucosa intestinal, aumentando a quantidade de carboidratos absorvida (4). Há um limite na oxidação de CHO de 60 g/h (2), mas em provas de ultrarresistência, a recomendação pode chegar a 90 g/h, utilizando múltiplas fontes de CHO (2).

Ingestão de Carboidratos Pós-Exercício

A depleção do glicogênio muscular estimula enzimas envolvidas na glicogênese, aumenta a sensibilidade à insulina e a permeabilidade da membrana à glicose, favorecendo a ressintese de glicogênio (4). Por esse motivo, as primeiras 4 horas pós-exercício são consideradas uma “janela de oportunidade” (4).

Nesse sentido, recomenda-se a ingestão de 1,2 g/kg de CHO nas primeiras 4 horas pós-exercício quando há necessidade de reposição rápida de glicogênio (11). Caso contrário, basta seguir as recomendações diárias de ingestão de carboidratos (4). A síntese de glicogênio muscular é duas vezes mais rápida quando 2 g/kg de carboidrato são consumidos até 30 minutos após o exercício.


Ciclagem de Carboidratos (Carbohydrate Periodization)

Novas evidências sugerem que a ciclagem de carboidratos (períodos de baixo CHO e aumento de lipídeos) pode gerar adaptações fundamentais para o desempenho em exercícios de endurance, como biogênese mitocondrial, aumento da oxidação lipídica e aumento da resistência à fadiga (1). Períodos de 3-10 semanas de redução de CHO foram capazes de melhorar a capacidade metabólica para o exercício (1). No entanto, essa estratégia pode ter efeitos colaterais, como diminuição da função imune, diminuição da intensidade de treino e redução na habilidade de oxidação de CHO, além de aumentar a oxidação proteica no músculo (1). Pode ser interessante alternar, em dias de treino leve, consumir pouco ou nenhum carboidrato, e em dias de treino pesado, seguir o planejamento da corrida.


Gorduras

Embora a oxidação de lipídios não seja eficiente o suficiente durante atividades de alta intensidade, exercícios de intensidade leve/moderada (VO2max < 70%) e longa duração podem se beneficiar da utilização de gordura como combustível (4). No entanto, apesar da utilização das gorduras, estudos demonstram que a otimização do uso de gordura ainda não supera o desempenho proporcionado por dietas ricas em carboidratos (4).


Hidratação

Recomenda-se a ingestão de pelo menos 500 mL de líquidos 2 horas antes da corrida, permitindo que o excesso seja eliminado pela urina (5). A perda de líquidos durante o exercício pode variar de 0,2 a 3,5 L/h, dependendo das condições ambientais e individuais (4). O desempenho esportivo pode ser comprometido a partir de 60-90 minutos de atividade (4).

A desidratação pode prejudicar diversos mecanismos fisiológicos, elevando a temperatura corporal e a frequência cardíaca, e aumentando a percepção de esforço (4). Uma perda de líquidos superior a 2% do peso corporal já compromete o desempenho aeróbio e a função cognitiva (4). Perdas entre 3-5% afetam o desempenho anaeróbio e habilidades técnicas específicas, enquanto perdas acima de 5% podem causar mal-estar, exaustão, insolação, aumento do risco de insuficiência renal aguda e até mesmo a morte (4).

Em intervalos menores que 8 horas entre treinos/competições, a reidratação pode ser inadequada (4). Nesses casos, sugere-se a ingestão de 5-7 mL/kg de líquido 4 horas antes da próxima atividade (4). Se a urina do atleta continuar escura, um adicional de 3-5 mL/kg duas horas antes pode ser utilizado (4). Bebidas contendo 20-50 mEq/L de sódio e/ou lanches “salgados” podem ser úteis para estimular a sede e promover a retenção hídrica (4).

A reposição de sódio é restrita a atletas com altas taxas de sudorese (>1,2 L/h) ou “suor salgado”, ou em exercícios com duração superior a 2 horas (4). Nessas condições, a suplementação de 20-30 mEq/L de cloreto de sódio (quantidade facilmente encontrada em bebidas esportivas) costuma ser suficiente (4). Para reposição rápida de líquidos no pós-exercício, pode-se ingerir 1,5 L/kg de peso perdido (4).


Ferro

Corredoras de longa distância apresentam um risco maior de desenvolver deficiência de ferro devido à hemólise ocasionada pelo impacto (6). A ADA (American Dietetic Association) recomenda que corredoras de longa distância sejam rastreadas periodicamente para avaliar os níveis de ferro (6).


Suplementação

Para atividades físicas acima de 2 horas, a suplementação de carboidratos é essencial para a manutenção do desempenho dos atletas (2). As quantidades recomendadas variam:

  • 30-75 minutos: Enxágue bucal com CHO ou pequenas quantidades (2).
  • 60-120 minutos: 30 g/h (2).
  • 120-180 minutos: 60 g/h (2).
  • Acima de 180 minutos: 90 g/h (glicose + frutose) (2).

Outros suplementos relevantes incluem:

  • Cafeína: Doses de 1-2 mg/kg durante exercícios aeróbios de longa duração podem ser uma boa opção para reduzir a percepção de dor e cansaço (2,4). Recomenda-se a menor dose possível para uso regular, para diminuir o aumento da tolerância. Deve ser consumida 60 minutos antes do exercício, considerando os efeitos sobre o sono (2).
  • Creatina: Capaz de aumentar a massa livre de gordura por elevar a água intracelular. Um estudo mostrou que 3 dias de carregamento de creatina aumentaram o volume intracelular em 3%, sem impacto no volume extracelular (1). Melhora a síntese de glicogênio e a supercompensação na finalização (1). Se os estoques já estiverem elevados, apenas a dose de manutenção é necessária (1).
  • Beta-alanina: A ingestão de 4-6 g/dia aumenta os níveis de carnosina muscular (2). A carnosina atua como tampão, regulando o pH e retardando a fadiga em exercícios de alta intensidade com duração entre 60-240 segundos (2). Não há efeitos em exercícios com duração inferior a 60 segundos (2). Avaliar se o treino do atleta apresenta exercícios de maior duração que justifiquem seu uso (2).
  • Citrulina Malato: O consumo de 8g de citrulina pode aumentar o número de repetições em até 50%, diminuir a dor muscular, melhorar a força máxima e a capacidade anaeróbia (2). Em atletas de alto nível, onde as margens de vitória são pequenas, pode auxiliar no desempenho (2). Deve ser tomada 60 minutos antes do exercício para absorção ideal (2).
  • Nitratos: Não detalhado no texto fornecido, mas comumente associado a melhorias em desempenho de endurance.

Atenção: Cuidado com o desconforto intestinal gerado pela alteração da osmolaridade das bebidas e suplementos (1,2). A osmolaridade é um fator importante, pois bebidas com alta osmolaridade diminuem o esvaziamento gástrico e a absorção de água (5).

Suplementação e Imunidade

A ingestão de 30-60 g/h de CHO durante o exercício pode atenuar hormônios do estresse e perturbações imunológicas induzidas pelo exercício (3).


Problemas Gastrointestinais (TGI)

Estima-se que 30-50% dos maratonistas sofram de problemas intestinais relacionados ao exercício (5). As queixas mais frequentes incluem náuseas, refluxo, cólica abdominal, fezes soltas, diarreia e vômitos (5). Mulheres são mais propensas a esses problemas, possivelmente devido a um esvaziamento gástrico mais lento (5). Em maratonistas, problemas no TGI inferior são mais comuns, diferentemente de ciclistas, onde os sintomas do TGI superior prevalecem (5).

Causas dos Problemas Gastrointestinais

  • Fisiológicas: Durante o exercício de alta intensidade (>80% do VO2max), o sangue é redirecionado para os músculos, e o fluxo sanguíneo intestinal pode ser reduzido em até 80% (5). A ansiedade também pode influenciar a secreção hormonal, afetando a motilidade e resultando em digestão/absorção incompleta e fezes soltas (5).
  • Mecânicas: Relacionadas ao impacto da atividade e à postura (5). Em corredores, o sangramento intestinal é atribuído à mecânica de alto impacto e ao dano subsequente ao revestimento intestinal, aliado à isquemia (5). Em ciclistas, a pressão aumentada sobre o abdômen devido à postura pode explicar a prevalência de sintomas do TGI superior (5).
  • Nutricionais: A ingestão de laticínios tem sido associada à disfunção do TGI (5). O consumo excessivo de fibras, gorduras e proteínas nas 24 horas anteriores ao evento tende a gerar mais sintomas (5).

Recomendações para o Dia da Prova

  • Evitar produtos com lactose.
  • Evitar alimentos ricos em fibras nas 24 horas anteriores e diminuir o consumo até mesmo antes desse período.
  • Evitar o uso de AAS (ácido acetilsalicílico) e AINE (anti-inflamatório não esteroidal) 24 horas antes.
  • Evitar bebidas ricas em frutose.
  • Cuidado com a desidratação.
  • Testar a rotina de prova em outro dia para verificar a tolerância.
  • Estudar o percurso e as condições climáticas para planejar a estratégia nutricional.
  • 2 horas antes da prova, é recomendado a ingestão de 500 mL de líquidos.

Fisiologia e Adaptações ao Exercício de Endurance

O exercício de endurance resulta principalmente em biogênese mitocondrial, com pouca ou nenhuma alteração na síntese de proteínas (5). Promove maior resistência à fadiga, alterando o fenótipo de fibra muscular, e, a nível muscular, melhora o fluxo sanguíneo, aumenta o conteúdo de mitocôndrias e melhora a captação de oxigênio (1). Alguns estudos sugerem que o HIIT (Treinamento Intervalado de Alta Intensidade) promove as mesmas adaptações geradas pelo endurance (1).

A adaptação ao treino é sempre temporária se o estímulo não for mantido a longo prazo (5). Esse processo complexo começa com uma mistura de estresses, ativando mecanismos específicos (5). Em exercícios de endurance, o estresse é principalmente metabólico, mas pode ser dividido em quatro categorias: carga mecânica, ativação neuronal, ajustes hormonais e perturbações metabólicas (5). Essa mistura de estresses desencadeia eventos específicos que geram as adaptações necessárias (5).

Biogênese Mitocondrial

Os melhores fatores preditivos de melhora do desempenho são a densidade mitocondrial e a atividade enzimática mitocondrial (5). O aumento do tamanho e do número de mitocôndrias é chamado de biogênese mitocondrial (5). Caracteriza-se pelo aumento da densidade mitocondrial na musculatura esquelética, gerando maior resistência à fadiga (5).

Angiogênese

Outra adaptação importante é a melhora do suprimento sanguíneo nos músculos envolvidos no exercício, devido ao aumento do número de capilares (angiogênese) (5). Esse processo é geralmente maior nas fibras musculares tipo I e IIA (5). A angiogênese está diretamente correlacionada com o conteúdo mitocondrial das fibras musculares (5). Acredita-se que o estresse gerado nas células endoteliais pelo cisalhamento, com fluxo sanguíneo aumentado e estiramento muscular, sejam os principais estimuladores do processo (5).

Hipertrofia

Embora o treino de endurance não altere significativamente o tamanho das fibras musculares, alguns estudos encontraram um aumento de aproximadamente 20% nas fibras musculares tipo I (5).

Glicogênio Muscular

Estudos comprovam que uma elevada reserva de glicogênio pré-exercício é capaz de melhorar o desempenho em atividades individuais ou em grupo, com duração entre 60 e 90 minutos (1).


Referências Bibliográficas

  1. CLOSE, G. L. et al. New strategies in sport nutrition to increase exercise performance. Free Radical Biology and Medicine, v. 98, p. 144–158, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.freeradbiomed.2016.01.016
  2. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  3. LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 262 p.
  4. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Barueri: Manole, 2020. 1369 p.
  5. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
  6. HIRSCHBRUCH, M. D. Nutrição esportiva – Uma visão prática. 3. ed. Barueri – SP: Manole, 2014. 496 p.

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