A Fisiologia e as Teorias da Aprendizagem: Uma Abordagem Neurocognitiva e Sociocultural


A Fisiologia e as Teorias da Aprendizagem: Uma Abordagem Neurocognitiva e Sociocultural


Introdução

A aprendizagem é um processo fundamental para o desenvolvimento humano, caracterizado pela aquisição de conhecimentos que são retidos e acessados pela memória para uso futuro. Este fenômeno complexo envolve intrincadas redes neurais e interações contínuas entre o indivíduo e o ambiente.


Fisiologia da Aprendizagem e Memória

O sistema nervoso humano é composto por bilhões de neurônios e células gliais de suporte, formando complexas redes neurais. A comunicação entre neurônios ocorre via sinapses, um processo eletroquímico onde os neurotransmissores (mensageiros químicos) codificam e transmitem informações. A repetição e o fortalecimento dessas sinapses levam à formação de engramas sinápticos, que são a base da memória de longa duração.

Nas neurociências, o fenômeno da Potenciação de Longa Duração (LTP – Long Term Potentiation) é amplamente estudado. A LTP demonstra que, em nível celular, o processo de aprendizagem aumenta a eficiência da comunicação entre neurônios pré e pós-sinápticos através de um incremento na neurotransmissão.

A aprendizagem motora, por exemplo, como aprender a equilibrar-se, andar ou manipular objetos com precisão (motricidade fina), envolve um processo de tentativa e erro. As conexões sinápticas que produzem resultados bem-sucedidos são seletivamente reforçadas pela LTP, otimizando o comportamento.

Além disso, hormônios do estresse (cortisol, adrenalina e noradrenalina) podem modular e, em certos contextos, realçar a aprendizagem e a formação de memórias. Um único evento estressor significativo pode resultar em um reflexo condicionado, por vezes desadaptativo. Por outro lado, a ativação positiva mediada por neurotransmissores como endorfina, dopamina, serotonina e ocitocina (o “quarteto da felicidade”), pode fortalecer memórias associadas a eventos emocionalmente positivos.

A aprendizagem é um processo crucial tanto para o desenvolvimento ontogenético (desenvolvimento individual) quanto filogenético (desenvolvimento da espécie) do ser humano. Historicamente, teorias divergiram sobre se a aprendizagem é predominantemente influenciada por fatores externos ou internos.


Teorias da Aprendizagem: O Interacionismo

Os estudos epistemológicos sobre a aprendizagem humana foram revolucionados pela concepção teórica do interacionismo. Os principais expoentes dessa corrente foram Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934). Embora não tenham se encontrado, suas conclusões convergiram em muitos pontos, distanciando-se das escolas epistemológicas mais tradicionais.

O interacionismo postula que o conhecimento é fruto da interação dinâmica entre o indivíduo e seu ambiente. Nessa perspectiva, o ser humano não nasce com conhecimento inato, nem o adquire exclusivamente através de experiências sensoriais passivas. Em vez disso, o conhecimento é ativamente construído por meio dessa interação. O indivíduo não é visto como um mero receptor (“tábula rasa”) nem como um detentor natural de conhecimento.

Tanto Piaget quanto Vygotsky buscavam compreender o desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, o foco estava no processo de construção ativa do conhecimento pela criança. Já Vygotsky estava interessado em como os fatores sociais e culturais influenciavam esse desenvolvimento.

Teoria Construtivista de Jean Piaget

A teoria de Piaget, conhecida como construtivismo, afirma que o ser humano nasce com certas capacidades cognitivas que se desenvolvem e se aprimoram através da interação com o meio. Quando uma criança se depara com um problema novo, ocorre um desequilíbrio cognitivo que só é reajustado após a resolução desse problema.

Para Piaget, a aprendizagem ocorre por meio de processos de assimilação e acomodação. Ao ser exposta a um novo estímulo, a mente se reestrutura para integrá-lo como um novo conhecimento. O construtivismo compreende a aprendizagem como uma relação ativa do organismo com o ambiente, onde, diante de novos desafios, esquemas cognitivos são desenvolvidos para assimilar novas informações.

Piaget via a atividade intelectual e o desenvolvimento biológico como partes de um processo unificado, permitindo ao organismo adaptar-se ao ambiente e organizar suas experiências. Quatro conceitos são fundamentais para entender essa teoria:

  1. Esquema: Uma estrutura cognitiva hipotética que confere estabilidade às respostas. Esquemas funcionam como estruturas que armazenam experiências, possibilitando os processos de adaptação e organização. Eles processam os estímulos que chegam ao organismo. A quantidade e complexidade dos esquemas aumentam com o desenvolvimento, à medida que novos conceitos são aprendidos através da assimilação e acomodação.
  2. Assimilação: O processo de integrar uma nova informação (perceptiva, motora ou conceitual) a um esquema ou repertório comportamental já existente. A assimilação não necessariamente modifica o esquema, mas o amplia. Por exemplo, uma criança que tem um esquema para “carrinho” (quatro rodas, portas, volante) pode chamar um caminhão de brinquedo de “carrinho”, ampliando seu esquema sem criar um novo conhecimento específico para caminhão.
  3. Acomodação: O processo de criar um novo esquema ou adaptar um esquema existente para incorporar uma nova informação ou solucionar um problema. Diferente da assimilação (que adequa a informação ao esquema existente), a acomodação exige a modificação ou criação de uma estrutura cognitiva para o novo conhecimento. Assimilação é um processo mais passivo; acomodação é um processo ativo.
  4. Equilibração: O mecanismo autorregulatório que busca o equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação. Um estado de desequilíbrio motiva o indivíduo a buscar ativamente a reestruturação cognitiva. Por exemplo, uma criança que tenta desenhar um cavalo pela primeira vez e erra, persiste até que novos esquemas motores e perceptuais sejam criados ou adaptados, alcançando a assimilação do conteúdo e o equilíbrio.

Para a teoria construtivista de Piaget, a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual são resultados de um processo ativo. A sequência pode ser descrita como: exposição a um novo estímulo → tentativa de encaixá-lo em um esquema existente → se bem-sucedido, alcança o equilíbrio; se não, busca ativa pela acomodação (criação/adaptação de esquemas) → assimilação do novo conhecimento → equilíbrio.

Estágios do Desenvolvimento Cognitivo (Piaget)

Piaget estabeleceu estágios que caracterizam o desenvolvimento biológico e a capacidade de aquisição de novos conhecimentos. Esses estágios são sequenciais e universais, não sendo possível pular ou regredir neles. O desenvolvimento intelectual é contínuo, e os estágios funcionam como marcadores de períodos. A criança desenvolve características cognitivas, afetivas e de socialização ativamente, em paralelo com o amadurecimento biológico.

  1. Sensório-Motor (0-2 anos): Caracterizado por 6 subestágios. Inicialmente, a criança apresenta respostas sensoriais e motoras reflexas. Progressivamente, ela organiza percepções, desenvolve comportamentos voluntários, a consciência da existência dos objetos (permanência do objeto) e a noção de causa e efeito. Ao final, aprimora o pensamento simbólico, lembrando de objetos e pessoas ausentes e começando a planejar e imaginar, o que marca o início de processos de pensamento mais complexos.
  2. Pré-Operatório (2-6 anos): A criança adquire a capacidade de elaborar representações internas, essencial para o raciocínio lógico futuro. O surgimento da linguagem oral é notável, embora o pensamento ainda seja egocêntrico, concreto e irreversível, focado em experiências imediatas.
  3. Operatório Concreto (6-11 anos): Há uma redução do egocentrismo, permitindo que a criança se coloque no lugar do outro e desenvolva noções de cooperação e moralidade. O pensamento lógico-matemático emerge, possibilitando operações reversíveis e a compreensão da conservação de volume e quantidade, mesmo com mudanças de forma.
  4. Operatório Formal (a partir dos 11 anos): O indivíduo desenvolve a capacidade de realizar pensamentos hipotético-dedutivos e abstratos, não mais dependendo exclusivamente de aspectos concretos da realidade. O egocentrismo tende a desaparecer, e há maior autonomia e capacidade de socialização.

Para o construtivismo piagetiano, a aquisição de novos conhecimentos ou experiências requer a assimilação e acomodação de informações em estruturas cognitivas existentes, ou a construção de novos esquemas, abrangendo comportamentos, afetos e pensamentos. A criança, para Piaget, não nasce como uma “tábula rasa”, mas como um organismo em desenvolvimento, com capacidade de adaptar-se e evoluir no ambiente social complexo.

Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky

A teoria histórico-cultural de Vygotsky propõe que a aquisição do conhecimento é intrinsecamente ligada à interação social entre os indivíduos. Vygotsky também refutava a ideia de um desenvolvimento puramente inato ou resultado exclusivo de experiências sensoriais isoladas.

Um conceito central de Vygotsky é a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), definida como a distância entre o nível de desenvolvimento real (capacidade de solucionar problemas de forma independente) e o nível de desenvolvimento potencial (capacidade de solucionar tarefas com a ajuda de outros). Este conceito enfatiza que todo indivíduo possui um potencial de aprendizagem que é facilitado e aprimorado pela interação social.

Outro conceito essencial é a mediação, que descreve a inserção de um elemento em uma relação entre dois outros fatores, tornando a interação indireta. Por exemplo, a lembrança da dor de um choque ao se aproximar de uma tomada é uma relação mediada pela memória.

Para Vygotsky, a relação do ser humano com o mundo não é direta, mas sempre mediada por dois tipos de elementos:

  1. Instrumentos: Objetos sociais que mediam a relação entre o sujeito e o ambiente. Embora outros animais usem instrumentos, os humanos os criam intencionalmente, os armazenam e os transmitem culturalmente (ex: machado, martelo, caneta).
  2. Signos: Atuam de forma análoga aos instrumentos, mas mediam a atividade psicológica e são orientados para o interior do sujeito. São cruciais para o desenvolvimento das atividades psicológicas (ex: números, linguagem, mapas, listas de compras).

Segundo Vygotsky, os seres humanos não seguem um desenvolvimento linear devido à capacidade de utilizar signos, que são meios não naturais para modificar processos psicológicos e o ambiente. A espécie humana usa signos para interagir com o meio, pensar e planejar ações sem a necessidade da presença real do objeto. No entanto, o desenvolvimento e a utilização desses signos não são automáticos; ocorrem por meio da interação com o meio social. A capacidade de usar ferramentas cognitivas internalizadas é aprendida apenas pela interação com outras pessoas, que transmitem esse conhecimento cultural.

Níveis de Desenvolvimento (Vygotsky)

Para compreender a aprendizagem humana, Vygotsky distingue dois níveis de desenvolvimento:

  1. Nível de Desenvolvimento Real: Refere-se ao acúmulo de conhecimentos já assimilados pelo indivíduo, que lhe permitem resolver problemas de forma independente. Este nível representa todo o conhecimento que uma pessoa possui e pode mobilizar por conta própria para solucionar uma dada situação (ex: uma criança que já sabe somar e resolve um problema de adição sem ajuda).
  2. Nível de Desenvolvimento Potencial: Diz respeito à capacidade de realizar tarefas com o auxílio de terceiros. Há tarefas para as quais a pessoa não possui maturidade cognitiva suficiente para resolver sozinha, necessitando da intervenção de outro ser humano para alcançar a resposta desejada (ex: a mesma criança, agora, precisando de ajuda para entender a multiplicação). Sem essa interação e mediação social, o desenvolvimento intelectual e a capacidade de aprendizagem podem ser significativamente prejudicados ou inexistentes.

A teoria socioconstrutivista de Vygotsky enfatiza que a aprendizagem é um processo contínuo e dinâmico, mas fundamentalmente dependente da interação entre os indivíduos.