O Sistema Endócrino: Composição, Mecanismos de Ação e Regulação Hormonal
Introdução
O sistema endócrino é um complexo sistema de comunicação que regula as funções fisiológicas do organismo por meio da produção e secreção de hormônios. Sua ação coordenada é essencial para a manutenção da homeostase e para a adaptação a diversas condições internas e externas.
Composição do Sistema Endócrino
O sistema endócrino é composto por:
Glândulas Endócrinas
São órgãos desprovidos de ductos que secretam seus produtos químicos, os hormônios, diretamente no espaço intersticial. A partir daí, os hormônios difundem-se para a circulação sanguínea, atingindo suas células-alvo em locais distantes (1).
Hormônios
São substâncias químicas liberadas em mínimas quantidades, mas que exercem uma ação biológica específica sobre uma célula-alvo (1).
Órgão-Alvo
Refere-se ao órgão ou tecido que contém células que expressam receptores hormonais específicos. A ligação do hormônio a esses receptores desencadeia uma resposta biológica demonstrável (1).
Mecanismo de Ação dos Hormônios
Os hormônios podem ser classificados em diferentes categorias com base em sua estrutura química e mecanismo de ação:
Hormônios Peptídicos
Constituem a maioria dos hormônios (1). Alguns desses hormônios são glicoproteínas, contendo carboidratos em sua composição (1). Caracterizam-se por se ligarem a receptores localizados na superfície celular da célula-alvo, uma vez que sua natureza hidrofílica impede a travessia direta da membrana plasmática (1).
Exemplos: Insulina, glucagon, ACTH (Hormônio Adrenocorticotrófico), LH (Hormônio Luteinizante), FSH (Hormônio Folículo-Estimulante) (1).
Hormônios Esteroides
Derivam do colesterol e são sintetizados no córtex da glândula suprarrenal, nas gônadas e na placenta (1). Por serem lipossolúveis, circulam no plasma predominantemente ligados a proteínas carreadoras. Atravessam a membrana plasmática para se ligarem a receptores intracelulares, que podem ser citosólicos ou nucleares (1).
Exemplo: Vitamina D e seus metabólitos (1).
Hormônios Derivados de Aminoácidos
Podem ser classificados de acordo com a distância em que exercem seu efeito biológico:
- Efeito Endócrino: O hormônio é liberado na corrente sanguínea e atua sobre células-alvo distantes (1).
- Efeito Parácrino: O hormônio atua sobre células vizinhas à célula que o liberou, sem entrar na circulação (1).
- Efeito Autócrino: O hormônio exerce seu efeito biológico sobre a própria célula que o libera (1).
- Efeito Intrácrino: O hormônio atua intracelularmente na mesma célula que o produz, sem ser liberado (1).
Em geral, esses hormônios se ligam a receptores de superfície celular (1). A exceção é o hormônio tireoidiano, que, apesar de derivado de aminoácido, é transportado para o interior da célula para se ligar a um receptor nuclear (1).
Transporte dos Hormônios
Os hormônios podem circular no plasma em sua forma livre ou ligados a proteínas carreadoras (proteínas de ligação) (1). As proteínas carreadoras atuam como um reservatório para o hormônio e prolongam sua meia-vida no organismo (1). Apenas o hormônio livre ou não ligado é biologicamente ativo, sendo responsável pela ligação ao seu receptor específico e pela indução de uma resposta (1).
A maioria das aminas, peptídeos e hormônios proteicos (hidrofílicos) circula em sua forma livre (1). Em contraste, os hormônios esteroides e tireoidianos (lipofílicos) circulam predominantemente ligados a proteínas de transporte específicas (1). A interação entre um hormônio e sua proteína carreadora é um equilíbrio dinâmico, permitindo adaptações que previnem manifestações clínicas de deficiência ou excesso hormonal (1).
Uma vez liberados na circulação, os hormônios podem seguir diferentes destinos: ligar-se a seus receptores específicos em um órgão-alvo, sofrer transformação metabólica no fígado ou ser excretados na urina (1).
Efeitos Celulares dos Hormônios
Afinidade e Especificidade
A afinidade refere-se à intensidade da interação entre o hormônio e seu receptor, determinada pelas taxas de dissociação e associação do complexo hormônio-receptor em condições de equilíbrio (1). A especificidade é a capacidade de um receptor hormonal de discriminar entre diferentes hormônios com estruturas correlatas, garantindo que apenas o hormônio correto se ligue (1).
Saturação dos Receptores
A ligação dos hormônios a seus receptores é saturável, o que significa que existe um número finito de receptores aos quais um hormônio pode se ligar (1). Curiosamente, em muitas células-alvo, a resposta biológica máxima a um determinado hormônio pode ser alcançada sem a ocupação de 100% dos receptores (1).
Disfunções Endócrinas
A função endócrina anormal resulta de excesso ou deficiência na ação dos hormônios (1). Isso pode ser causado por:
- Produção anormal de um hormônio (em excesso ou em quantidades insuficientes) (1).
- Redução no número ou má função dos receptores (1).
Agonistas e Antagonistas
- Agonistas dos receptores hormonais: Moléculas que se ligam ao receptor hormonal e produzem um efeito biológico semelhante ao induzido pelo hormônio endógeno (1).
- Antagonistas dos receptores hormonais: Moléculas que se ligam ao receptor hormonal e inibem os efeitos biológicos de um hormônio específico, bloqueando sua ação (1).
Receptores Hormonais e Transdução de Sinais
Os receptores hormonais são classificados principalmente em dois tipos, com base em sua localização celular:
Receptores de Membrana Celular
Hormônios peptídicos e catecolaminas, que são hidrofílicos e incapazes de atravessar a bicamada lipídica da membrana celular, ligam-se a esses receptores (1). Localizam-se dentro da dupla camada fosfolipídica da membrana celular das células-alvo (1).
Podem ser divididos em:
- Canais iônicos regulados por ligantes: A ligação de um hormônio a esse receptor provoca uma mudança conformacional que abre os canais iônicos na membrana, resultando em fluxo de íons para o interior da célula-alvo (1).
- Receptores que regulam a atividade das proteínas intracelulares: São proteínas transmembrana que transmitem sinais para alvos intracelulares quando ativadas (1). Os principais tipos incluem:
- Receptores acoplados à proteína G (1).
- Receptores de tirosina-quinase (1).
- Receptor de quinase ligado ao receptor (1).
Receptores Intracelulares
Pertencem à família dos receptores de esteroides (1). Consistem em fatores de transcrição que possuem sítios de ligação para o hormônio (ligante) e para o DNA, funcionando como fatores de transcrição regulados por ligantes (1). Hormônios esteroides, sendo lipossolúveis, atravessam a membrana plasmática e ligam-se a esses receptores (1). A formação do complexo hormônio-receptor e sua ligação ao DNA resultam na ativação ou repressão da transcrição gênica (1).
Regulação dos Receptores Hormonais
Os hormônios podem modular a responsividade da célula-alvo influenciando a função dos receptores (1).
Os receptores são capazes de sofrer um processo reversível de adaptação ou dessensibilização, onde a exposição prolongada a um hormônio diminui a resposta a variações em sua concentração, e não necessariamente à concentração absoluta (1).
A ligação de hormônios a receptores de superfície celular pode induzir a endocitose e o sequestro temporário em endossomos (1). Essa endocitose, induzida pelo hormônio, pode levar à destruição dos receptores nos lisossomos, um processo conhecido como “downregulation” do receptor (1). Um hormônio também pode exercer downregulation, diminuindo a expressão dos receptores de outro hormônio e, consequentemente, reduzindo a eficiência desse último (1).
Os receptores hormonais também podem sofrer “upregulation”, que é um aumento no número de receptores hormonais específicos (1). Isso ocorre geralmente quando os níveis prevalentes do hormônio estão baixos por um certo período (1). Um hormônio também pode upregulate os receptores de outro hormônio, aumentando sua eficiência no tecido-alvo (1).
Controle da Liberação dos Hormônios
A liberação de hormônios é um processo finamente regulado, frequentemente influenciado por múltiplos mecanismos simultaneamente (1). Três mecanismos reguladores gerais são identificados:
Controle Neural
É mediado pelo controle direto da liberação hormonal endócrina por neurotransmissores (1). A função endócrina é estritamente regulada pelo sistema nervoso (1). A liberação de hormônios pelas células endócrinas pode ser modulada por neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático (SNS) ou do sistema nervoso parassimpático (SNPS) (1). O controle neural desempenha um papel importante na regulação da liberação endócrina periférica dos hormônios (1).
Controle Hormonal
A liberação de hormônios por um órgão endócrino é frequentemente controlada por outro hormônio (1). Quando o efeito é estimulatório, o hormônio que o exerce é denominado trófico (1). Contudo, os hormônios também podem suprimir a liberação de outros hormônios (1). A inibição hormonal da liberação de hormônios desempenha um papel crucial na regulação por retroalimentação negativa, um mecanismo de controle comum para a liberação hormonal (1). Hormônios tróficos são, em geral, liberados pela adeno-hipófise (1).
Controle por Nutrientes ou Íons
Os níveis plasmáticos de nutrientes ou íons também podem regular a liberação hormonal (1). Em todos os casos, o hormônio específico regula, direta ou indiretamente, a concentração do nutriente ou íon no plasma (1).
A responsividade das células-alvo à ação hormonal, juntamente com a regulação da liberação hormonal, constitui um mecanismo de controle por retroalimentação (1). A retroalimentação negativa é o mecanismo de controle mais comum que regula a liberação hormonal (1).
Referências Bibliográficas
- MOLINA, P. E. Fisiologia Endócrina. 4. ed. ArtMed, 2014. 309 p.