A Célula e a Homeostasia: A Base da Fisiologia Humana


A Célula e a Homeostasia: A Base da Fisiologia Humana


Introdução

A célula, a unidade mais fundamental do corpo humano, serve como o alicerce para a complexa organização dos órgãos, mantidos em conjunto por estruturas de suporte intercelular. Cada tipo celular desempenha funções específicas dentro do organismo, que, apesar da vasta diversidade de aproximadamente 100 trilhões de células, compartilham características metabólicas e fisiológicas essenciais para a manutenção da vida. O corpo humano opera sob o princípio da homeostasia, garantindo um ambiente interno estável para a funcionalidade celular e sistêmica.


Células: Unidades Fundamentais da Vida

A unidade mais básica do corpo humano é a célula. Cada órgão é um agregado de diferentes tipos de células, unidas por estruturas de suporte intercelular (1). Embora exista uma enorme diversidade celular, todas as células possuem características básicas comuns. Por exemplo, o oxigênio reage com carboidratos, gorduras e proteínas para liberar a energia necessária para o funcionamento celular (1). Os mecanismos químicos de transformação de nutrientes em energia são fundamentalmente os mesmos em todas as células, e todas elas liberam os produtos de suas reações nos líquidos que as envolvem (1). Quase a totalidade das células do nosso organismo tem a capacidade de reproduzir células adicionais do seu próprio tipo, de modo que, quando determinadas células são destruídas, as células restantes do mesmo tipo, em condições normais, são capazes de gerar novas células para suprir as necessidades (1).


Líquido Extracelular: O Meio Interno

Cerca de 60% do corpo humano de um adulto é composto de líquidos, predominantemente uma solução aquosa de íons e outras substâncias (1). Embora a maior parte desse líquido esteja dentro das células (líquido intracelular), aproximadamente um terço se encontra nos espaços fora das células, sendo denominado líquido extracelular (1).

O líquido extracelular está em constante movimento, sendo rapidamente misturado e transportado no sangue circulante (1). Nesse líquido encontram-se os íons e os nutrientes necessários para manter a vida celular (1). Dessa forma, todas as células vivem essencialmente no mesmo ambiente: o líquido extracelular (1).

Composição dos Líquidos Extra e Intracelulares

O líquido extracelular contém grandes quantidades de sódio, cloreto e íons bicarbonato, além de nutrientes essenciais para as células, como oxigênio, glicose, ácidos graxos e aminoácidos. Ele também transporta dióxido de carbono das células para os pulmões (para ser excretado) e outros produtos de excreção celulares, que são direcionados aos rins (1).

Em contraste, o líquido intracelular contém grandes quantidades de íons de potássio, magnésio e fosfato (1). Mecanismos especiais de transporte de íons mantêm a diferença de concentração iônica entre os líquidos extra e intracelulares (1).


Homeostasia: Manutenção do Meio Interno Constante

A homeostasia é definida como a manutenção de condições quase constantes no meio interno (1). Todos os órgãos e tecidos do corpo executam funções que contribuem, direta ou indiretamente, para a manutenção dessas condições (1). Por exemplo, os pulmões fornecem oxigênio ao líquido extracelular para repor o oxigênio utilizado; os rins mantêm constantes as concentrações de íons; e o sistema gastrointestinal fornece os nutrientes e a energia necessários (1).

Os diversos íons, nutrientes e produtos de degradação são normalmente regulados dentro de uma faixa de normalidade, sendo que para determinados constituintes essas faixas de variação podem ser maiores ou menores (1). Por exemplo, a concentração de sódio no sangue é estreitamente regulada e, geralmente, varia apenas alguns milimoles por litro, mesmo com variações consideráveis na ingestão de sódio. Essa pequena variação é, no entanto, um milhão de vezes superior à variação dos íons de hidrogênio no organismo, que costuma ser inferior a 5 nanomoles por litro (1).

Para a manutenção das funções normais do organismo, são necessárias ações integradas de células, tecidos, órgãos e locais, que contribuem para a homeostasia e para uma boa saúde. A doença, por sua vez, é usualmente considerada um estado de ruptura dessa homeostasia (1). Contudo, mesmo na presença de doenças, os mecanismos homeostáticos permanecem ativos e são capazes, até certo ponto, de manter as funções vitais por meio de múltiplas compensações (1). Em alguns casos, essas compensações podem, por si próprias, levar a desvios significativos nas faixas de normalidade de determinadas funções, tornando difícil a distinção entre a causa principal e os mecanismos compensatórios (1). Por exemplo, doenças que comprometem a capacidade dos rins de excretar sal e água podem levar a uma elevação da pressão arterial que, inicialmente, ajudaria a recuperar os valores normais de pressão, mantendo o equilíbrio de absorção e excreção. No entanto, no longo prazo, uma pressão arterial elevada pode danificar diversos órgãos, incluindo os próprios rins, causando um aumento ainda maior na pressão arterial (1).


Sistema de Transporte e Trocas do Líquido Extracelular

O líquido extracelular é transportado pelo corpo por dois mecanismos principais (1):

  1. Pela movimentação do sangue pelos vasos sanguíneos.
  2. Pela movimentação de líquido entre os capilares sanguíneos e os espaços intercelulares entre as células dos tecidos.

Todo o sangue percorre o sistema circulatório, em média, uma vez por minuto durante o repouso e até seis vezes por minuto durante a atividade física (1). Durante a passagem do sangue pelos capilares sanguíneos, ocorre a troca contínua do líquido extracelular entre a parte plasmática do sangue e o líquido intersticial, que preenche os espaços intercelulares (1). As paredes dos capilares são permeáveis à maioria das moléculas no plasma sanguíneo, com exceção das proteínas plasmáticas. Portanto, grandes quantidades de líquidos e de seus constituintes dissolvidos se difundem em ambas as direções, entre o sangue e os espaços dos tecidos (1). Isso significa que o líquido e as moléculas dissolvidas estão em movimento contínuo em todas as direções no plasma e no líquido nos espaços intercelulares, bem como através dos poros capilares (1). Dessa forma, o líquido extracelular, em todas as partes do corpo, tanto no líquido quanto no plasma, está continuamente realizando trocas, mantendo a homogeneidade do líquido extracelular por todo o corpo (1).


Origem dos Nutrientes do Líquido Extracelular

Sistema Respiratório

A cada vez que o sangue passa pelo corpo, ele flui também pelos pulmões. Nos alvéolos, o sangue capta o oxigênio, que se difunde rapidamente da membrana alveolar para o sangue (1).

Trato Gastrointestinal

Grande parte do sangue bombeado pelo coração flui através da parede do trato gastrointestinal (TGI). Ali, diferentes nutrientes dissolvidos, como carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos, são transportados do intestino para o líquido extracelular no sangue (1).

Fígado e Órgãos Metabólicos

Nem todas as substâncias absorvidas pelo TGI podem ser utilizadas em sua forma absorvida. O fígado e outros tecidos do corpo (células adiposas, mucosa gastrointestinal, rins, glândulas endócrinas, etc.) alteram as composições químicas de muitas dessas substâncias para formas utilizáveis. Além disso, o fígado também é responsável por eliminar alguns resíduos produzidos pelo organismo e algumas substâncias tóxicas (1).

Sistema Musculoesquelético

Sem os músculos, o corpo não poderia se mover para obter os alimentos necessários para a nutrição. Além disso, esse sistema proporciona mobilidade para a proteção contra ambientes adversos, sem o qual o organismo poderia ser destruído (1).


Remoção dos Produtos do Metabolismo

Pulmões

Ao mesmo tempo em que o sangue capta oxigênio nos pulmões, o dióxido de carbono é liberado do sangue para os alvéolos pulmonares, sendo, então, exalado para a atmosfera (1). O dióxido de carbono é o mais abundante de todos os produtos do metabolismo (1).

Rins

No processo de filtragem, os rins captam grandes quantidades de plasma através dos capilares glomerulares, reabsorvendo as substâncias necessárias e removendo as substâncias indesejadas, que incluem ureia, ácido úrico, excesso de íons e de água, entre outros (1).

Trato Gastrointestinal

Todo material não digerido e a parte não aproveitada do metabolismo são eliminados nas fezes (1).

Fígado

Entre as diversas funções hepáticas, o fígado é responsável pela desintoxicação e remoção de fármacos e substâncias químicas. Grande parte dessa remoção ocorre através da secreção desses resíduos na bile, que é eliminada nas fezes (1).


Regulação das Funções Corporais

Sistema Nervoso (SN)

O sistema nervoso é composto por três partes principais (1):

  • Aferência sensorial: Captação de informações do ambiente.
  • Sistema nervoso central: Processamento e integração das informações.
  • Eferência motora: Respostas e comandos para o corpo.

Outro elemento importante do sistema nervoso é o sistema nervoso autônomo, que opera em nível subconsciente e controla diversas funções dos órgãos internos, incluindo os batimentos do coração, a motilidade do TGI e a secreção de diversas glândulas do corpo (1).

Sistema Hormonal

O organismo possui oito grandes glândulas endócrinas e vários órgãos e tecidos que secretam hormônios. Os hormônios formam um sistema que auxilia na regulação da função celular, complementando o sistema nervoso (1). Ele é responsável por diversas regulações metabólicas do organismo (1).


Proteção do Corpo

Sistema Imune

O sistema imune é composto por glóbulos brancos, células teciduais derivadas, timo, linfonodos e vasos linfáticos. Todos esses componentes têm a função de proteger nosso organismo contra patógenos (bactérias, vírus, parasitas e fungos) (1). É um sistema que permite distinguir entre suas próprias células e substâncias estranhas, e que destrói os invasores, seja por fagocitose, pela produção de leucócitos sensibilizados, ou por proteínas especializadas que destroem ou neutralizam invasores (1).

Sistema Tegumentar

A pele e seus apêndices (fâneros, incluindo pelos, unhas, glândulas e várias outras estruturas) cobrem, acolchoam e protegem os tecidos mais profundos e os órgãos, além de formar o limite entre o meio interno e o meio externo do organismo (1). É um sistema que exerce um importante papel na regulação da temperatura corporal, na excreção de resíduos e constitui a interface sensorial entre o corpo e seu ambiente externo (1). De forma geral, a pele representa cerca de 12-15% do peso corporal (1).


Reprodução

Embora muitas vezes não seja considerada uma função homeostática direta, a reprodução contribui para a homeostasia através da produção de novos seres que, eventualmente, substituirão aqueles que estão morrendo (1). Isso ilustra que, essencialmente, todas as estruturas do nosso organismo são organizadas para manter a automaticidade e a continuidade da vida (1).


Sistemas de Controle do Organismo

O corpo humano possui diversos sistemas de controle, incluindo aqueles que regulam as funções individuais dos órgãos, os que regulam as inter-relações entre os órgãos, o sistema de regulação genética que opera em todas as células do organismo, entre outros (1).

Exemplos de Regulação Homeostática

Regulação da Concentração de Oxigênio e Dióxido de Carbono

O organismo dispõe de um mecanismo para manter a concentração de oxigênio quase constante no líquido extracelular, dada sua importância. Esse mecanismo baseia-se nas características químicas da hemoglobina, de modo que, à medida que o sangue circula pelos capilares dos tecidos, a hemoglobina só libera o oxigênio para o tecido se a concentração tecidual estiver baixa (1). Essa regulação é denominada “função de tamponamento do oxigênio pela hemoglobina” (1).

A concentração de dióxido de carbono no líquido extracelular é regulada de forma muito diferente (1). Um dos mecanismos ocorre quando uma elevação na concentração de CO2 no sangue excita o centro respiratório, levando a uma respiração rápida e profunda (1). Essa respiração acelerada e profunda aumenta a expiração de dióxido de carbono, removendo o excesso do gás do sangue e dos líquidos teciduais (1). Esse processo continua até que a concentração retorne ao normal (1).

Regulação da Pressão Arterial

Vários sistemas contribuem para a regulação da pressão arterial. Um deles é o sistema barorreceptor, um mecanismo de controle de ação rápida (1). Nas paredes da região de bifurcação das artérias carótidas, no pescoço, e também no arco da aorta, no tórax, encontram-se diversos barorreceptores, que são estimulados pelo estiramento da parede arterial (1). Quando a pressão arterial se eleva excessivamente, os barorreceptores enviam impulsos nervosos para o tronco cerebral, inibindo o centro vasomotor. Isso, por sua vez, diminui o número de impulsos transmitidos para o coração e para os vasos sanguíneos. A redução desses impulsos ocasiona a diminuição da atividade de bombeamento do coração e a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos, permitindo o aumento do fluxo sanguíneo (1). Ambos os efeitos são capazes de diminuir a pressão arterial (1). Inversamente, uma pressão arterial abaixo do normal reduz o estímulo dos barorreceptores, permitindo que o centro vasomotor se torne mais ativo, causando vasoconstrição e aumento do bombeamento cardíaco (1).


Referências Bibliográficas

  1. Hall JE, Guyton AC. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017. 1–1176 p.