Condicionamento Pavloviano: Fundamentos e Aplicações em Saúde e Comportamento
Introdução
O condicionamento pavloviano, também conhecido como condicionamento clássico ou respondente, é um fenômeno de aprendizagem fundamental descoberto por Ivan Petrovich Pavlov. Ele descreve como estímulos que inicialmente não eliciavam respostas podem, após emparelhamento com outros estímulos, passar a eliciá-las, ampliando nossa compreensão sobre a aquisição de novos reflexos e respostas emocionais.
Descoberta do Reflexo Aprendido
Ivan Petrovich Pavlov, em seus estudos sobre reflexos inatos, observou que seus cães haviam aprendido novos reflexos. Ou seja, estímulos que anteriormente não eliciavam respostas passaram a fazê-lo (1). Esse fenômeno de aprendizagem de um novo reflexo foi denominado condicionamento pavloviano, também conhecido como condicionamento clássico ou respondente (1). Essa forma de aprendizagem ficou conhecida como paradigma do condicionamento respondente (1).
Vocabulário do Condicionamento Pavloviano
Para compreender o condicionamento pavloviano, é essencial familiarizar-se com os seguintes termos:
- Estímulo Neutro (SN): Um estímulo que, antes do condicionamento, não elicia uma resposta específica (1).
- Estímulo Incondicionado (SI): Um estímulo que, naturalmente e sem aprendizado prévio, elicia uma resposta (ex: comida elicia salivação).
- Resposta Incondicionada (RI): A resposta natural e não aprendida eliciada pelo Estímulo Incondicionado (ex: salivação à comida).
- Estímulo Condicionado (SC): Um estímulo que, após ser emparelhado repetidamente com um Estímulo Incondicionado, passa a eliciar uma resposta.
- Resposta Condicionada (RC): A resposta aprendida que é eliciada pelo Estímulo Condicionado.
- Reflexo Condicionado: A relação estabelecida entre um Estímulo Condicionado (SC) e uma Resposta Condicionada (RC).
É crucial notar que o uso dos termos “neutro”, “incondicionado” e “condicionado” é relativo (1). Quando nos referimos a comportamentos reflexos (ou comportamentos respondentes), estamos descrevendo uma relação específica entre estímulo e resposta (1). Por exemplo, um estímulo considerado neutro para uma determinada resposta pode não ser neutro em outra situação (1).
Condicionamento Pavloviano e o Estudo das Emoções
Se um organismo é capaz de aprender novos reflexos, ele também pode aprender a emitir respostas emocionais diferentes na presença de novos estímulos (1). Um exemplo clássico é o experimento de Watson com o bebê Albert, que demonstrou como Albert aprendeu a ter medo de um estímulo previamente neutro (1).
Todos os indivíduos experimentam sensações de prazer ou desprazer em graus variados, e podemos sentir emoções distintas na presença dos mesmos estímulos (1). A principal razão para respondermos emocionalmente de formas diferentes a estímulos idênticos reside na história de condicionamento individual de cada pessoa (1). Passamos por diferentes emparelhamentos de estímulos ao longo da vida, o que molda nossas respostas emocionais (1).
Generalização Respondente
A generalização respondente é o fenômeno que ocorre após um condicionamento, no qual estímulos que se assemelham fisicamente ao estímulo condicionado original passam a eliciar a resposta condicionada em questão (1).
Por exemplo, uma pessoa que tenha vivenciado uma situação aversiva envolvendo uma galinha pode passar a emitir respostas de medo na presença desse espécime. Muito provavelmente, ela também apresentará essas respostas na presença de outras galinhas da mesma raça e, até mesmo, de outras aves (1). Isso ocorre em função das semelhanças físicas (cor, tamanho, textura, forma) entre o estímulo condicionado e os demais estímulos (1). A resposta condicionada pode, inclusive, ser eliciada na presença de partes do estímulo condicionado, como o bico da ave, suas penas ou suas pernas (1).
É importante ressaltar que as propriedades da resposta eliciada (magnitude, duração, latência) dependerão do grau de semelhança entre os estímulos (1). Quanto maior a semelhança entre os estímulos, maior será a magnitude e a duração da resposta eliciada, e menor será sua latência (1). A magnitude da resposta de medo eliciada diminui à medida que o estímulo apresentado se diferencia do estímulo condicionado original (1). A representação gráfica da variação na propriedade de resposta em função das diferenças/semelhanças físicas entre os estímulos é denominada gradiente de generalização (1). A amplitude do gradiente de generalização é um indicador do nível de generalização de um dado reflexo (1).
Respostas Emocionais Condicionadas Comuns
Assim como os indivíduos têm emoções diferentes em função de suas histórias de condicionamento, as pessoas também compartilham condicionamentos semelhantes que eliciam respostas análogas (1). Por exemplo, o medo de altura é tão comum que muitos acreditam ser uma característica inata. No entanto, ao analisar a história individual, é comum encontrar relatos de quedas (de mesas, cadeiras, escadas, etc.) (1). Nesse cenário, a visão da altura (estímulo neutro) é emparelhada com a dor da queda (estímulo incondicionado). Após o emparelhamento, a simples visão da altura pode eliciar medo (1).
Extinção Respondente e Recuperação Espontânea
Uma resposta reflexa condicionada pode deixar de ocorrer se o estímulo condicionado (SC) for apresentado repetidamente sem a presença do estímulo incondicionado (SI) (1). Para que um reflexo condicionado perca sua força, o estímulo condicionado deve ser apresentado sem novos emparelhamentos com o estímulo incondicionado (1). A necessidade de exposição ao estímulo condicionado sem o estímulo incondicionado é uma das razões pelas quais carregamos ao longo da vida uma série de medos e outras emoções que, de algum modo, nos atrapalham (1).
Uma característica interessante da extinção respondente é que, às vezes, após ter ocorrido (ou seja, após um estímulo condicionado não eliciar mais respostas condicionadas), a força do reflexo (magnitude, duração e latência) pode voltar espontaneamente (1). Contudo, nesse momento, a magnitude da resposta tende a ser menor (1). É importante ressaltar que novos emparelhamentos do estímulo condicionado (SC) com o estímulo incondicionado (SI) em um reflexo que havia entrado em processo de extinção podem recuperar a força da resposta para níveis similares aos do início (1).
Contracondicionamento e Dessensibilização Sistemática
Imagine uma pessoa com uma intensa fobia de aves. Supondo que esse medo tenha se desenvolvido por condicionamento respondente, sabe-se que, para extingui-lo, o indivíduo deveria ser exposto ao estímulo condicionado (aves) sem a presença do estímulo incondicionado ao qual as aves foram emparelhadas. No entanto, nesses casos, não é viável simplesmente “trancar a pessoa em um quarto cheio de aves” (1).
Felizmente, existem duas técnicas eficazes para produzir a extinção de um reflexo de forma menos aversiva (1):
- Contracondicionamento (1)
- Dessensibilização Sistemática (1)
O contracondicionamento consiste em condicionar uma resposta contrária àquela produzida pelo estímulo condicionado (SC) (1). Por exemplo, se um estímulo gera ansiedade, o contracondicionamento consistiria em emparelhar o SC a outro estímulo que elicie relaxamento (1).
A dessensibilização sistemática é uma técnica baseada na generalização respondente, que divide o processo de extinção em pequenos passos (1). Para utilizá-la, é necessário construir uma escala crescente de estímulos conforme as magnitudes que produzem, a chamada hierarquia de ansiedade (1). Essa hierarquia envolve uma lista de estímulos relacionados ao estímulo condicionado, começando com aqueles que eliciam respostas de medo de menor magnitude e progredindo em escala crescente até o estímulo fóbico original (1). Após a elaboração da hierarquia, o cliente é exposto a esses estímulos sequencialmente e repetidamente. Quando o estímulo inicial não mais elicia respostas, o indivíduo é submetido ao item seguinte da hierarquia da ansiedade. A extinção de uma variação do estímulo condicionado fóbico original resultará na diminuição da magnitude das respostas de medo diante de outras variações similares (1). A extinção realizada com o primeiro item da hierarquia de ansiedade resulta em uma diminuição da magnitude da resposta de medo eliciada pelo segundo item, e assim por diante. Esse processo resulta na extinção gradual, característica da dessensibilização sistemática (1).
Na prática, é muito comum utilizar a dessensibilização sistemática em conjunto com o procedimento de contracondicionamento (1). A utilização conjunta dos dois procedimentos torna as repetidas exposições aos estímulos fóbicos menos aversivas e acelera o processo de enfraquecimento do respondente (1).
Condicionamento Pavloviano e a Influência das “Palavras”
É comum ouvirmos que algumas palavras possuem uma forte “carga emocional”. Parte dessa “carga emocional” pode estar relacionada ao condicionamento respondente. Tendemos a considerar palavras faladas como algo mais do que realmente são. O emparelhamento de algumas palavras com situações que eliciam sensações agradáveis ou desagradáveis pode fazer seus sons passarem a eliciar respostas semelhantes àquelas eliciadas pelas situações em que elas foram ditas (1).
Por exemplo, é comum que palavras como “feio”, “burro”, “errado” sejam ouvidas em situações de punição, como uma surra ou reprimenda (1). Quando apanhamos, sentimos medo do agressor (1). Se a surra ocorre junto com xingamentos (emparelhamento de estímulos), as palavras ditas podem passar a eliciar sensações semelhantes àquelas que a agressão física eliciou, e o mesmo pode ocorrer com a audição da voz ou a simples visão do agressor (1).
Condicionamento Pavloviano de Ordem Superior
Novos reflexos são aprendidos a partir do emparelhamento de estímulos incondicionados com estímulos neutros (1). O condicionamento de ordem superior é um processo em que um estímulo previamente neutro passa a eliciar uma resposta condicionada como resultado de seu emparelhamento com um estímulo condicionado que já elicia a resposta em questão (1). Ou seja, trata-se do emparelhamento de um estímulo neutro com um estímulo condicionado (1). É importante notar que, quanto maior a ordem do reflexo condicionado, menor é sua força (1).
Fatores que Influenciam o Condicionamento Pavloviano
O condicionamento pavloviano não ocorre simplesmente pelo emparelhamento de estímulos. Diversos fatores aumentam as chances de o emparelhamento estabelecer condicionamento e influenciam a força da resposta condicionada (1).
Frequência dos Emparelhamentos
Quanto mais frequentemente o estímulo condicionado é emparelhado com o estímulo incondicionado, mais forte será a resposta condicionada (1). No entanto, em alguns casos, apenas um emparelhamento pode ser suficiente para o surgimento de uma resposta condicionada de alta magnitude. Além disso, o aumento na magnitude da resposta condicionada com o número de emparelhamentos não ocorre de forma ilimitada; haverá um ponto em que novos emparelhamentos não resultarão em aumentos subsequentes na magnitude da resposta (1).
Tipo de Emparelhamento
Respostas condicionadas mais fortes surgem quando o estímulo neutro é apresentado antes do estímulo incondicionado e permanece durante sua apresentação (1). Quando a ordem é invertida (estímulo incondicionado apresentado antes do estímulo neutro), as respostas reflexas condicionadas são mais fracas ou a probabilidade de condicionamento é menor (1).
Intensidade do Estímulo Incondicionado
Um estímulo incondicionado intenso tipicamente leva a um condicionamento mais rápido (1). Contudo, é importante deixar claro que o aumento na intensidade do estímulo incondicionado não produz aumentos indefinidos na força da resposta condicionada (1).
Grau de Predição do Estímulo Neutro
Para que ocorra o condicionamento, não basta apenas o emparelhamento repetido do estímulo neutro com o incondicionado. O estímulo neutro deve ser preditivo da ocorrência do estímulo incondicionado (1). Caso o estímulo neutro seja apresentado muitas vezes sem ser seguido pelo estímulo incondicionado, o condicionamento será menos provável de acontecer (1). O processo de extinção respondente ajuda a compreender isso, pois nas vezes em que o estímulo neutro é apresentado sem o estímulo incondicionado, ocorre um enfraquecimento da resposta condicionada (1).
Outras Aplicações do Condicionamento Pavloviano
O condicionamento pavloviano possui aplicações relevantes na área da saúde (1). Alguns autores demonstraram, por exemplo, que esse condicionamento se estende às respostas imunológicas. Pesquisadores administraram simultaneamente, em ratos, água com açúcar e uma droga supressora do sistema imunológico. Após vários emparelhamentos, a supressão imunológica passou a ocorrer apenas após a ingestão de água com açúcar (1).
Outro estudo demonstrou o efeito do condicionamento pavloviano no desenvolvimento da tolerância ao uso de drogas, assim como seu papel em casos de overdose, baseando-se na mudança de ambiente — fenômeno conhecido como overdose contextual (1). Essa conclusão foi feita com base no fato de que animais que receberam doses altas de heroína no ambiente em que estavam acostumados a utilizar a droga apresentaram uma menor taxa de mortalidade, ou seja, maior tolerância à substância. Provavelmente, o ambiente passou a ser um estímulo condicionado que eliciava respostas antecipatórias ao consumo da droga (1).
Referências Bibliográficas
- Moreira MB, Medeiros CA. Princípios básicos de análise do comportamento. 2. ed. Artmed; 2019.