Deposição de Gordura nos Rins: Impacto na Saúde Renal e Cardiovascular
Introdução
O acúmulo de tecido adiposo ao redor e dentro dos rins, conhecido como gordura perirrenal (GPR) e gordura do seio renal (GSR), representa um fator emergente na fisiopatologia de doenças cardiorrenais. Embora historicamente subestimada, essa deposição ectópica de gordura tem demonstrado relevância clínica crescente, influenciando desfechos em condições como a doença renal crônica e a insuficiência cardíaca.
Definição e Compartimentos Adiposos Renais
O tecido adiposo que envolve os rins pode ser dividido em dois compartimentos principais (1):
- Gordura perirrenal (GPR): Tecido adiposo localizado externamente à cápsula renal.
- Gordura do seio renal (GSR): Tecido adiposo localizado dentro do seio renal, próximo ao hilo.
A gordura renal é o único tecido adiposo do compartimento visceral envolto por uma fáscia (1). O excesso de adiposidade nessa região pode exercer um efeito compressivo no parênquima renal (1,2). O rim é circundado por uma cápsula rígida de tecido colágeno denso e irregular, que o protege contra a infiltração e compressão por estruturas perirrenais como a GPR (3). Contudo, a gordura que envolve o seio renal não está sob a proteção dessa cápsula renal, o que torna o excesso de GSR particularmente danoso devido à infiltração e compressão do hilo e de sua vasculatura (3).
A partir dessas observações, alguns autores desenvolveram a hipótese do “tamponamento renal”, que destaca a relevância da GPR e da GSR na fisiopatologia da doença cardiorrenal, com especial atenção à insuficiência cardíaca e à doença renal crônica (DRC) (3). Foi observado que a GPR está aumentada em indivíduos com obesidade e tem sido associada à presença de albuminúria e a um maior risco de desfechos renais (4). Além disso, o aumento da GPR é um fator preditor independente do índice de resistência renal em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) (4). Um estudo encontrou uma relação inversa entre a GPR e a Taxa de Filtração Glomerular Estimada (TFGe), demonstrando que aqueles com maior acúmulo de GPR exibiram a menor TFGe (4).
Diversos mecanismos foram propostos para explicar esses achados, incluindo:
- Compressão do parênquima renal pela GSR.
- Aumento da reabsorção de sódio.
- Aumento da atividade do sistema renina-aldosterona (SRA).
- Comprometimento da filtração glomerular.
- Lipotoxicidade renal.
- Inflamação ocasionada pela liberação de adipocitocinas locais e sistêmicas.
- Aumento do estresse oxidativo.
- Disfunção endotelial.
É importante ressaltar que descobertas recentes destacaram a inflamação da GPR como um fator de risco emergente e independente para a doença cardiovascular (2).
Relevância Clínica
Estudos recentes têm buscado identificar subtipos de diabetes do adulto. Dentre eles, dois subgrupos particulares foram caracterizados por aumento da gordura visceral, hepática e da GSR. O grupo com maior teor de GSR foi associado a um risco aumentado de doença renal crônica (em estágio 3 ou maior) e mortalidade (2).
Diagnóstico
O diagnóstico da deposição de gordura nos rins é realizado por métodos de imagem. Os mais utilizados são a ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) (5,6,7). No entanto, dada a origem e fisiopatologias distintas da DRC, a RM tem se mostrado mais elucidativa (6,7).
Tratamento
Farmacoterapia
Nos últimos anos, duas classes de antidiabéticos demonstraram benefícios significativos em desfechos cardiovasculares e renais (8):
- Agonistas do Receptor de GLP-1 (AR-GLP1).
- Inibidores do Cotransportador de Sódio-Glicose 2 (iSGLT2).
Foi observado que esses fármacos foram capazes de reduzir a gordura ectópica nos rins, no epicárdio e no fígado (8), indicando um potencial terapêutico para a esteatose renal.
Referências Bibliográficas
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