Abordagens Humanista e Social da Personalidade: Maslow, Rogers e Murray
Introdução
As abordagens humanista e social na psicologia da personalidade oferecem perspectivas complementares sobre o desenvolvimento e a constituição do self. Enquanto a abordagem humanista, com seus precursores Abraham Maslow e Carl Rogers, foca nos interesses e valores humanos, criticando a ênfase exclusiva no patológico, a teoria social de Albert Bandura destaca a influência dos fatores sociais e cognitivos. Henry Murray, com sua personologia, integra aspectos individuais com a influência ambiental, enriquecendo a compreensão da complexidade da personalidade humana.
Abordagem Humanista
A abordagem humanista foca na compreensão da personalidade a partir dos interesses e valores humanos, criticando as teorias que visavam apenas o patológico ou o negativo. Seus principais precursores foram Abraham Maslow e Carl Rogers. A autorrealização é uma temática comum entre os humanistas.
Abraham Maslow e a Hierarquia das Necessidades
Segundo Maslow (1), o ser humano é motivado por necessidades que se manifestam em graus de importância, organizadas em uma hierarquia. Ele ilustra essa hierarquia em sua famosa pirâmide das necessidades:
- Necessidades Fisiológicas: As necessidades básicas e mais intensas (alimentação, água, sexo). Emergem na infância e são consideradas necessidades de deficiência (D-needs), pois o fracasso em atendê-las produz um déficit no indivíduo (1).
- Necessidades de Segurança: Relacionadas à segurança física, estabilidade, dependência e proteção. Envolvem ser livre de forças e circunstâncias percebidas como ameaçadoras. A insatisfação leva à ansiedade (1). Incluem situações percebidas como ameaçadoras na infância, como animais, estranhos ou castigos (1).
- Necessidades de Afiliação e Amor: Ganham força na adolescência, expressas por meio de relacionamentos e interações com pares (1). Maslow considera emocionalmente desajustados aqueles que não têm suas necessidades de afiliação e amor satisfeitas (1).
- Necessidades de Estima: Predominantes na adolescência, envolvem a estima de si mesmo (autovalorização) e dos outros (reconhecimento social) (1).
- Necessidade de Autorrealização: A necessidade mais elevada na hierarquia, tende a emergir na meia-idade, relacionada ao senso de realização pessoal e à reflexão sobre o atingimento de todo o potencial (1). Maslow afirmava que pessoas que satisfazem essa necessidade alcançam o ápice do desenvolvimento humano, tornando-se livres, independentes, centradas em seus problemas e resolutivas (1).
Cada necessidade humana influencia a motivação e a realização do indivíduo, impulsionando-o para as necessidades subsequentes. Satisfazê-las leva ao crescimento, desenvolvimento e autorrealização, evidenciando sua importância na constituição da personalidade (1). A hierarquia de Maslow estabelece uma sequência ordenada: o indivíduo só é motivado e direcionado à necessidade seguinte quando a anterior for satisfeita, mesmo que parcialmente. Assim, não somos impulsionados por todas as necessidades ao mesmo tempo; sempre haverá uma dominando a personalidade, dependendo das que já foram satisfeitas (1).
Carl Rogers e a Abordagem Centrada na Pessoa
Rogers destaca o papel da experiência subjetiva sobre o ambiente externo, argumentando que a forma como situações e eventos são percebidos e interpretados determina o comportamento do indivíduo (1). A personalidade de cada um seria compreendida a partir do seu ponto de vista, com base em suas experiências subjetivas (1). Embora reconheça a influência das experiências da infância na percepção do ambiente e de si, Rogers afirmava que os sentimentos e emoções presentes têm um impacto ainda maior sobre a personalidade (1).
Para Rogers, somos seres com uma natureza essencialmente positiva, e o núcleo da personalidade humana tende à saúde e ao bem-estar (1). Nossas percepções do mundo formam o campo experiencial ou fenomenal, um “mundo privado” inacessível a outras pessoas, mas que pode ser compreendido com esforço para enxergar o mundo como o outro percebe e entender o significado que tem para ele (1). Interpretamos a realidade de acordo com nossas crenças, valores e percepções, que guiam nosso comportamento (1).
Teoria do Self (Rogers)
Rogers propôs uma motivação única, inata e imprescindível: a tendência à atualização, que é o impulso para desenvolver nossa capacidade e nossos potenciais ao máximo (1). Esse objetivo essencial é atualizar o Self para tornar-se “uma pessoa em pleno funcionamento” (1).
No Self estão as percepções conscientes que formam nosso autoconceito, que surge na primeira infância, quando começamos a entender que somos independentes do ambiente (1). As pessoas teriam uma necessidade fundamental de autorrealização, buscando o que Rogers denomina de “self ideal“, impulsionadas por uma tendência inata de realizar, manter e aprimorar o Self, desenvolvendo potencialidades biológicas e psíquicas apesar das adversidades. Essa motivação é chamada de tendência atualizante (1). Além disso, haveria uma tendência de desenvolvimento do mais simples para o mais complexo, denominada tendência formativa (1).
Somos movidos pela busca por harmonia das nossas percepções, evitando discrepâncias, principalmente em relação ao Self (1). Alinhar nossos comportamentos com nosso autoconceito leva ao que Rogers nomeou como congruência (1). Para Rogers, uma vez removidas as crenças limitadoras em relação ao próprio potencial, as pessoas ficam livres para atingir seu potencial autorrealizador (1).
Rogers foi quem cunhou o termo “terapia centrada na pessoa”, defendendo que a mudança da personalidade só é possível se o processo for centrado no indivíduo (1). Sugere que o dom de mudar ou aperfeiçoar a personalidade é inerente à pessoa; é ela, e não o terapeuta, quem determina a mudança (1).
Abordagem Social (Sociocognitiva)
Albert Bandura e a Teoria Sociocognitiva
Na teoria social, Albert Bandura postulou que os fatores mais importantes na constituição da personalidade são de natureza social e cognitiva (1). Para ele, a maioria dos fatores que moldam a personalidade, como a aprovação, a atenção e a aceitação social, são de natureza social (1).
A teoria sociocognitiva tenta prever como as pessoas aprendem e moldam sua personalidade observando os outros (1). Bandura passou a considerar a personalidade como uma interação entre três variáveis (1):
- Processos psicológicos individuais.
- Efeitos do ambiente.
- Comportamento.
Em resumo, para Bandura, a personalidade é um conjunto de processos e estruturas cognitivas associadas ao pensamento e à percepção, relacionando-se ainda ao autorreforço (recompensa ou punições a si mesmo) e à autoeficácia (adequação, eficácia ou competência para lidar com a vida) (1).
Henry Murray e a Personologia
Henry Murray enfatizou o comportamento individual como crucial para o entendimento da personalidade. Sua teoria foca no indivíduo em toda a sua complexidade, mas também valoriza o meio ambiente e suas influências no comportamento (1).
Em consonância com Freud, Murray aborda a influência do id, ego e superego na personalidade (1).
- Para Murray, o id contém não apenas os impulsos inatos, mas também os impulsos aceitáveis para o self e para a sociedade (1).
- O ego é o regente racional da personalidade, ponderando sobre os impulsos inaceitáveis do id, determinando conscientemente a direção do comportamento e mediando os conflitos entre id e superego (1).
- O superego internaliza os valores e as normas sociais e culturais, pelos quais se avaliam a própria conduta e a do outro, influenciado pelas relações sociais estabelecidas durante a vida (1).
Similar a outros teóricos humanistas, Murray considera a motivação um fator importante e utiliza o conceito de necessidades, assim como Rogers e Maslow (1). Na teoria de Murray, a necessidade envolve uma força psicoquímica cerebral que organiza e direciona a cognição e a percepção do indivíduo, influenciando, por sua vez, o comportamento (1). As necessidades podem surgir de processos internos biológicos (como fome ou sede) ou de eventos ambientais, e sempre elevam o nível de tensão no organismo, que atua para reduzi-la (1).
Murray estabeleceu cinco princípios fundamentais para sua personologia (1):
- Primeiro Princípio: A personalidade é controlada pela fisiologia cerebral, articulada a tudo que é controlado pelo cérebro: sentimentos, lembranças conscientes ou inconscientes, valores, crenças, temores e atitudes (1).
- Segundo Princípio: Envolve a constante busca pela redução da tensão característica da natureza humana, na qual o estado ideal busca a ação direcionada à diminuição da fonte de angústia ou tensão (1).
- Terceiro Princípio: Enfatiza a importância dos acontecimentos de toda a vida na formação e manutenção da personalidade do indivíduo, que continua a se desenvolver ao longo dos anos (1).
- Quarto Princípio: Complementa o terceiro ao enfatizar que a personalidade é passível de mudanças e evoluções (1).
- Quinto Princípio: Ressalta a singularidade do indivíduo ao mesmo tempo em que reconhece a possibilidade de similaridades (1).
Necessidades na Teoria de Murray
Murray descreve vinte necessidades que envolvem aspectos de sobrevivência (fisiológicos), psicogênicos (emocionais) e reativos (resposta ao ambiente), tais como: afiliação, agressão, autonomia, autodefesa, deferência, defesa física, defesa psíquica, discernimento, divertimento, domínio, exibição, humilhação, neutralização, ordem, realização, rejeição, segurança, sensibilidade, sexo e solidariedade (1).
Diferentemente de Maslow, que propôs uma hierarquia, Murray defende que nem todas as necessidades são sentidas por todos os indivíduos, nem há uma ordem específica em que precisam ser satisfeitas (1). No entanto, Maslow e Murray concordam sobre a existência da motivação do indivíduo em direção à satisfação de uma necessidade percebida (1).
Referências Bibliográficas
- SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. Teorias da Personalidade. 4. ed. CENGAGE, 2021.