Doença de Parkinson (DP): Fisiopatologia, Tratamento Farmacológico e Abordagens Complementares
Introdução
A Doença de Parkinson (DP) é uma alteração progressiva e crônica dos movimentos que afeta principalmente indivíduos idosos (1). Caracterizada pela perda progressiva de neurônios dopaminérgicos no sistema nervoso central, a doença manifesta-se por uma tríade de sintomas motores e, com a progressão, por uma variedade de manifestações não motoras que comprometem a qualidade de vida do paciente.
Fisiopatologia e Alterações Neuroquímicas
A DP é caracterizada pela perda progressiva de neurônios dopaminérgicos em todo o SNC, principalmente na substância negra (1, 2). Isso ocasiona prejuízos motores, como tremor, rigidez muscular, perda de coordenação e lentidão nos movimentos (2).
A perda de dopamina no corpo estriado, uma região cerebral crucial para o movimento, é extremamente acentuada em pacientes com DP (post mortem), geralmente com níveis inferiores a 10% do normal (1). A perda gradual de dopamina ocorre ao longo de vários anos, e os sintomas da DP só aparecem quando o conteúdo de dopamina no estriado cai para 20-40% do normal (1). A bradicinesia (lentidão dos movimentos) é o sintoma mais claramente relacionado a essa deficiência de dopamina (1). A rigidez e o tremor, por sua vez, envolvem alterações neuroquímicas mais complexas de outros neurotransmissores, como acetilcolina, norepinefrina, 5-hidroxitriptamina e GABA (1).
Patogênese e Aspectos Moleculares
A lesão neuronal na DP é causada por uma série de eventos, incluindo enovelamento e agregação proteica incorretos, disfunção mitocondrial, estresse oxidativo, inflamação e apoptose (1). A DP está associada ao desenvolvimento de agregados proteicos intracelulares conhecidos como corpos de Lewy, que se acumulam em várias partes do cérebro (1). Esses agregados consistem principalmente em α-sinucleína, uma proteína sináptica (1). Em circunstâncias como mutações genéticas, a α-sinucleína pode sofrer uma mudança conformacional e formar agregados tóxicos (1). Acredita-se que essa alteração torne a proteína resistente à degradação, fazendo-a acumular-se nos corpos de Lewy, o que compromete a sobrevivência celular (1).
Mutações genéticas que codificam proteínas envolvidas na função mitocondrial também foram identificadas como fatores de risco para a DP de início precoce, tornando as células mais suscetíveis ao estresse oxidativo (1).
Neurotoxinas
A descoberta de que o composto MPTP (1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidropiridina) causa a destruição irreversível de neurônios dopaminérgicos nigroestriatais, induzindo um estado de Parkinsonismo em primatas, levou ao desenvolvimento de modelos experimentais que se tornaram ferramentas úteis para testar novos tratamentos (1). A maior prevalência da DP em áreas agrícolas sugere que toxinas ambientais podem ser um fator etiológico (1).
Sinais e Sintomas
- Bradicinesia: Supressão dos movimentos voluntários, que torna a atividade motora difícil de começar e de parar (1).
- Tremor em repouso: Começa geralmente nas mãos (tremor do tipo “contar dinheiro”) e tende a diminuir durante a atividade voluntária (1).
- Rigidez muscular: Detectável como um aumento na resistência passiva ao movimento de um membro (1).
- Comprometimento cognitivo em grau variável (1).
- Marcha arrastada: Característica dos pacientes parkinsonianos, que acham difícil começar a andar e, uma vez em movimento, não conseguem parar ou mudar de direção com rapidez (1).
Com a progressão da doença, podem ocorrer diversas manifestações não motoras, como disfunção autonômica, alteração do sono, dor, alucinações e depressão (3).
Tratamento Farmacológico
O tratamento da DP é sintomático e visa restaurar o equilíbrio neuroquímico no cérebro.
- Levodopa: O tratamento de primeira linha para a DP (1). É combinada com um inibidor da dopa-descarboxilase (ex: carbidopa ou benserazida) para reduzir a dose necessária em cerca de 10 vezes e diminuir os efeitos adversos periféricos (1). A eficácia da levodopa pode diminuir com a progressão da doença, o que leva à combinação com um inibidor da COMT (catecol-O-metil transferase) em pacientes com flutuações motoras no “final da dose” (1). A levodopa aumenta a expectativa de vida dos pacientes com DP (1).
- Agonistas da dopamina: Exemplos incluem pramipexol, ropinirol e bromocriptina (1). Esses fármacos estimulam diretamente os receptores de dopamina no cérebro.
- Inibidores da MAO-B: Selegilina e rasagilina (1). Inibem a enzima que degrada a dopamina, aumentando sua disponibilidade.
- Antagonistas dos receptores muscarínicos da acetilcolina: Orfenadrina, prociclidina e triexifenidil (1).
Efeitos Adversos da Levodopa
A levodopa pode causar dois tipos principais de efeitos adversos (1):
- Discinesia: Movimentos involuntários que se desenvolvem na maioria dos pacientes após dois anos de tratamento (1). Esses movimentos ocorrem no pico do efeito terapêutico e a margem entre o benefício e o efeito discinético se torna progressivamente mais estreita (1).
- Flutuações no estado clínico: A bradicinesia e a rigidez podem piorar subitamente (efeito “liga-desliga”), refletindo a flutuação da concentração plasmática da levodopa (1).
Outros efeitos colaterais incluem náuseas, anorexia, hipotensão e efeitos psicológicos, como síndrome esquizofrenia-símile, delírios e alucinações (1).
Abordagens Complementares
Creatina
A suplementação de creatina pode ser uma intervenção benéfica para pacientes com Parkinson, pois pode ajudar a restabelecer a homeostase energética mitocondrial (2). Estudos em animais sugerem um potencial neuroprotetor da creatina contra a perda de neurônios dopaminérgicos (2). Em estudos com idosos, a suplementação de creatina por 24 meses foi associada a uma melhora no humor e no ânimo, além de uma melhor resposta à terapia dopaminérgica (2). Em um estudo, a suplementação ininterrupta por dois anos foi bem tolerada e segura (2).
DP e Distúrbios do Sono
Alterações do sono afetam 70 a 90% dos pacientes com DP, comprometendo a qualidade de vida (3). Dificuldades motoras, distonia noturna e tremor contribuem para essas anormalidades (3). Sintomas incluem sonolência diurna excessiva, episódios súbitos de sono, insônia, síndrome das pernas inquietas e transtorno comportamental do sono REM (3). O uso de levodopa e agonistas dopaminérgicos também pode agravar a sonolência (3).
Apesar dos desafios, algumas abordagens podem ser úteis:
- Higiene do sono: Evitar cochilos diurnos e manter uma rotina de sono consistente (3).
- Tratamento da depressão: O tratamento da depressão, comum nesses pacientes, pode melhorar o sono (3).
- Melatonina: Pode melhorar a qualidade do sono e ser utilizada no transtorno comportamental do sono REM (3).
- Terapia cognitivo-comportamental e terapia com luz (3).
Apesar das evidências, não há um consenso sobre as medidas terapêuticas para o tratamento das alterações do sono na DP (3).
Referências Bibliográficas
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
- GUALANO, B. Suplementação de Creatina. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 157 p.
- BACELAR, L. R. P. et al. III Consenso Brasileiro de Insônia • 2013: Do Diagnóstico ao Tratamento. São Paulo, 2013.