Própolis: Caracterização, Composição e Ações Terapêuticas


Própolis: Caracterização, Composição e Ações Terapêuticas


Introdução

O própolis, conhecido como “cola das abelhas”, é uma resina natural complexa, produzida a partir da cera e saliva das abelhas, e de substâncias coletadas de diversas fontes vegetais. Sua rica e variada composição química confere-lhe uma ampla gama de efeitos na saúde humana.


Caracterização e Composição do Própolis

O própolis é uma substância derivada de plantas, coletada pelas abelhas de diferentes fontes e processada com cera de abelha e saliva, funcionando como um mecanismo de defesa para a colmeia (2).

Aproximadamente 50% do própolis é composto por resina de plantas, 30% por cera de abelha, 10% por óleos essenciais, 5% por pólen e 5% por outras substâncias orgânicas (3). Em termos de consistência, o própolis é uma resina dura e quebradiça quando fria, tornando-se pegajosa e maleável quando aquecida (1).

Existem três categorias principais de própolis, baseadas em sua cor: verde, vermelho e marrom (2). As diferenças na composição são notáveis, especialmente na quantidade de flavonoides. O própolis marrom, por exemplo, apresenta maior quantidade de crisina e apigenina em comparação com o verde (3). Essa diversidade de compostos bioativos explica os amplos e variados efeitos do própolis na saúde (2).

A composição química do própolis é extremamente variável e difícil de padronizar, pois é altamente influenciada pela vegetação da região, clima e estação do ano (1). Mais de 300 compostos químicos já foram identificados no própolis (1, 2, 5). Os principais incluem:

  • Ácidos fenólicos ou seus ésteres
  • Flavonoides (considerados o principal componente do própolis) (1)
  • Terpenoides (responsáveis pelo aroma, representando cerca de 10%)
  • Aldeídos e álcool aromáticos
  • Ácidos graxos
  • Beta-esteroides
  • Stilbenos

O própolis também contém micronutrientes (Mg, Ca, I, K, Na, Cu, Zn, Mn e Fe), vitaminas (B1, B2, B6, C e E) e algumas enzimas derivadas das secreções das abelhas (1, 5).

No Brasil, foram encontrados compostos específicos, como ácido cafeico, ácido gálico, ácido p-cumárico, epicatequinas, quercetina, luteolina, artepelina C e CAPE (éster fenetílico do ácido cafeico) (1, 4). Curiosamente, grandes diferenças no conteúdo total de compostos fenólicos entre diferentes extratos não foram observadas (5).

Diferenças entre Tipos de Própolis

  • Própolis Verde: Foram identificados 6 derivados de ácido hidroxicinâmico e cinâmico e 11 flavonoides (3).
  • Própolis Marrom: Apresenta 2 ácidos hidroxicinâmico, 13 flavonoides e 1 ácido fenólico (3). É conhecido por ter maior concentração de flavonoides, incluindo flavonas (crisina e apigenina), flavononas (pinocembrim) e flavonóis (galangina) (3).
  • Própolis Vermelho: Possui uma composição específica que o diferencia dos demais.

Metabolismo e Segurança

O própolis apresenta baixa biodisponibilidade e absorção.

Em relação à segurança, alguns estudos estimam que doses seguras podem chegar a 70 mg/dia (2). A dose letal (LD50) para o própolis em ratos foi estimada em 7,34 g/kg de peso (2). Casos de intolerância ao própolis são raros (2). Apesar de não terem sido encontrados efeitos colaterais gerais do uso de própolis, alguns estudos sugerem que certos compostos podem inibir a via do óxido nítrico nos rins, diminuindo sua perfusão e, potencialmente, gerando falha renal aguda em pacientes de risco (2).


Efeitos na Saúde e Recomendações Nutricionais

O efeito protetor, imunológico e antioxidante do própolis é atribuído a seus compostos fitoquímicos bioativos (2). O pinocembrim é um dos flavonoides com maior concentração no própolis (2). Os efeitos do própolis parecem ser devidos principalmente às suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, que podem abranger uma gama de efeitos subsequentes (2). Um estudo demonstrou que o própolis marrom possui uma maior capacidade modulatória, capaz de modificar a expressão de genes como TNF-α, NFE2L2 e GPX2 (3).

Antioxidante

A propriedade antioxidante do própolis é bem documentada (2), sendo atribuída principalmente a compostos derivados do ácido cafeoilquínico, que apresentam alta capacidade de remoção de radicais livres (2). Os polifenóis, um de seus principais constituintes, permitem que o própolis remova radicais livres. Os flavonoides são poderosos antioxidantes, protegendo as membranas celulares contra a peroxidação lipídica e atuando como queladores de ferro, o que diminui a produção de radicais livres dependentes de ferro (2). O própolis pode ser útil na prevenção e manutenção de pacientes com doenças crônicas causadas pelo estresse oxidativo (3).

Anti-inflamatório

A inflamação é uma interação complexa entre o sistema imune e um tecido injuriado, visando restaurar a homeostase tecidual via uma complexa sinalização de vias (2). Os principais mecanismos anti-inflamatórios propostos para o própolis incluem (5):

  • Inibição da ciclo-oxigenase (COX) com consequente inibição da biossíntese de prostaglandinas (2, 5). A inibição farmacológica da COX pode aliviar sintomas de inflamação e dor (2, 5).
  • Remoção de radicais livres (2, 5).
  • Inibição da síntese do óxido nítrico (2, 5).
  • Redução da concentração de citocinas pró-inflamatórias (2, 5).
  • Atividade imunossupressora (2, 5).

A ação anti-inflamatória do pinocembrim, por exemplo, foi capaz de reduzir a expressão de IL-6, TNF-α e iNOS (2). O própolis marrom demonstrou diminuir significativamente a expressão de TNF-α em células in vitro, enquanto o própolis verde não o fez (3). Além disso, o própolis marrom induziu uma redução na concentração de NFE2L2, um regulador da transcrição de genes que codificam proteínas envolvidas em respostas a danos por estresse oxidativo e inflamação (3). O éster fenetílico do ácido cafeico (CAPE) é um importante protetor da peroxidação lipídica da membrana dos eritrócitos, inibindo a liberação de citocinas inflamatórias e aumentando a produção de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e IL-4 (3). Diversos estudos demonstram que o própolis age como um potente agente anti-inflamatório em inflamações crônicas e agudas (5).

Própolis e Obesidade

No processo de ganho de peso, ocorre hiperplasia e hipertrofia dos adipócitos. Adipócitos hipertrofiados secretam mediadores que geram disfunção metabólica (1). Paralelamente, há infiltração de macrófagos no tecido adiposo, causando inflamação de baixo grau e aumentando os níveis de adipocinas e mediadores de ácidos graxos, o que afeta o metabolismo energético do fígado e do músculo (1).

Um estudo com própolis vermelho do Brasil mostrou efeitos benéficos no tratamento e prevenção da obesidade e suas desordens (1). Além disso, o própolis verde e vermelho foram capazes de aumentar a expressão da leptina (1). Estudos indicam que o própolis brasileiro melhora o quadro de ganho de peso e dislipidemia ao modificar a expressão de proteínas envolvidas no depósito de gordura e no metabolismo lipídico (1).

Propriedades Anticâncer

O câncer é caracterizado por um ciclo celular aberrante, resultante de mutações em vias sinalizadoras ou lesões genéticas (1). O própolis, devido às suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, melhora a regulação do ciclo celular, exercendo atividade anticancerígena (1). Diversos estudos demonstram a ação do própolis em várias células tumorais, com efeitos benéficos em uma ampla gama de cânceres (1). Seus efeitos anticancerígenos estão relacionados à inibição do ciclo celular, indução de apoptose, e redução da viabilidade, crescimento e proliferação celular (1).

Diabetes

A hiperglicemia e a dislipidemia geram aumento do estresse oxidativo, que causa disfunção celular. A hiperglicemia persistente aumenta a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) em diversos tecidos e diminui os mecanismos antioxidativos via glicação de enzimas “scavenger” (1).

Diversos estudos (em animais) mostraram a diminuição da glicose sanguínea com o uso de própolis (1). Em duas semanas de tratamento, observou-se redução da glicose sanguínea, e em seis semanas, diminuição da hemoglobina glicada (1). Também foi notada melhora nos níveis de HOMA-IR. O própolis foi capaz de diminuir os níveis de AST e ALT em ratos diabéticos (1), efeitos frequentemente associados aos flavonoides (1). Um estudo encontrou possível melhora na translocação do GLUT4, otimizando a captação de glicose pelo músculo de forma dose-dependente (1).

Função Hepática

Estudos demonstraram redução nos níveis de ALT, AST, ureia sanguínea e taxa de excreção de microalbuminúria, indicando um efeito benéfico na função hepatorenal (5). O extrato de própolis demonstrou significativa recuperação celular no fígado (5). O extrato alcoólico mostrou um efeito protetor contra injúria hepática mediada pelo consumo de álcool, prevenindo a elevação da enzima citocromo p-450, citocromo C redutase dependente de NADPH, hidroxilação da anilina, 7-ERH, 7-PRH e da peroxidação lipídica (5).

Efeito Neuroprotetor

O própolis apresentou propriedades neuroprotetoras in vitro e in vivo, via mecanismos antioxidantes, anti-inflamatórios e imunomoduladores (5). No cérebro, o estresse oxidativo é a principal causa de injúria e tem um papel importante na patogênese do dano neuronal. Em ratos, a suplementação de própolis foi capaz de prevenir danos neuronais e melhorar condições neurológicas (2). Isquemia, epilepsia, disfunção degenerativa, doença de Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla parecem ser influenciadas pelo uso do própolis (2), pois essas doenças estão ligadas ao aumento da concentração de estresse oxidativo no cérebro, induzindo inflamação e diminuindo a resposta imune cerebral (2).

O própolis amarelo do Brasil, rico em triterpenoides, demonstrou efeitos ansiolíticos e antidepressivos em doses baixas (1 mg/kg). Além disso, o extrato alcoólico na dose de 30 mg/kg em ratos melhorou a cognição sem efeito sedativo (5). Os estudos suportam o uso do própolis para a saúde cerebral, especialmente na proteção contra o envelhecimento e o estresse oxidativo (5).

Efeito Cardioprotetor – Aterosclerose

Alguns estudos indicaram que o efeito cardioprotetor do própolis resulta de suas atividades antioxidantes e de seus compostos (2). Outro fator coadjuvante é a interação dos efeitos antioxidantes com a geração de óxido nítrico no endotélio vascular, resultando em vasodilatação e na expressão de genes protetores do sistema cardiovascular (2). Também foi observado que o uso do própolis pode aumentar o HDL e diminuir os níveis de LDL, VLDL e colesterol total (1, 5). As evidências in vitro e in vivo sugerem que o própolis é um potencial candidato na prevenção da aterosclerose (5).

Ação Imunomoduladora e Antimicrobiana

Diversas atividades antibacterianas do própolis foram demonstradas (2). A indústria desenvolveu produtos orais visando a ação antibacteriana, mas sua eficácia é questionável (2).

Própolis Verde e COVID-19

Um estudo indicou que os compostos bioativos do própolis têm a capacidade de atuar/modular diversos “alvos” afetados pelo coronavírus (4). Além disso, estudos anteriores já haviam demonstrado propriedades antivirais, anti-inflamatórias, cicatrizantes, anticâncer, imunorreguladoras, neuroprotetoras e antioxidantes do própolis (4).

Um estudo clínico utilizou doses padronizadas de própolis (EPP-AF®), administrando 400-800 mg/dia, divididas em doses de 100 ou 200 mg, quatro vezes ao dia (4). O uso de própolis por 7 dias foi associado à redução no tempo de hospitalização de pacientes com COVID-19 (4). Houve uma tendência de que pacientes usando própolis reduzissem a necessidade de terapias invasivas de oxigênio, embora esse achado precise de mais confirmação (4). Pacientes recebendo doses mais altas de própolis apresentaram redução significativa da incidência de injúria renal em comparação com o grupo controle (4). (Vale ressaltar que este estudo foi patrocinado por uma indústria produtora de própolis e pela rede D’OR) (4).

Saúde Intestinal

Os polifenóis do própolis podem suportar uma microbiota “ótima” ao inibir o crescimento de bactérias patogênicas e suprimir sua adesão às células intestinais (2). No entanto, o própolis também pode afetar o crescimento de algumas bactérias benéficas. Um estudo in vitro mostrou uma diminuição no número de Bifidobacteria spp., mas mesmo em menor quantidade, essas bactérias foram capazes de liberar maior quantidade de ácidos graxos de cadeia curta, como o ácido butírico (2). As descobertas sobre a influência do própolis no intestino abrem novas perspectivas de tratamento para doenças como colite ulcerativa e inflamatória (2).

Artrite

A artrite induzida em ratos foi suprimida com o tratamento do extrato de própolis (50-100 mg/kg/dia), e a fraqueza física devido à doença crônica melhorou de forma dose-dependente (5).

Condições Pulmonares

O tratamento com própolis levou à redução da inflamação pulmonar e à diminuição da produção de muco (5).

Recuperação de Feridas e Proteção da Pele

Em queimaduras tratadas com produtos contendo própolis, foram encontradas menores concentrações de radicais livres (2). O efeito anti-inflamatório do própolis também demonstrou melhorar a cicatrização de feridas (2).


Conclusão

A maior parte dos estudos sobre o própolis ainda é realizada em células, com um número limitado de estudos em humanos (2). No entanto, seus efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes são bem definidos na literatura (2). Os resultados sugerem que o própolis exerce um efeito protetor em indivíduos saudáveis, prevenindo o desenvolvimento de inflamação crônica, que é a base de muitas doenças, incluindo diabetes, câncer e doenças cardiovasculares (3). Não é possível atribuir os benefícios do própolis a apenas uma substância, pois é provável que o conjunto de seus compostos seja responsável pelos seus efeitos terapêuticos (3).


Referências Bibliográficas

  1. Rivera-Yañez, N. et al. Biomedical properties of propolis on diverse chronic diseases and its potential applications and health benefits. Nutrients, v. 13, n. 1, p. 1–31, 2021.
  2. Braakhuis, A. Evidence on the health benefits of supplemental propolis. Nutrients, v. 11, n. 11, 2019.
  3. Zaccaria, V. et al. Effect of green and brown propolis extracts on the expression levels of microRNAs, mRNAs and proteins, related to oxidative stress and inflammation. Nutrients, v. 9, n. 10, p. 1–17, 2017.
  4. Silveira, M. A. D. et al. Efficacy of Brazilian green propolis (EPP-AF®) as an adjunct treatment for hospitalized COVID-19 patients: A randomized, controlled clinical trial. Biomedicine & Pharmacotherapy, v. 138, 2021.
  5. Bhargava, P. et al. Experimental Evidence for Therapeutic Potentials of Propolis. Nutrients, v. 13, n. 8, p. 2528, 2021.

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