Riboflavina (Vitamina B2): Aspectos Clínicos e Fisiológicos


Riboflavina (Vitamina B2): Aspectos Clínicos e Fisiológicos


Introdução

A riboflavina, ou vitamina B2, é uma vitamina hidrossolúvel de importância central como cofator redox no metabolismo energético. Essencial para a geração de energia celular aeróbia via fosforilação oxidativa, a riboflavina atua também na metabolização de fármacos e compostos tóxicos, na formação de eritrócitos, na neoglicogênese e na regulação de enzimas tireoidianas (1, 2).


Recomendações Nutricionais

As Recomendações de Ingestão Dietética (DRIs) para riboflavina variam conforme o sexo e o estado fisiológico:

  • Homens (RDA): 1,3 mg/dia
  • Mulheres (RDA): 1,1 mg/dia
  • Gestantes (RDA): 1,4 mg/dia
  • Lactantes (RDA): 1,6 mg/dia

Estudos de depleção indicam que a dose mínima diária necessária de vitamina B2 varia entre 0,5 a 0,8 mg/dia (2). Alguns autores correlacionam a necessidade de riboflavina com o gasto energético, sugerindo uma ingestão de 0,6 a 0,8 mg/1000 kcal (2).

Fontes Alimentares

A riboflavina pode ser obtida de diversas fontes alimentares, como leite e derivados, vísceras, ovos, farelo de aveia, amêndoa, soja, queijo cottage, cavala, lombo de porco, boi magro, semente de abóbora e pão branco.

Suplementação

A suplementação de riboflavina em doses de 400 mg/dia tem demonstrado eficácia na profilaxia da enxaqueca (2).


Absorção, Biodisponibilidade e Metabolismo

A riboflavina é precursora da flavinamononucleotídeo (FMN) e da flavinadeninadinucleotídeo (FAD), podendo ser encontrada na natureza em sua forma livre (2). Embora alguns alimentos, como leite e ovos, contenham riboflavina livre, a maioria dos alimentos apresenta a vitamina como coenzima de flavina ligada a enzimas, com aproximadamente 60% a 90% na forma de FAD (2).

No lúmen intestinal, o FAD e o FMN são hidrolisados por fosfatases, liberando a riboflavina livre (2). A absorção da riboflavina ocorre na porção proximal do intestino delgado, por um mecanismo saturável e dependente de sódio (2). Não há absorção contra um gradiente de concentração, e o pico de concentração plasmática é observado apenas com doses superiores a 40-50 µmol (15-20 mg) (2,3). A absorção de uma única dose elevada de vitamina B2 é inexpressiva (2,3).

Ainda que a microbiota intestinal possa produzir riboflavina, a excreção fecal observada é cinco vezes maior do que a ingestão. No entanto, a existência de carreadores específicos para a absorção intestinal de riboflavina sugere uma regulação mais precisa da homeostase corporal dessa e de outras vitaminas, além da presença de estoques nos próprios colonócitos (2).

Grande parte da riboflavina absorvida é fosforilada a riboflavina fosfato na mucosa intestinal pela flavoquinase, e então entra na circulação sanguínea. Esse processo não é essencial para a absorção da vitamina (2). A riboflavina administrada por via enteral também é fosforilada na mucosa intestinal (2).

Não há evidências de reservas significativas de riboflavina no organismo. Contudo, em situações de deficiência, a conservação da riboflavina nos tecidos torna-se altamente eficiente (2). Há uma limitação na absorção da riboflavina, e qualquer ingestão elevada é rapidamente excretada (2).

Biodisponibilidade e Processamento de Alimentos

A biodisponibilidade da vitamina B2 é influenciada pelo processamento dos alimentos. Métodos como branqueamento, moagem, fermentação e refino podem resultar em perdas significativas da vitamina (2). A desidratação de frutas e vegetais por exposição solar prolongada e intensa pode oxidar a vitamina (2). Leite e derivados, em particular, devem ser protegidos em embalagens opacas para evitar a degradação pela luz, especialmente a luz fluorescente em estabelecimentos comerciais (2).


Toxicidade

Não foi observada toxicidade da riboflavina quando administrada por via oral (2). Em doses parenterais extremamente elevadas (300-400 mg/kg), a baixa solubilidade da riboflavina pode levar à sua cristalização nos rins (2). O Nível de Efeito Adverso Não Observado (NOAEL) para riboflavina é de 200 mg/dia, enquanto o Nível de Efeito Adverso Mínimo Observado (LOAEL) e o Limite Superior de Ingestão Tolerável (UL) ainda não foram estabelecidos (2).


Avaliação Laboratorial do Status de Riboflavina

A excreção urinária de riboflavina e seus metabólitos pode ser um indicador do estado nutricional do indivíduo (2). Tanto a excreção basal quanto a excreção após uma dose-teste refletem o status da vitamina (2). No entanto, a correlação entre a excreção urinária e a ingestão de riboflavina é mais precisa quando o indivíduo está em balanço nitrogenado neutro (2). Pessoas em balanço nitrogenado negativo podem apresentar maior excreção urinária devido ao catabolismo de flavoproteínas teciduais e à perda de seus grupos prostéticos (2). Em contrapartida, indivíduos em balanço nitrogenado positivo demonstram uma diminuição na excreção, devido ao aumento da síntese de flavoproteínas (2).

A concentração plasmática de riboflavina não é um indicador confiável do estado nutricional. A riboflavina eritrocitária é sugerida como um reflexo mais preciso da saturação tecidual (2). A enzima glutationa redutase eritrocitária é particularmente sensível à depleção de riboflavina e sua atividade pode ser usada como um índice do status da vitamina, sendo um marcador sensível a alterações na ingestão (2). A interpretação desse exame pode ser dificultada pela presença de anemia, sendo mais comum a utilização do coeficiente de ativação da glutationa redutase eritrocitária pela adição de FAD in vitro (2). Um coeficiente entre 1 e 1,4 indica um estado nutricional adequado, enquanto um coeficiente superior a 1,7 sugere deficiência (2).


Deficiência de Riboflavina

A deficiência de vitamina B2 é relativamente comum, mas não é fatal e não está associada a uma doença específica (2). Estudos em diversos países (Reino Unido, Estados Unidos, Europa) identificaram maior incidência em idosos, gestantes no terceiro trimestre e pacientes com anemia, câncer e doenças cardiovasculares (2).

A deficiência pode se desenvolver em gestantes, lactantes e lactentes devido à baixa ingestão de laticínios e carnes (2). Em idosos, a causa provável é a maior demanda e a menor eficiência absortiva dos enterócitos (2). Atletas podem desenvolver deficiência devido à maior necessidade metabólica decorrente do exercício vigoroso (2). Indivíduos com transtornos alimentares também são suscetíveis devido à menor ingestão alimentar e ao aumento da prática de exercícios físicos (2).

Clinicamente, a deficiência é caracterizada por:

  • Estomatite angular (lesões nos cantos da boca) (2).
  • Queilose (lesões labiais) (2).
  • Glossite (descamação dolorosa da língua, tornando-a vermelha, ressecada e atrófica) (2).
  • Dermatite seborreica, afetando especialmente as regiões nasolabiais, com anormalidades cutâneas ao redor da vulva e do ânus (2).
  • Conjuntivite com vascularização da córnea e opacidade do cristalino (2).

O principal impacto da deficiência de riboflavina é no metabolismo lipídico (2). Animais deficientes apresentam uma razão metabólica reduzida em comparação com os controles, necessitando de uma ingestão alimentar 15% a 20% maior para manter o peso corporal (2). Uma dieta rica em gordura pode provocar uma redução marcante no crescimento, exigindo maior quantidade de riboflavina para sua restauração (2).

A deficiência de riboflavina pode, por vezes, estar associada à anemia hipocrômica microcítica, como resultado da diminuição da absorção de ferro (2). Isso ocorre porque o transporte de ferro requer oxidação, uma reação catalisada por uma enzima dependente de flavina (2). Consequentemente, na deficiência de riboflavina, uma grande proporção de ferro fica retida nas células da mucosa intestinal, ligada à ferritina, e é posteriormente perdida nas fezes (2).

Alguns autores também sugerem que a deficiência de vitamina B2 prejudica o metabolismo hepático da vitamina B6, o que pode levar a alterações na via do triptofano (2). Isso pode resultar em síntese reduzida de NAD a partir do triptofano e ser um fator na etiologia da pelagra (2).


Funções Fisiológicas Adicionais

Função Antioxidante

A riboflavina atua como antioxidante ao participar da reação de regeneração da glutationa, de sua forma oxidada para reduzida (1). Em estudos experimentais, a vitamina B2 demonstrou atividade na prevenção do estresse oxidativo e da toxicidade mitocondrial (2). A combinação de riboflavina com outras vitaminas envolvidas na regulação do metabolismo energético conferiu estabilidade à respiração mitocondrial, melhorando inclusive o efeito do quimioterápico tamoxifeno no tratamento de câncer de mama em ratos (2). Em humanos, alguns trabalhos demonstraram benefícios na deficiência de acetil-CoA desidrogenase, aprimorando a atividade de enzimas na mitocôndria (2).

Homocisteína

A riboflavina, juntamente com o ácido fólico e as vitaminas B12 e B6, demonstrou capacidade de reduzir a concentração plasmática de homocisteína (2). O excesso de homocisteína pode aumentar o risco cardiovascular (2). No entanto, esses efeitos foram observados apenas em casos de hiper-homocisteinemia grave (2). A ação da riboflavina na ativação da piridoxina e o envolvimento de ambas no metabolismo da homocisteína são vias plausíveis na fisiopatologia de doenças neurológicas, considerando que qualquer acúmulo de homocisteína por insuficiência vitamínica pode gerar consequências neurológicas (2).

Neuroproteção

Revisões que abordam o uso de riboflavina como nutriente neuroprotetor atestam seus efeitos contra a neuroinflamação, a formação de espécies reativas de oxigênio (ROS), e a excitotoxicidade do glutamato e do óxido nítrico (2). Esses agentes estão envolvidos em diversas patologias neurológicas, incluindo as relacionadas à disfunção mitocondrial e às doenças neurodegenerativas (2).

Enxaqueca

A Academia Americana de Neurologia considera o tratamento com riboflavina para a profilaxia da enxaqueca, visando à diminuição do número de crises (2). Estudos clínicos em crianças e adultos demonstraram uma redução de 59% na frequência das crises com doses próximas a 400 mg/dia de riboflavina (2).

Desempenho esportivo:

A suplementação de riboflavina (B2) não parece melhorar a capacidade de exercício em atletas com ingestão dietética normal.


Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  2. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
  4. JAGIM, A. R. et al. International Society of Sports Nutrition position stand: energy drinks and energy shots. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 20, n. 1, p. 2171314, 2023.

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