L-Carnitina: Fisiologia, Alegações e Evidências Clínicas
Introdução
A L-carnitina (também conhecida como carnitina) é uma substância semelhante a uma vitamina e um aminoácido não modificado por proteínas (1). Seres humanos saudáveis produzem carnitina a partir da metionina e da lisina em quantidades suficientes para manter reservas corporais funcionais, com importante influência da vitamina C, íons de ferro e niacina em sua produção (1, 5). Ela é produzida principalmente nos rins e no fígado, que juntos contêm 1,6% de toda a reserva corporal, enquanto o restante (~98%) é armazenado no músculo esquelético e no miocárdio (1, 5).
Fisiologia e Metabolismo
Função Primária
A função primária da carnitina é transportar os ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) do citoplasma para a matriz mitocondrial (5). A membrana interna mitocondrial é impermeável aos AGCL, e sem a L-carnitina, a maioria dos lipídios ingeridos na dieta não pode ser utilizada como fonte de energia de forma tão eficaz, pois a passagem destes do citoplasma para a matriz depende do complexo carnitina-palmitoil-transferase (CPT) (1, 2, 5). Uma vez no interior da mitocôndria, os AGCL podem ser degradados a acetil-CoA por beta-oxidação (5).
Outros Mecanismos Propostos
A carnitina também tem um papel importante na manutenção da razão acetil-CoA:CoA na célula (5). Durante o exercício de alta intensidade, há uma grande produção de acetil-CoA, resultando em uma razão acetil-CoA:CoA aumentada, o que, por sua vez, leva ao aumento da formação de lactato (5). Portanto, em teoria, a carnitina atua como um escoadouro do excesso de acetil-CoA e atenua o acúmulo de ácido láctico, aumentando assim o desempenho no exercício de alta intensidade (5). Ao aumentar a oxidação de gordura durante o exercício, ela também permite poupar o glicogênio muscular, aumentando o desempenho no exercício de endurance (5).
Além disso, ela atua na formação de espécies reativas de oxigênio, na produção de energia, capturando grupos acetil, e no metabolismo da glicose (1). Sugere-se também que desempenha um papel inibitório na diferenciação precoce de células de pré-adipócito (2).
Absorção e Eliminação
A captação de carnitina pelo músculo ocorre na contramão do gradiente de concentração, através de um processo de transporte ativo e saturável (5). O pico de concentração sérica gira em torno de 3 horas e apresenta uma meia-vida de aproximadamente 4,2 horas (2). A carnitina é um produto final do metabolismo, sendo perdida no corpo apenas através das fezes e da urina, com perdas diárias mínimas (<60 mg/dia), podendo esse valor ser ainda menor em dietas sem carne vermelha (5).
Alegações, Evidências Clínicas e Indicações
Alegações de Desempenho e Perda de Peso
Alega-se que a carnitina melhora a oxidação de gordura e o desempenho no exercício de resistência, auxiliando a perda de peso e melhorando o VO2max (5). Alguns estudos demonstraram que ela é captada pelo músculo e, quando ingerida junto com carboidratos, é capaz de melhorar o desempenho no exercício de resistência (5).
No entanto, numerosas revisões confirmam que a suplementação de carnitina por si só não aumenta a oxidação de gordura, não diminui a quebra de glicogênio e não melhora o desempenho durante as práticas de exercício (5). Diversos estudos cuidadosamente conduzidos demonstraram que a ingestão oral de carnitina (ingestão diária por 3 meses) não foi capaz de aumentar a concentração muscular de carnitina. Nem mesmo a infusão de carnitina por 5 horas aumentou a concentração muscular de carnitina (5).
Assim, qualquer alegação referente aos efeitos da carnitina sobre a oxidação de gordura ou perda de peso são infundadas (5). Além disso, a cinética enzimática indica que o músculo humano em repouso dispõe de uma quantidade de carnitina livre mais do que suficiente para possibilitar que a enzima CPT I apresente atividade máxima (5). A elevação de carnitina plasmática não gerou os efeitos esperados para o emagrecimento (4), e a ingestão de carnitina junto ao treinamento aeróbio não gerou perda de peso (3).
Emagrecimento
Em relação à sua potencial ação no controle do peso, propõe-se que ela atue através da melhora do controle glicêmico e por sua atividade hipolipemiante (1). Uma meta-análise mostrou que a suplementação de L-carnitina foi capaz de gerar perda de peso e diminuição do IMC, porém apenas em indivíduos com sobrepeso/obesidade (1). Não foram observadas reduções na circunferência da cintura nem no percentual de gordura (1). É importante ressaltar que a maior parte dos estudos não considerou alterações nas medidas antropométricas como resultado primário da suplementação (1). Aparentemente, o consumo de uma dieta saudável é melhor e mais lógico quando comparado à suplementação de carnitina (1).
Indicações Específicas
- Vegetarianos/Veganos: Níveis de L-carnitina são mais baixos em vegetarianos e veganos devido à baixa ingestão dietética (2).
- Emagrecimento: Apenas em casos de sobrepeso/obesidade, conforme meta-análise (1).
Fontes e Suplementação
Fontes Alimentares
A carnitina (L-carnitina) é uma substância muito presente nas carnes vermelhas, bem como em outras carnes, peixes e produtos de origem animal (1, 5).
Suplementação
A dose segura confirmada até hoje é de 2g/dia (2).
Efeitos Colaterais e Segurança
Foram observados alguns efeitos colaterais com o uso de carnitina (2g/dia), como náuseas, desconforto estomacal e um aumento na produção de TMAO (óxido de trimetilamina), que está muito relacionado ao aumento do risco para aterosclerose e outras doenças (1). O único efeito adverso constantemente relacionado é o odor corporal e da urina (2).
Referências Bibliográficas
- TALENEZHAD, N. et al. Effects of L-carnitine supplementation on weight loss and body composition: A systematic review and meta-analysis of 37 randomized controlled clinical trials with dose-response analysis. Clin Nutr ESPEN, v. 37, p. 9–23, 2020.
- LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
- VILLANI, R. G. et al. L-Carnitine supplementation combined with aerobic training does not promote weight loss in moderately obese women. Int J Sport Nutr Exerc Metab., v. 10, n. 2, p. 199–205, 2000.
- NOVAKOVA, K. et al. Effect of l-carnitine supplementation on the body carnitine pool, skeletal muscle energy metabolism and physical performance in male vegetarians. Eur J Nutr, v. 55, n. 1, p. 207–217, 2016.
- JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.