Selênio: Metabolismo, Funções e Implicações na Saúde


Selênio: Metabolismo, Funções e Implicações na Saúde


Introdução

O selênio é um elemento traço essencial, fundamental para diversas funções biológicas no organismo humano. Suas propriedades são atribuídas principalmente ao seu papel como antioxidante, o que o torna um micronutriente central em processos imunológicos e inflamatórios. Compreender suas formas, metabolismo, e a janela entre deficiência e toxicidade é crucial para a prática clínica.


Fisiologia do Selênio

A valência variável do átomo de selênio permite que ele participe da formação de diferentes tipos de moléculas, com potenciais distintos para adquirir ou doar elétrons durante as reações químicas (5). As funções biológicas do selênio são atribuídas ao seu papel como antioxidante, tornando-o um micronutriente chave em processos imunológicos e inflamatórios (5).

Formas do Selênio

O selênio pode ser encontrado em duas formas principais (5):

  • Forma Inorgânica:
    • Selenito de sódio (NaSeO3​)
    • Selenato de sódio (Na2​SeO4​)
    • Nota: A forma inorgânica é a mais relevante do ponto de vista nutricional, encontrada na água e utilizada no enriquecimento de alimentos (5).
  • Forma Orgânica:
    • Selenocisteína (SeCys)
    • Selenometionina (SeMet)

Absorção e Metabolismo

O selênio é mais biodisponível em alimentos de origem vegetal, onde é encontrado principalmente na forma de selenometionina. Em alimentos de origem animal, predomina na forma de selenocisteína.

É absorvido pelo intestino delgado, e estima-se que entre 50% e 100% do selênio ingerido alcance a circulação (5). A absorção do selênio não sofre influência do estado nutricional (5). Embora ambas as formas sejam bem absorvidas, a forma inorgânica é menos retida no organismo em comparação com a forma orgânica (5).

Após a absorção intestinal, o selênio entra na circulação êntero-hepática, sendo metabolizado no fígado. Nesse órgão, ocorre a síntese de selenoproteínas, com posterior distribuição aos tecidos (5). No plasma, o selênio é transportado na forma de selenoproteínas ou ligado a proteínas plasmáticas de transporte. As principais selenoproteínas de transporte são a Selenoproteína P (Selenop), responsável por 50-65% do selênio plasmático, e a Glutationa peroxidase-3 (GPx3), responsável por 30% (5). No ambiente intracelular, o selênio é convertido em sua forma reduzida, o seleneto de hidrogênio (H2​Se). Em condições normais, o seleneto é metabolizado a selenofosfato, que é a fonte de selênio intracelular para a síntese de SeCys, posteriormente incorporada às selenoproteínas em formação (5). Essas selenoproteínas formam um estoque específico de selênio (5).

Excreção

Em excesso, tanto o seleneto quanto o selenofosfato são sucessivamente metilados até sua eliminação intestinal (especificamente biliar) e, principalmente, renal. No entanto, este é um sistema saturável (5). Quando saturado, há o acúmulo de metabólitos intermediários do processo de metilação, e ocorre um aumento da concentração de dimetil seleneto, um metabólito volátil do selênio, que também pode ser eliminado pela respiração (5). Quando isso acontece, pode haver um quadro de halitose com odor de alho, uma característica comum em casos de intoxicação (5).


Selenoproteínas e Funções

As selenoproteínas são caracterizadas pela presença de pelo menos uma selenocisteína (SeCys) em seu centro ativo (5). Até o momento, foram identificadas 25 selenoproteínas com seus respectivos genes associados (5). Dentre elas, destacam-se:

  • Família GPx e TRx: Atuam como antioxidantes (5).
  • Iodo tironina deiodinases (IOD): Atuam no metabolismo dos hormônios tireoidianos (5).
  • Selenop: Principal proteína transportadora de selênio no plasma (5).

A expressão das selenoproteínas Selenop e GPx é regulada pela disponibilidade de selênio, o que explica sua importância na avaliação nutricional do elemento. Contudo, outras selenoproteínas, como a TRx1 e a TRx2, podem ter sua regulação independente dos estoques de selênio (5).


Selênio e Doenças

Selênio e Tireoide

Estudos com escolares demonstraram a persistência de alta incidência de bócio mesmo após programas de iodação do sal, levando à investigação de outras causas nutricionais, incluindo o selênio (4). Em alguns países africanos com alta prevalência de bócio, a deficiência de iodo é frequentemente acompanhada pela de selênio, o que exerce um impacto negativo adicional na glândula tireoide (4).

O selênio é cofator da GPx, uma enzima antioxidante responsável pela neutralização do H2​O2​ (peróxido de hidrogênio), um composto altamente oxidativo essencial para a síntese de hormônios tireoidianos, mas que pode ser altamente destrutivo se não for neutralizado (4). Assim, a deficiência de selênio facilita a destruição dos tecidos tireoidianos, com necrose celular e invasão local por macrófagos (4).

Na deficiência de selênio, os níveis de T4 podem estar elevados, mas os níveis de T3 diminuídos, pois esse mineral é essencial para o funcionamento das deiodinases, que são selenoproteínas (4). Por essa razão, alguns autores sugerem que a avaliação de T4 e T3 livre pode ser um indicativo de deficiência de selênio. Se, após a suplementação, houver um aumento de T3 e diminuição de T4, o paciente estaria em deficiência de selênio (4).

Outros autores avaliaram a suplementação de selênio em pacientes com doença autoimune da tireoide, encontrando que a suplementação foi capaz de atenuar o processo inflamatório, reduzindo os níveis de anti-TPO (anticorpos anti-tireoperoxidase), melhorando a qualidade de vida e o aspecto da tireoide (via ultrassom), especialmente em indivíduos com níveis mais elevados de anticorpos (4).

Selênio e Câncer

Os estudos demonstram a importância do selênio na influência de doenças benignas e malignas da tireoide, principalmente em mulheres (2). Embora o selênio atue na diminuição do risco de câncer e da angiogênese (3), não existem evidências de que o aumento da ingestão de selênio, seja por meio da dieta ou de suplementos, possa prevenir o desenvolvimento de câncer em humanos (2).

Selênio e Resistência à Insulina

O selênio atua na modulação da insulina, melhorando a cascata de sinalização intracelular e diminuindo a resistência periférica à insulina (3).

Selênio e Função Anti-inflamatória

Ele inibe a NF-κβ, um fator de transcrição nuclear que expressa genes inflamatórios (3).

Selênio e Fertilidade

É fundamental na manutenção da integridade do espermatozoide, atuando na integridade da membrana do esperma. O zinco também desempenha um papel similar (3).


Recomendações Nutricionais e Suplementação

Ingestão Diária Recomendada (RDA)

  • Homens/Mulheres: 55 mcg/dia (1)
  • Gestantes: 60 mcg/dia
  • Lactantes: 70 mcg/dia

Nível Máximo de Ingestão Tolerável (UL)

  • UL: 400 mcg/dia

Existe uma janela relativamente estreita entre a deficiência e a toxicidade de selênio, por isso, recomenda-se evitar ingestões muito baixas ou muito altas desse elemento traço essencial, que podem estar associadas a efeitos adversos (2). O selênio é o único alimento que pode levar a um superávit apenas pelo consumo alimentar, resultando em selenose (cabelo quebradiço, unhas fracas, odor de alho na boca).

Fontes Alimentares

Semente de girassol, farelo de trigo, castanha-do-brasil, camarão, ostras, salmão, farinha de trigo integral, frango assado, alho cru, amêndoa, avelã e leite.

Suplementação Nutricional

A suplementação nutricional de selênio não foi capaz de melhorar a capacidade aeróbia (1).

Toxicidade

A ingestão de 400 mcg/dia é considerada fator de risco para intoxicação (5). As manifestações clínicas da toxicidade incluem: diminuição de hormônios tireoidianos, hepatotoxicidade, e selenose (perda de cabelos e unhas, alterações gastrointestinais, erupções cutâneas e anormalidades do sistema nervoso central) (5). Concentrações letais de selênio no plasma são >1000 mcg/L (5).


Formas de Suplementação de Selênio

  • Selênio Quelato: Mineral essencial utilizado como preventivo em alterações degenerativas do pâncreas; exerce efeito protetor, retardando o desenvolvimento de tecido cancerígeno; auxilia em deficiências imunológicas, artrite reumatoide e doenças cardíacas. Também protege contra os efeitos tóxicos de cádmio, mercúrio, chumbo e outros metais, formando complexos biologicamente inativos. Aumenta a efetividade da vitamina E e atua como antioxidante, prevenindo a ruptura dos cromossomos dos tecidos. Dosagem usual: 50 a 200 mcg de selênio elementar diariamente.
  • Selenometionina: É uma forma processada para alcançar altos níveis de selenometionina, considerada a forma mais segura para suplementação de selênio. Possui ação antioxidante, detoxificante e rejuvenescedora integral; restaura a firmeza, elasticidade e hidratação da pele e cabelos; previne doenças crônicas e processos inflamatórios sistêmicos. Promove suplementação de selênio segura para gestantes e lactantes, contribuindo para a saúde e formação do sistema imunológico do bebê. É um suplemento para disfunções da tireoide, principalmente tireoidite de Hashimoto, e adjuvante em tratamentos do câncer (especialmente mama, colo, próstata, pulmão e pele). Dosagem usual: 50 mg diariamente. Atua em um dos metabolismos importantes na destoxificação do organismo, na via da P450.

Exames Bioquímicos

Selênio no Sangue e Frações

O selênio plasmático representa cerca de 80% do selênio no sangue total e 94% do selênio no soro (5). O selênio eritrocitário correlaciona-se com o selênio plasmático e a atividade da GPx3 (plasmática), sendo um indicador mais confiável durante a inflamação (5).

Valores de Referência (5)

  • Sangue: 55-185 mcg/L
  • Soro: 46-143 mcg/L
  • Plasma: 60-175 mcg/L (Concentrações normais)
    • Concentrações tóxicas: 400 mcg/L
    • Concentrações letais: >1000 mcg/L
  • Eritrócito: 74-240 mcg/L

Unhas e Cabelos

A análise de amostras de unhas e cabelos pode ser útil, porém, há um elevado risco de contaminação por produtos químicos, o que inviabiliza seu uso na prática clínica para avaliação de selênio (5).

Valores de Referência

  • Cabelos: 200-1400 mcg/kg (5)
  • Unhas: 7-160 mcg/L (5)

Fezes e Urina

A dosagem de selênio urinário e fecal ainda não possui valores de referência populacionais bem estabelecidos (5).

Selenoproteínas

A atividade diária tanto da GPx3 quanto da Selenop está associada à ingestão diária e à concentração plasmática de selênio (5).

Valores de Referência

  • Selenop: 2,6-3,4 mg/L

Referências Bibliográficas

  1. Kerksick, C. M. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommendations. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 15, n. 1, p. 1–57, 2018.
  2. Cozzolino, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. Hosnedlova, B. et al. A summary of new findings on the biological effects of selenium in selected animal species—a critical review. International Journal of Molecular Sciences, v. 18, n. 10, 2017.
  4. Silva, S. M. C. S.; Mura, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
  5. Braga, J. A. P.; Amancio, O. M. S. Deficiências Nutricionais – Manual para diagnóstico e condutas. 1. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2022. 216 p.

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