Vitamina K: Funções, Fontes, Absorção e Implicações Clínicas


Vitamina K: Funções, Fontes, Absorção e Implicações Clínicas


Introdução

A vitamina K é um micronutriente lipossolúvel fundamental para a manutenção de diversas funções fisiológicas, com destaque para seu papel na coagulação sanguínea e no metabolismo ósseo.


Formas, Fontes e Recomendações de Ingestão

A vitamina K pode ser encontrada principalmente em duas formas:

  • Filoquinona (Vitamina K1): Presente em vegetais de folhas verdes e óleos vegetais (1, 2, 4).
  • Menaquinona (Vitamina K2): Encontrada em produtos de origem animal e sintetizada por bactérias intestinais (1, 2, 4).

Fontes Alimentares

As principais fontes incluem brócolis, espinafre, couve, couve-flor, acelga, azeite, soja, aspargos, repolho, couve de Bruxelas, queijos, frango, chucrute, carne, uva, kiwi, abacate, carne de porco e salmão (4).

Recomendações de Ingestão (Adequate Intake – AI) (4)

  • Homens: 120 mcg/dia
  • Mulheres: 90 mcg/dia
  • Gestantes: 90 mcg/dia
  • Lactantes: 90 mcg/dia

Não há um Limite Superior Tolerável (UL) definido para a Vitamina K (4).


Absorção e Metabolismo

A filoquinona (Vit. K1), a forma predominante na dieta, é absorvida ativamente no intestino delgado (jejuno e íleo) junto com os lipídios. Cerca de 80% da filoquinona livre é absorvida em adultos saudáveis (4). As menaquinonas (Vit. K2) e menadionas (Vit. K3) são absorvidas por difusão na porção distal do intestino delgado e no cólon (4).

Por ser uma vitamina lipossolúvel, qualquer comprometimento na digestão de lipídios, como deficiência de bile ou suco pancreático, pode, a longo prazo, interferir nas concentrações dessa vitamina (4). As menaquinonas não competem com a filoquinona na absorção. Na célula da mucosa intestinal, as vitaminas K1 e K2 são incorporadas aos quilomícrons e transportadas ao fígado via linfática, necessitando de bile e suco pancreático para máxima absorção (4).

A vitamina K é distribuída para outros tecidos via LDL e quilomícrons, pois não há uma proteína ligadora específica no plasma (4). A filoquinona é a principal fração da vitamina no plasma (4). No fígado, a proporção de menaquinona para filoquinona é de 90% e 10%, respectivamente. As reservas hepáticas são limitadas e rapidamente depletadas, com uma redução de 75% em aproximadamente 3 dias (4). No entanto, outros tecidos, como o adiposo e o ósseo, podem preservar os níveis de vitamina (4). O total de vitamina K no organismo varia entre 100-200 nmol (50-100 mcg) (4).

A vitamina K é rapidamente catabolizada e excretada pelo fígado, principalmente pela bile, com uma pequena quantidade eliminada na urina (4). Todas as formas da vitamina parecem estar associadas aos triglicerídeos. Dislipidemias e polimorfismos genéticos nas proteínas que compõem o LDL (lipoproteínas ricas em triglicerídeos) podem, portanto, interferir no estado nutricional de Vitamina K do indivíduo (4). A ingestão dietética de menaquinona pode representar até 25% do consumo total de vitamina K e contribui para suas funções biológicas (4).

Biodisponibilidade

Estudos de biodisponibilidade da vitamina K na dieta focam principalmente na filoquinona (origem vegetal) e na menaquinona (origem animal), sendo difícil avaliar a contribuição da vitamina proveniente de bactérias intestinais (4). A filoquinona de vegetais folhosos verdes está fortemente ligada às membranas dos cloroplastos, o que a torna menos biodisponível em comparação com a filoquinona de óleos vegetais (4).

As menaquinonas, principalmente de fontes animais, são geralmente consumidas em matrizes alimentares com maior teor de gordura, o que melhora sua absorção e biodisponibilidade em comparação com a filoquinona (4). Por exemplo, a biodisponibilidade da filoquinona no espinafre fervido é de apenas 4%; no entanto, se consumido com manteiga, aumenta aproximadamente 3 vezes, atingindo cerca de 10% (4).

Dietas ricas em Ácidos Graxos Poli-insaturados (PUFAs), como o óleo de milho, podem induzir uma redução significativa das concentrações plasmáticas de filoquinona e triacilgliceróis, em comparação com dietas ricas em Ácidos Graxos Monoinsaturados (MUFAs), como o óleo de girassol e oliva. Isso ocorre porque dietas ricas em PUFAs promovem a redução pós-absortiva de triacilgliceróis ao diminuir seu acúmulo pós-prandial (4).


Funções Fisiológicas

A Vitamina K é um cofator essencial para a enzima γ-glutamil carboxilase, que transforma resíduos específicos de glutamato em γ-carboxiglutamato (GLA) em um número limitado de proteínas (4). Os resíduos de GLA servem como pontos de ligação para íons cálcio, necessários para ativar proteínas dependentes de vitamina K (4). A carboxilação está envolvida na homeostase, metabolismo ósseo e crescimento celular (4).

Coagulação Sanguínea

A função mais conhecida da vitamina K é sua atuação no processo de coagulação sanguínea (4). Os fatores de coagulação dependentes de vitamina K são proteínas inativas sintetizadas no fígado. A hidroquinona reduzida (forma ativa da Vitamina K) é um cofator essencial no sistema enzimático microssomal que ativa esses precursores (4).

Através da reação de carboxilação, ocorre a conversão do ácido glutâmico (GLU) de cada precursor para formar resíduos de γ-carboxiglutamil (GLA) na proteína completa (4). A formação desse novo aminoácido permite a quelação da proteína com o íon cálcio e a ligação com a superfície lipídica, facilitando a formação do coágulo (4). A enzima 2,3-epoxi-redutase converte o γ-carboxiglutamato para a forma quinona da vitamina K, sendo essa reação necessária para a biossíntese de fatores da coagulação sanguínea como o fator II (protrombina), fator VII (proconvertina), fator IX (anti-hemofílico) e fator X (fator Stuart) (4).

Metabolismo Ósseo

A vitamina K é essencial para a formação normal do osso (4). A osteocalcina (proteína GLA do osso) é uma proteína dependente de vitamina K produzida pelos osteoblastos durante a formação óssea e é uma das proteínas não colágenas mais abundantes na matriz extracelular do osso (4). A osteocalcina atua como reguladora da maturação óssea, e sua dosagem no sangue é um importante biomarcador da atividade osteoblástica (4). Na deficiência de vitamina K, a γ-carboxilação da osteocalcina não ocorre, prejudicando a calcificação óssea (4). Há evidências de que a vitamina K é importante no desenvolvimento precoce do esqueleto e na manutenção do osso maduro saudável (4).

Osteoporose

Alguns estudos indicam baixas concentrações de filoquinona e menaquinona em pacientes com baixa densidade mineral óssea (DMO) e osteoporose (4). As concentrações de osteocalcina não carboxilada (%ucOC) são negativamente correlacionadas com a DMO, enquanto a osteocalcina ativa (carboxilada) se correlaciona positivamente com uma melhor DMO (4).

A suplementação diária com 200-500 mcg/dia de filoquinona por seis semanas, apesar de melhorar o estado nutricional de vitamina K em mulheres, não alterou o turnover ósseo (4). A suplementação de filoquinona (K1) parece ter um efeito maior na prevenção de fraturas ósseas em comparação com a menaquinona (K2) (4). No entanto, a menaquinona pode exercer maiores efeitos sobre a DMO, sugerindo que os subtipos da vitamina podem ter diferentes impactos no metabolismo ósseo (4).

A literatura apresenta heterogeneidade nos resultados de estudos sobre suplementação de vitamina K e DMO, dificultando uma conclusão definitiva. Parece que a co-suplementação com cálcio e vitamina D apresenta melhores resultados em termos de DMO, e a filoquinona pode ser mais eficaz comparada a outras formas da vitamina (4).

Doenças Cardiovasculares

Baixa ingestão de vitamina K tem sido relacionada a altas concentrações de ucOC e à presença de calcificação aterosclerótica na aorta abdominal (4). Células do músculo liso vascular sintetizam proteínas dependentes de vitamina K, como a proteína GLA da matriz (MGP), que inibe a calcificação vascular por meio da ligação de íons de cálcio e da matriz extracelular (4). Presume-se que o papel da vitamina K dietética em retardar a progressão da calcificação da artéria coronária (CAC) seja mediado pela carboxilação da MGP (4). A varfarina, um antagonista da vitamina K, inibe a γ-carboxilação da MGP, levando à CAC em ratos (4). Dietas ricas em vitamina K podem inverter a CAC e melhorar a elasticidade arterial em ratos tratados com varfarina (4).

Estudos observaram que indivíduos com CAC grave tendem a ter uma razão vitamina K1/triglicerídeos mais baixa (4). Concentrações séricas de K1 inferiores a 1,0 nmol/L podem estar associadas a uma maior progressão da CAC (4). Um estudo randomizado e controlado demonstrou que a suplementação de K1 reduziu a progressão da CAC em idosos, mas não influenciou o desenvolvimento de novas calcificações, sugerindo sua relevância na progressão, mas não na prevenção de CAC (4).

Uma meta-análise indicou que a suplementação com vitamina K promoveu uma redução significativa na progressão da calcificação vascular, sugerindo uma potencial estratégia de longo prazo para melhorar a saúde vascular e reduzir o risco de doenças cardiovasculares (4).


Deficiência e Toxicidade

Deficiência

A deficiência dietética de vitamina K é rara, pois a vitamina é amplamente distribuída em vegetais de folhas verdes e outros alimentos (4). A deficiência geralmente se manifesta com aumento do tempo de protrombina e, eventualmente, doença hemorrágica, devido à diminuição da síntese de proteínas de coagulação dependentes da vitamina K (4).

Indivíduos em terapia anticoagulante estão em maior risco de deficiência de vitamina K e problemas de coagulação, devendo ser monitorados (4). O uso prolongado de muitos antibióticos pode gerar deficiência de Vitamina K ao diminuir a contribuição da flora intestinal na síntese de menaquinona, que pode suprir quase 50% das necessidades diárias (4).

Sinais e Sintomas de Deficiência (4):

  • Sangramentos (pele, nariz, gengiva, vaginal fora do ciclo menstrual).
  • Maior incidência de fraturas.
  • Maior risco de calcificação ectópica.

Toxicidade

Não foram encontrados efeitos adversos devido à alta ingestão de vitamina K (filoquinona e menaquinona) de alimentos ou suplementos, embora possa ser prejudicial para pacientes em terapia anticoagulante (4).


Avaliação do Status Nutricional

Não existe um biomarcador único para a avaliação do status da vitamina K; múltiplos marcadores são necessários (4). Cada biomarcador reflete um aspecto diferente da ingestão, absorção e transporte da vitamina, ou de sua função como cofator para a γ-carboxilação das proteínas dependentes de vitamina K (4).

O método usual de avaliação é o tempo de protrombina, um teste funcional de coagulação sanguínea que mede a habilidade de síntese dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K (4). Contudo, não é um indicador sensível, pois a concentração de protrombina plasmática precisa cair 50% para que os valores estejam fora da faixa de normalidade (4). Similar a outros micronutrientes, a vitamina K não apresenta correlação entre os valores plasmáticos e mudanças na ingestão em indivíduos saudáveis (4).

A osteocalcina circulante é um biomarcador da atividade osteoblástica, refletindo o índice de formação óssea (4). O percentual de osteocalcina não carboxilada (%ucOC) é uma medida da carboxilação da osteocalcina e varia com a ingestão e suplementação de vitamina K (4). Um %ucOC elevado é considerado um indicador sensível da deficiência de vitamina K no osso (4).


Suplementação

Recém-Nascidos

Existe uma recomendação geral de que recém-nascidos devem receber doses profiláticas de 0,5-1 mg de Vitamina K, preferencialmente via oral, embora a via intramuscular ou colírio sejam comumente utilizadas (4).

Atletas de Elite

A suplementação de 10 mg/dia em atletas de elite (mulheres) foi capaz de melhorar o balanço ósseo de absorção e reabsorção de cálcio (3).


Vitamina K e Varfarina

Os antagonistas da Vitamina K, como a varfarina, são amplamente utilizados para reduzir a coagulação sanguínea em pacientes com risco de trombose (2). A varfarina inibe enzimas responsáveis pela ativação da Vitamina K, mantendo-a em sua forma oxidada e inativa (1). Há preocupação com a interação entre a varfarina e o consumo concomitante de vitamina K, devido aos seus efeitos antagônicos (1).

Embora a ingestão dietética de vitamina K possa neutralizar o efeito anticoagulante da varfarina, alguns autores sugerem que dosagens mínimas de suplementação de vitamina K podem ser benéficas (1, 2). Os resultados na literatura ainda são inconsistentes. Sugere-se que a restrição dietética de vitamina K pode não ser necessária para o início da terapia anticoagulante, mas é recomendado evitar grandes alterações na ingestão (1). Uma vez que a dose eficaz do medicamento é estabelecida, os indivíduos devem manter seus padrões alimentares e de suplementação normais (4).


Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR, A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  2. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 817 p.
  3. KERKSICK, C. M. et al. ISSN exercise & sports nutrition review update: Research & recommend. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 15, n. 1, p. 1–57, 2018.
  4. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.

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