Esofagite Eosinofílica: Diagnóstico, Tratamento e Abordagem Nutricional


Esofagite Eosinofílica: Diagnóstico, Tratamento e Abordagem Nutricional


Introdução

A esofagite eosinofílica (EE) é uma doença inflamatória crônica do esôfago, mediada pelo sistema imunitário e caracterizada por uma predominância de eosinófilos na mucosa esofágica. Ela pode se manifestar com sintomas que se assemelham ao refluxo gastroesofágico, disfagia (dificuldade para deglutir) e impactação alimentar. O diagnóstico é estabelecido por meio de endoscopia com biópsia, e o tratamento envolve inibidores da bomba de prótons, corticoides tópicos, modificações dietéticas e, em alguns casos, dilatação esofágica.


Prevalência e Características

A incidência da esofagite eosinofílica varia de 5 a 10 casos a cada 100.000 pessoas por ano (1). A condição é mais comum em pacientes com histórico familiar de EE em parentes de primeiro grau (1).

A EE pode surgir em qualquer fase da vida, desde a infância até a idade adulta jovem, ocasionalmente manifestando-se em idosos (4). É mais comum entre homens, e sua incidência aumenta durante a adolescência, atingindo seu ápice no adulto jovem (4).


Sintomas Clínicos

Pacientes com EE frequentemente modificam seu comportamento alimentar, como mastigar devagar, escolher alimentos mais macios e consumir líquidos durante as refeições. Esses comportamentos podem, paradoxalmente, contribuir para um atraso no diagnóstico (1).

A manifestação dos sintomas varia de acordo com a faixa etária:

  • Crianças pequenas geralmente apresentam sintomas menos específicos, como dificuldade para comer e vômitos (1).
  • Em pré-adolescentes, a EE pode se manifestar com dor torácica ou abdominal, náuseas, vômitos e aversão a alimentos (2).
  • Em adolescentes e adultos, os sintomas estão frequentemente relacionados à fibrose esofágica, com 70% dos adultos relatando disfagia e 30% apresentando impactação alimentar (1). Outros sintomas em adultos podem incluir dor torácica atípica e pirose (azia), especialmente quando esta última é refratária ao tratamento com inibidores da bomba de prótons (IBPs) (2).

A maioria dos pacientes com EE tem história de atopia, incluindo alergia alimentar, asma, eczema ou rinite alérgica (2). A eosinofilia no sangue periférico pode ser demonstrável em até 50% dos pacientes, mas sua especificidade é questionável quando há atopia concomitante (2).


Diagnóstico

A esofagite eosinofílica é definida pela presença de sintomas de disfunção esofágica (como vômitos, disfagia ou dificuldade na alimentação) e pela confirmação histológica por biópsia esofágica (1,2). A biópsia deve demonstrar eosinofilia na mucosa esofágica (geralmente ≥ 15 eosinófilos/0,3 mm²), na ausência de outras condições associadas que possam causar eosinofilia esofágica (como Doença do Refluxo Gastroesofágico – DRGE, acalasia, vasculite, síndrome hipereosinofílica e Doença de Crohn) (1,2).

O Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG) e a Sociedade Britânica de Gastroenterologia recomendam a obtenção de um mínimo de 6 biópsias (incluindo o esôfago proximal e distal) tanto para o diagnóstico quanto para o acompanhamento a longo prazo (1,4).

As anormalidades endoscópicas típicas incluem desaparecimento das tramas vasculares (edema), presença de vários anéis esofágicos (esôfago traqueal), depressões orientadas longitudinalmente (sulcos longitudinais) e exsudato puntiforme (pontos brancos) (2). A presença de depressões lineares e vários anéis corrugados em toda a extensão do esôfago estreitado (denominado “esôfago felino”) pode sugerir esofagite eosinofílica, uma causa crescente de disfagia e impactação alimentar recorrentes (2). É importante notar que aproximadamente 10-25% dos pacientes com EE podem apresentar um esôfago com aparência normal na endoscopia (1).

Exames Complementares

A dosagem de IgE específica beneficia poucos pacientes, uma vez que a EE é uma doença alérgica não mediada por IgE. Testes alérgicos convencionais (teste de picada, IgE sérico e teste de patches) não foram desenvolvidos para identificar os alérgenos incitantes nesta condição, demonstrando baixa sensibilidade e especificidade (2,4).


Tratamento e Conduta Clínica

Os objetivos do tratamento da EE são o controle dos sintomas e a prevenção das complicações (2). Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) ainda não aprovou um tratamento específico para a EE (1). No entanto, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) já aprovou o uso de budesonida oro dispersível (1).

Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs)

Os IBPs são considerados a primeira linha de tratamento devido ao seu baixo custo, boa tolerabilidade e facilidade de administração (1). Acredita-se que os IBPs atuem pela via da eotaxina-3 (4). A EE sensível aos IBPs, caracterizada pela eliminação da eosinofilia mucosa, ocorre em 30-50% dos casos suspeitos (2). Os IBPs podem ter efeitos anti-inflamatórios independentes da supressão do ácido gástrico, através de propriedades antioxidantes, inibição de células imunes e redução da expressão de citocinas inflamatórias (1). Uma revisão encontrou melhora histológica em 41,7% dos pacientes usando IBPs, comparado a 13% no grupo placebo (1). Outra revisão observou uma melhora de 60,8%, embora com alta heterogeneidade (80,2%) (1).

Glicocorticoides Tópicos

Os glicocorticoides tópicos deglutidos (ex: propionato de fluticasona ou budesonida) são altamente eficazes (2). No entanto, a recidiva da doença é comum após a interrupção do tratamento de curto prazo (2). Glicocorticoides sistêmicos são reservados para pacientes graves com sintomas refratários a medidas terapêuticas menos agressivas (2).

Um estudo demonstrou remissão histológica em 71% dos pacientes usando budesonida e em 64% com fluticasona, sem diferença significativa na melhora dos sintomas (1). Outro estudo encontrou que corticosteroides tópicos foram associados à remissão histológica em 64,9% dos pacientes, comparado a 13,3% no grupo placebo, sugerindo que a duração inicial do tratamento deve ser de aproximadamente 12 semanas (1).

De forma geral, o tratamento é bem tolerado (1). O efeito adverso mais comum é a infecção esofágica assintomática por Cândida, ocorrendo em 12-15% dos pacientes (1). A absorção sistêmica do medicamento é mínima (1).

Dilatação Esofágica

A dilatação esofágica é uma opção terapêutica para o tratamento de estenoses esofágicas, anéis e esôfago de calibre estreito em pacientes com EE (1). Um estudo mostrou melhora clínica em 95% dos pacientes, com duração média de melhora de 1 ano (1). Apesar do risco de laceração profunda ou perfuração em esôfagos rígidos, a dilatação esofágica é considerada segura (1,2). O objetivo é manter o diâmetro esofágico entre 15-18 mm (1). Desconforto torácico é o efeito adverso mais comum (23,6% dos pacientes) (1). É crucial ressaltar que a dilatação não melhora a inflamação da mucosa nem a histologia (1). Idealmente, a inflamação deve ser controlada antes do procedimento de dilatação, a menos que não haja resposta ao tratamento clínico (1).

Terapia Nutricional

A combinação de terapia medicamentosa e nutricional não é utilizada rotineiramente, mas pode ser indicada para casos refratários ao tratamento farmacológico (4).

A EE é uma doença alérgica não mediada por IgE; a exclusão de alérgenos dietéticos pode resultar em remissão da doença em alguns indivíduos (1). A abordagem mais utilizada é a eliminação de 6 grupos alimentares mais frequentemente associados à EE: leite, ovos, soja, amendoim/nozes, trigo e peixes/frutos-do-mar (2). Essa eliminação é seguida por uma reintrodução sistemática a cada 6 semanas, com reavaliação (2). Alguns estudos mencionam a carne como um possível alérgeno, mas essa abordagem está associada a um maior número de endoscopias e menor adesão (3,4). Ovos e trigo são os alérgenos mais comuns (1).

Uma revisão encontrou que a eliminação dietética foi associada a respostas histológicas em 67,9% dos pacientes, comparado a 13% no grupo placebo (1). Uma abordagem para a reintrodução alimentar sugere iniciar com frutos-do-mar/peixes e amendoim/nozes, seguida de endoscopia após 6 semanas (1). Se a resposta se mantiver positiva (<15 eosinófilos/campo), adicionam-se soja e ovos, repetindo a endoscopia após 6 semanas, e assim por diante, retomando o consumo de leite e trigo e reavaliando após 6 semanas (1).

Dietas com fórmulas elementares são altamente eficazes, mas sua palatabilidade é baixa (2). Testes de alergia (como dosagem de IgE sérica ou testes cutâneos) demonstraram baixa sensibilidade e especificidade na identificação dos alimentos que incitam a resposta inflamatória esofágica na EE (2). Uma revisão sistemática encontrou que a eliminação dietética resultou em respostas positivas em 50% dos casos (1).

A conduta clínica nutricional para a esofagite eosinofílica visa à retirada de alérgenos e à posterior reintrodução controlada, conforme a tolerância e a resposta clínica e histológica do paciente.


Evolução Clínica e Complicações

Apesar de a história natural da doença ainda não ser totalmente clara, tem sido observado um risco aumentado de estenose esofágica conforme a duração da doença não tratada (2). As principais complicações da EE são:

  • Estenose esofágica
  • Esôfago de calibre reduzido
  • Impactação alimentar
  • Perfuração esofágica (1,2)

Fisiopatologia Adicional

Evidências atuais indicam que a EE é um distúrbio imunológico induzido pela sensibilização antigênica em indivíduos suscetíveis (2). Fatores dietéticos desempenham um papel importante na patogênese e no tratamento da EE (2). Embora alérgenos respiratórios também possam contribuir, essas evidências são mais fracas (2).

Em indivíduos suscetíveis, a exposição a determinados alimentos, como trigo e leite, está associada à infiltração da mucosa esofágica por uma população mista de granulócitos (eosinófilos, basófilos e mastócitos) (1). Essa inflamação diminui a integridade da barreira epitelial, danifica a mucosa e, a longo prazo, está associada à fibrose esofágica (1).


Referências Bibliográficas

  1. MUIR, A.; FALK, G. W. Eosinophilic Esophagitis: A Review. JAMA – Journal of the American Medical Association, v. 326, n. 13, p. 1310–1318, 2021.
  2. JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.
  3. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
  4. DHAR, A. et al. British Society of Gastroenterology (BSG) and British Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (BSPGHAN) joint consensus guidelines on the diagnosis and management of eosinophilic oesophagitis in children and adults. Gut, v. 71, n. 8, p. 1459–1487, 2022.