Abordagens Cognitiva e Comportamental da Personalidade: Kelly, Beck e Bandura
Introdução
As abordagens cognitiva e comportamental da personalidade oferecem perspectivas distintas e complementares sobre como compreendemos e interagimos com o mundo. Enquanto as teorias cognitivas se concentram nos processos internos de percepção, pensamento e interpretação, as abordagens comportamentais enfatizam os padrões observáveis de ação e as contingências ambientais. Juntas, elas proporcionam uma visão abrangente de como a personalidade é formada e expressa.
Abordagem Cognitiva da Personalidade
As abordagens cognitivas enfatizam o entendimento das características da personalidade em associação aos processos cognitivos do indivíduo (1). Elas se concentram nos caminhos pelos quais conhecemos o ambiente e a nós mesmos, incluindo como percebemos, aprendemos, pensamos, avaliamos situações, tomamos decisões e solucionamos problemas rotineiros (1).
Necessidades, impulsos, emoções e comportamentos que outras abordagens consideram centrais na personalidade, os cognitivistas veem como aspectos controlados pelos processos cognitivos (1).
George Kelly: Teoria dos Construtos Pessoais
George Kelly foi o criador da teoria dos construtos pessoais (1). Ele afirmava que nunca conhecemos o mundo diretamente, mas apenas por meio das imagens que criamos dele (1). Dessa forma, Kelly idealiza o ser humano como um cientista que constrói e modifica seus conhecimentos de acordo com sua experiência (1).
Para Kelly, validamos nossos construtos pessoais confrontando-os com experiências no mundo real (1). Somos como cientistas, constantemente testando novas hipóteses e aceitando os resultados sem negação (1). Segundo ele, pessoas saudáveis conseguem se ajustar a acontecimentos rotineiros que outras pessoas não conseguem, ou conseguem com dificuldade (1). Já as pessoas consideradas não saudáveis se apegam demais a construtos ultrapassados, o que pode interferir em sua visão de mundo confortável ou eficiente (1).
A recorrência de uma situação desempenha um papel importante em sua teoria, dado que, para ele, os construtos surgem porque refletem eventos que se repetem frequentemente em nossa experiência (1). Essa definição de construtos que nos permite prever eventos é o fator primordial no desenvolvimento do nosso repertório comportamental e de nossa personalidade (1).
A teoria da personalidade baseada na perspectiva cognitiva caracteriza-se principalmente pelo padrão de processamento de informações que ativa respostas pessoais dos sistemas cognitivo, emocional, afetivo e comportamental (1).
Aaron Beck: Perspectiva Cognitiva da Personalidade
Aaron Beck, conhecido como o pai e fundador da terapia cognitiva, fundamentou sua abordagem na premissa de que nossos afetos e comportamentos são significativamente influenciados e até determinados pela forma como estruturamos e atribuímos sentido ao mundo e às situações que vivenciamos (1).
Sua teoria cognitiva postula que a personalidade se baseia em uma operação coordenada composta por sistemas complexos, adaptados e/ou selecionados com o intuito de garantir a sobrevivência biológica (1). Essas ações coordenadas são monitoradas por estruturas genéticas conhecidas como esquemas (1).
Esquemas
Em linhas gerais, esquemas são estruturas com explicações conscientes e inconscientes que servem para a sobrevivência humana (1). Devem ser “adaptativos a demandas sociais e ambientais imediatas por meio da coordenação e de operações de sistemas adaptativos” (1). Esses esquemas funcionam como lentes através das quais entendemos a realidade (1).
Na teoria cognitiva de Beck, os traços ou atributos de personalidade são compreendidos como formas de padrões comportamentais, ou seja, como estratégias para lidar com situações (1). Utilizam um conjunto de esquemas básicos que ajudam a atribuir sentido aos acontecimentos, e esses esquemas são constituídos por crenças (1).
Crenças
As crenças, de acordo com Beck, organizam-se de modo a atribuir significados mais amplos e complexos, em níveis sucessivos (1). O entendimento dessa organização é crucial na teoria da personalidade, pois revela que a personalidade não é formada apenas por uma lista de traços, mas considera a presença de um “todo organizado“, que é dinâmico, sensível, adaptativo e voltado para alcançar objetivos (1).
Em seu modelo cognitivo da depressão, os esquemas eram entendidos como equivalentes às crenças centrais, e essas crenças estavam contidas nos esquemas, de modo a sensibilizar o indivíduo perante uma informação (1).
Judith Beck
Filha de Aaron Beck, Judith Beck acredita que, na terapia cognitiva de Beck, a definição da personalidade pode ser caracterizada pela ideia de que a história evolutiva influencia o desenvolvimento de padrões de sentimentos, pensamentos e comportamentos (1). Ou seja, a personalidade seria o resultado da interação entre a experiência e as disposições genéticas (1). A personalidade seria um conjunto de esquemas pessoais/individuais que determinam a forma de funcionamento dos sistemas cognitivos, emocionais e motivacionais em relação aos contextos biológicos, ambientais e sociais (1).
Abordagem Comportamental da Personalidade
No ambiente comportamental, o foco recai no comportamento observável e na premissa de que conhecemos a personalidade de alguém pela maneira como essa pessoa se comporta (1). A frequência de determinado comportamento estaria intimamente relacionada ao que Skinner denominou de “tríplice contingência” (1).
Uma situação (antecedente) gera uma ação (um comportamento) que pode continuar ou não acontecendo (tem uma consequência). As consequências determinam a recorrência do comportamento, sendo chamadas de reforço ou punição (positivos ou negativos). Comportamentos reforçados tendem a voltar a acontecer, enquanto os punidos tendem a diminuir (1).
Para que seja viável entender a personalidade, é preciso conhecer nossos padrões, bem como compreender o modo como enxergamos e construímos nosso mundo (1). Dessa forma, para o comportamentalismo, as interpretações que fazemos sobre as situações e os eventos são mais relevantes do que o acontecimento em si (1).
Albert Bandura: Teoria Sociocognitiva
Para Bandura, o ser humano é um agente ativo, capaz de autorregulação e autorreflexão, além de possuir intencionalidade em suas ações e poder fazer previsões e decisões antes de se engajar nelas (1). Nós não apenas definimos objetivos, mas constantemente avaliamos o quão bem estamos progredindo (1).
A crença que temos a respeito de nossas capacidades para realizar uma ação pretendida é chamada por Bandura de autoeficácia e é um dos conceitos centrais em sua teoria (1). Assim, nosso comportamento é fortemente guiado pela crença que temos em relação a conseguir executar com sucesso a ação pretendida (1). Essa crença influencia nossas escolhas, esforços, decisões e é um fator importante na constituição da nossa personalidade (1).
A personalidade é, então, um conjunto de processos e estruturas cognitivas associados a pensamentos e percepções, relacionando-se ainda ao autorreforço (recompensas ou punições a si mesmo) e à autoeficácia (1).
Bandura defende que os fatores mais importantes na constituição da personalidade são os sociais e cognitivos (1). A maioria dos fatores que moldam a personalidade são de natureza social, como a aprovação, a atenção e a aceitação (1). Dessa forma, a observação que fazemos dos comportamentos dos outros serve como base para construirmos uma ideia de como novos comportamentos podem ser desenvolvidos (1). Os seres humanos seriam, então, flexíveis e capazes de aprender uma grande variedade de novos repertórios, em grande parte, graças à observação (1).
Aprendizagem por Modelagem
A aprendizagem por modelagem baseia-se em um modelo, mas difere da mera imitação (1). Tendemos a aprender com modelos de pessoas que têm alto status ou são reconhecidamente competentes em alguma área de nosso interesse – pessoas que, em nossa percepção, se mostram “superiores” de algum modo (1).
Nesse sentido, desde a infância, seguimos o que os adultos fazem, aprendendo a interagir com o mundo ao redor com base na observação de seus comportamentos (1). Assim, nossos comportamentos aprendidos seriam ditados pela atenção que prestamos ao modelo, nossa capacidade de retenção e reprodução, e nossa motivação para fazê-lo (1).
Bandura introduz o conceito central de reciprocidade triádica. As ações humanas seriam derivadas da interação entre o ambiente, o comportamento e a própria pessoa, que é composta pelos componentes cognitivos: capacidades de memória, previsão, planejamento e julgamento (1). Assim, a forma como agimos é influenciada pelos três fatores — nenhum deles é autônomo, e nenhum se sobrepõe ao outro (1).
Referências Bibliográficas
- SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. Teorias da Personalidade. 4. ed. CENGAGE, 2021.