Acidente Vascular Encefálico (AVE): Fisiopatologia, Tratamento e Comorbidades
Introdução
O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a causa mais comum de morte na Europa e na América do Norte, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares (DCV) e o câncer (1). Entre os 70% dos casos que não são fatais, o AVE é a principal causa de incapacidade (1). O manejo clínico e a prevenção são desafios cruciais, impulsionados pela compreensão da complexa fisiopatologia e das comorbidades associadas.
Tipos de AVE
Existem dois tipos principais de AVE:
- AVE Isquêmico: Corresponde a aproximadamente 75% dos casos (1). Ocorre devido a uma oclusão arterial cerebral causada pela formação de um trombo local ou por um êmbolo circulante que se aloja em um estreitamento de vaso (1).
- AVE Hemorrágico: Corresponde a aproximadamente 25% dos casos (1). É decorrente da ruptura de uma artéria cerebral (1).
O AVE isquêmico pode ser precedido por ataques isquêmicos transitórios (AIT), também conhecidos como “mini-AVE” (1). Os AITs são episódios breves de fluxo sanguíneo inadequado, produzindo sintomas como fraqueza muscular súbita em um membro ou na face, incapacidade de falar, visão dupla e tonturas (1). Embora esses sintomas geralmente se resolvam em 24 horas, eles são preditores de que um AVE completo pode ocorrer em um futuro próximo (1).
Fisiopatologia
A interrupção prolongada do suprimento sanguíneo para o cérebro inicia uma cascata de eventos neuronais que culmina em lesão cerebral (1). As consequências tardias incluem edema e inflamação cerebral, que também contribuem para a lesão (1).
A lesão por reperfusão pode ser um componente importante em pacientes com AVE. Esses processos secundários geralmente levam horas para se desenvolver, o que oferece uma janela de oportunidade para intervenção terapêutica (1). A lesão produzida pela oclusão de uma artéria cerebral consiste em uma região central, na qual os neurônios sofrem necrose irreversível rapidamente (o “core” do infarto), circundada por uma penumbra de tecido comprometido, onde a inflamação e a morte celular por apoptose se desenvolvem ao longo de várias horas (1).
A excitotoxicidade do glutamato desempenha um papel crítico na isquemia cerebral (1). A isquemia causa a despolarização dos neurônios e a liberação de grandes quantidades de glutamato. Isso leva ao acúmulo de Ca2+ nas células, em parte como resultado da ação do glutamato nos receptores NMDA (1). A entrada de Ca2+ e a morte celular subsequente à isquemia são inibidas por fármacos que bloqueiam os receptores ou canais NMDA (1).
Tratamento Farmacológico
O tratamento farmacológico do AVE não é considerado uma história de sucesso, e as esperanças médicas estão mais concentradas na prevenção do que na intervenção aguda (1).
O único fármaco aprovado para o tratamento do AVE isquêmico é o ativador do plasminogênio tecidual recombinante, alteplase, administrado por via intravenosa (1). Este fármaco ajuda a restaurar o fluxo sanguíneo pela dissolução do trombo (1). Para ser eficaz, ele deve ser administrado em até 4,5 horas desde o início do evento trombótico (1).
É crucial ressaltar que a alteplase não deve ser administrada nos 15% dos casos em que a causa do AVE é hemorrágica, e não trombótica (1). Por essa razão, a realização de uma tomografia computadorizada (TC) é essencial para diferenciar o tipo de AVE antes da administração do fármaco (1). Testes clínicos mostraram que a alteplase não reduz a mortalidade, mas oferece benefícios funcionais significativos para os pacientes que sobrevivem (1).
AVE e Distúrbios do Sono
Pacientes que sofreram um AVE frequentemente apresentam alterações do sono, tanto na fase aguda quanto após a lesão cerebral, o que pode contribuir para a piora da reabilitação (2).
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), em particular, é um fator de risco bem estabelecido para o AVE, influenciando condições como a hipertensão arterial sistêmica, a doença isquêmica coronariana e a síndrome metabólica (2). Atualmente, sabe-se que existe uma relação causal entre a SAOS e o AVE, de modo que a gravidade da SAOS está diretamente relacionada com a morbidade e mortalidade do evento (2).
Outras alterações do sono, como a dificuldade em iniciar e manter o sono, também têm sido descritas em pacientes com AVE (2). Fatores desencadeantes incluem alterações da função simpática, que afetam a frequência cardíaca, o débito cardíaco, a resistência vascular periférica e a frequência respiratória (2). Alterações na atividade fibrinolítica e na agregabilidade plaquetária também já foram reconhecidas (2).
As evidências mostram que várias alterações do sono, além da SAOS, estão presentes em pacientes com AVE e precisam ser mais estudadas (2). Recomenda-se que seja dada maior atenção às alterações do sono no paciente pós-AVE. O diagnóstico da SAOS e o tratamento subsequente com CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) devem ser considerados, pois podem reduzir a morbimortalidade (2).
Referências Bibliográficas
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
- BACELAR, L. R. P. et al. III Consenso Brasileiro de Insônia • 2013: Do Diagnóstico ao Tratamento. São Paulo, 2013.