Abordagem Nutricional e Fisiopatológica da Acne Vulgar
A acne vulgar é uma doença inflamatória crônica da unidade pilossebácea da pele, que afeta uma parcela significativa dos adolescentes (50-95% entre 12 e 18 anos), sendo mais comum em homens. No entanto, pode se desenvolver em qualquer idade e em ambos os sexos (2). É caracterizada pela presença de comedões, pápulas, pústulas e, menos frequentemente, nódulos, abscessos e cicatrizes (4, 7).
Fisiopatologia da Acne
O desenvolvimento da acne está intrinsecamente ligado à superprodução de sebo pelas glândulas sebáceas, que leva à proliferação e bloqueio da abertura dos folículos pilossebáceos (2). Os principais fatores envolvidos na patogênese da acne vulgar são:
- Aumento da produção de sebo.
- Queratinização anormal do epitélio folicular.
- Inflamação.
- Proliferação da bactéria Cutibacterium acnes (anteriormente Propionibacterium acnes) (7). Essa bactéria, ao se instalar na glândula sebácea, promove a hidrólise de triacilgliceróis, liberando substâncias irritantes que atuam como quimiotáticos para as células do sistema imunológico (7).
A acne é uma condição multifatorial, influenciada por diversos elementos:
- Genética (2).
- Desordens hormonais, especialmente as relacionadas aos andrógenos (2). As alterações nos andrógenos circulantes estimulam as glândulas sebáceas, resultando na dilatação e bloqueio do folículo pilossebáceo por sebo e restos celulares (8). O material confinado pode infeccionar, causando uma reação inflamatória (8). Em mulheres, pílulas contraceptivas e dispositivos intrauterinos contendo progestinas androgênicas podem causar acne (1). Em homens, a acne é frequentemente associada ao uso de esteroides anabolizantes, comum em levantadores de peso e bodybuilders (1).
- Disfunções imunes (2).
- Fatores ambientais (2).
- Fatores psicológicos (2).
- Hábitos dietéticos: O padrão de dieta ocidental, com alto índice glicêmico e rico em ômega-6, tem sido proposto como um fator contribuinte para o desenvolvimento da acne (2).
A acne grave pode causar cicatrizes na pele e ter consequências psicológicas consideráveis (8).
Diagnóstico
O diagnóstico da acne é feito pela presença de comedões, pápulas e pústulas em regiões com abundância de glândulas sebáceas (2).
Alterações Bioquímicas Associadas à Acne
Pacientes com acne podem apresentar as seguintes alterações bioquímicas:
- Níveis elevados de Fator de Crescimento Semelhante à Insulina 1 (IGF-1) (1).
- Menor concentração plasmática de Vitamina A e E (3).
- Menor concentração de selênio e zinco plasmáticos (3).
Relação entre Dieta e Acne
Embora não existam mudanças dietéticas específicas universalmente recomendadas para o manejo da acne, algumas evidências sugerem a importância de certos ajustes nutricionais.
Carga Glicêmica e Índice Glicêmico
Uma alta carga glicêmica e um elevado índice glicêmico estão relacionados à patogênese da acne (5, 6, 9). O consumo de alimentos insulinêmicos promove o aumento da sinalização de fatores de crescimento como a insulina e o IGF-1 (5, 6, 9). Estudos demonstram que uma dieta com baixa carga glicêmica pode promover uma diminuição no desenvolvimento da acne (7, 9).
Os alimentos que elevam rapidamente a glicemia provocam uma hiperinsulinemia aguda, que ativa uma cascata endócrina afetando as glândulas sebáceas e a queratinização folicular (7). Esse processo está relacionado ao envolvimento do IGF-1, da Proteína de Ligação do Fator de Crescimento Semelhante à Insulina 3 (IGFBP-3), dos hormônios andrógenos e dos retinoides endógenos (7). A hiperinsulinemia aumenta as concentrações de IGF-1 e reduz as de IGFBP-3 (7). O IGF-1 livre no plasma possui potente ação mitótica e causa a hiperqueratinização folicular, contribuindo para a formação da acne (1, 2, 7). A redução do IGFBP-3, por outro lado, eleva as concentrações séricas de insulina e, concomitantemente ao consumo de refeições com alta carga glicêmica, contribui para a desregulação da proliferação celular no folículo, visto que o IGFBP-3 atua como fator inibitório de crescimento, impedindo a ligação do IGF-1 em seus receptores (7).
A acne também tem sido relacionada ao Hormônio do Crescimento (GH). No fígado, o GH induz a síntese e secreção de IGF-1, responsável pela estimulação do crescimento. Tanto o GH quanto o IGF-1, em conjunto com a insulina, afetam o crescimento e a diferenciação dos sebócitos (1). Além disso, o IGF-1 é capaz de aumentar os receptores de andrógenos e a produção de testosterona e di-hidrotestosterona (DHT), levando a uma maior atividade androgênica e a uma maior estimulação do crescimento das células foliculares, consequentemente, aumentando a acne (2).
Leite e Derivados
Foi demonstrada uma relação entre o consumo de leite e derivados e a acne (5, 6). Por conterem caseína e whey protein, esses produtos são capazes de elevar as taxas de IGF-1 e insulina (2). O whey protein é um dos indutores mais potentes do polipeptídio insulinotrópico dependente de glicose (GIP), secretado pelas células enteroendócrinas K (9). Alguns estudos têm demonstrado que pacientes com acne apresentam níveis de IGF-1 mais elevados do que pacientes sem acne (2).
Tem-se postulado que o leite desnatado apresenta menor quantidade de estrogênio, um hormônio conhecido por reduzir a acne. Além disso, o processo de retirada da gordura do leite pode exacerbar fatores responsáveis pelo aumento da acne (2, 3). O processamento UHT (Temperatura Ultra Alta) parece diminuir as concentrações de microRNA, conferindo um efeito protetor contra a acne (2). Contudo, queijos e iogurtes não foram associados ao aumento da acne, possivelmente devido ao processo de fermentação bacteriana (2). Em relação ao whey protein e à caseína, a caseína demonstra um maior potencial de elevação do IGF-1, embora ambos sejam capazes de gerar esse estímulo (9).
Gorduras Trans
Os ácidos graxos presentes nas gorduras trans podem favorecer o aparecimento da acne ao competirem com os ácidos graxos essenciais na síntese de prostaglandinas, o que potencializa a formação de substâncias pró-inflamatórias (7). A redução do consumo de gorduras trans é recomendada.
Micronutrientes e Antioxidantes
O ajuste da ingestão de diversos micronutrientes e a oferta de antioxidantes são considerados no manejo nutricional da acne.
- Zinco: Essencial para o desenvolvimento e funcionamento da pele (7). A suplementação de zinco mostrou-se eficaz, mas com evidências limitadas. Pacientes com acne apresentaram níveis baixos de zinco plasmático (3). Estudos indicaram que a suplementação oral desse micronutriente melhorou a aparência da acne em pacientes deficientes. No entanto, doses comuns administradas (400-600 mg/dia de sulfato de zinco) foram associadas a transtornos gastrointestinais como náuseas e vômitos (7). Esses efeitos colaterais podem ser minimizados com o consumo do suplemento logo após as refeições ou pela redução da dosagem. Deve-se atentar também aos possíveis efeitos adversos da ingestão prolongada de doses que ultrapassem o Limite Superior Tolerável de Ingestão (UL) (7). Atualmente, não há evidências suficientes para a prescrição de zinco no tratamento da acne (4).
- Selênio: A quantidade de selênio plasmático também tendeu a estar reduzida em pacientes com acne (3).
- Vitamina A: Um estudo demonstrou que a vitamina A pode estar relacionada com a acne (5, 6). Outro estudo mostrou que a suplementação oral de vitamina A (retinol) é efetiva no tratamento da acne quando utilizada em altas doses (300.000 UI/dia em mulheres e 400.000-500.000 UI/dia em homens) (7). Os autores reforçaram a possibilidade de esses pacientes apresentarem efeitos colaterais como xerose e queilites (7).
- Vitamina E e Outros Antioxidantes: Sugere-se que o estresse oxidativo pode implicar na origem da acne, de modo que suplementos e drogas antioxidantes podem ser úteis no tratamento (3). É importante fornecer outros antioxidantes além da vitamina E.
- Vitamina D: É fundamental garantir níveis adequados de vitamina D.
- Ômega-3: Tem sido proposto que o ômega-3 pode ser importante na prevenção da acne, pois é capaz de aumentar as concentrações de IGFBP-3 e de reduzir as concentrações de IGF-1, sendo favorável na prevenção da hiperqueratinização dos folículos pilossebáceos (3, 7). Além disso, o ômega-3 apresenta propriedades anti-inflamatórias, incluindo a inibição do leucotrieno B4 (LTB4), substância envolvida nos processos inflamatórios das lesões da acne (3, 7). Apesar disso, ainda não existem evidências suficientes para a prescrição de ômega-3 no tratamento da acne (4).
Outras Considerações na Conduta Clínica:
- Fibras: Aumentar o consumo de fibras.
- Estresse Oxidativo: Sugere-se que o estresse oxidativo pode implicar na origem da acne (3).
- Acne e Câncer: Existem evidências consideráveis relacionando a sinalização da insulina/IGF-1 ao câncer. Nesse sentido, a acne, que está relacionada ao aumento do IGF-1/insulina, pode estar correlacionada com o desenvolvimento de câncer. Alguns estudos associaram a acne severa em homens a um aumento do risco de carcinoma de próstata (9).
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