Desenvolvimento Psicossocial na Adolescência: Etapas, Lutos e Formação da Identidade
Introdução
A adolescência é uma fase crucial do desenvolvimento humano, caracterizada por profundas transformações físicas, psicológicas e sociais que culminam na aquisição das características de um adulto. Este período é marcado por uma série de desafios e oportunidades que moldam a identidade e a inserção do indivíduo no mundo.
Desenvolvimento Psicossocial Positivo
Os principais fatores para um desenvolvimento psicossocial bem-sucedido na adolescência são (1):
- Um ambiente familiar em que os pais sejam responsivos e apoiem a necessidade de individuação do adolescente.
- O envolvimento em uma rede social de pares de sexo oposto e do mesmo sexo, que estejam em uma trajetória de desenvolvimento psicossocial saudável.
- Oportunidades para experimentar e explorar novas responsabilidades e relacionamentos.
Etapas da Adolescência
A adolescência é extremamente importante, visto que o indivíduo atravessa um processo em que obtém as características físicas, psicológicas e sociais de um adulto (1). Nessa transformação, podem-se destacar alguns temas principais:
- Independência.
- Imagem corporal.
- Grupo social.
- Identidade própria.
Adolescência Inicial (10 aos 14 anos)
Período marcado pelo rápido crescimento e pela entrada na puberdade (1). Destaca-se a independência (diminui o interesse pelas atividades com os pais); a imagem corporal (insegurança em relação à aparência); o grupo (existirá uma relação intensa com amigos do mesmo sexo); e a identidade (aumenta a necessidade de privacidade e impulsividade) (1).
Adolescência Média (14 aos 17 anos)
Período caracterizado pelo desenvolvimento intelectual e pela maior valorização do grupo (1). Destaca-se a independência (o conflito com os pais); a imagem corporal (ocorre uma aceitação do corpo e um interesse por ser atraente); o grupo (comportamento conforme valores do grupo e prática da experiência sexual); identidade (desenvolvimento da habilidade intelectual, excesso de confiança e comportamento de risco) (1).
Adolescência Tardia ou Final (17 aos 20 anos)
Período no qual as etapas anteriores se consolidam (1).
Adolescência Estendida (20 aos 24 anos)
Alguns estudiosos sugerem estender a adolescência até os 24 anos, por questões fisiológicas e culturais (1).
Características Psicológicas da Adolescência
A consequência final da adolescência seria um conhecimento de si como entidade biológica no mundo, ou seja, a integração biopsicossocial de cada ser nesse momento da vida (1). Aberastury e Knobel identificaram a síndrome da adolescência normal, na qual diversos comportamentos que seriam considerados patológicos em outros estágios do ciclo vital são considerados esperados e normais no período da adolescência (1).
A síndrome da adolescência normal é o conjunto de comportamentos e mudanças que as crianças apresentam ao chegar a essa fase, entre 12-18 anos (1).
Nota: Os pais precisam compreender que esse é um momento natural, mas que deve ser observado e conduzido para que não exista a tendência de se tornar patológico (1).
Para Knobel, o adolescente tem que conviver com a superação de três lutos que correspondem à (1):
- Perda do corpo infantil.
- Perda da identidade da infância.
- Perda da figura protetora dos pais.
O que diferenciará cada processo de luto, tornando-o maior ou menor em termos de “anormalidade” dessa síndrome normal, estará ligado aos processos de elaboração dessa nova identificação e ao luto que cada indivíduo tenha podido realizar quando adolescente (1).
Características da Síndrome da Adolescência Normal
- Busca de si e da identidade: As modificações corporais e as expectativas sociais podem levar o jovem a vivenciar uma situação nova, com ansiedade pelo desconhecimento do futuro. A experiência de ter um corpo em mutação gera conflitos com a autoimagem, alternando momentos de orgulho e vergonha. O adolescente precisa transitar e evoluir sua personalidade, ou seja, precisa saber quem ele é e em que está se transformando para reconstruir sua identidade. É comum jovens passarem horas em frente ao espelho e se compararem, buscando um padrão de normalidade e aceitação. Podem ocorrer momentos de isolamento e a apropriação de identidades transitórias, como um esboço da própria identidade (1).
- Tendência grupal: Durante a busca da identidade, o adolescente pode recorrer a um comportamento defensivo na busca pela uniformidade. Isso pode lhe transmitir segurança e autoestima, reforçando o espírito de grupo. No grupo, há um processo massivo de identificação coletiva. Observa-se semelhança em vestimentas, modo de falar (podem criar um idioma próprio), lugares frequentados e interesses. Nesse momento, o jovem se identifica mais com o grupo do que com a família. O grupo se constitui uma ponte de suporte necessária na transição entre o mundo familiar e o mundo adulto (1).
- Necessidade de intelectualizar e fantasiar: A realidade das mudanças se impõe ao adolescente, exigindo a renúncia ao corpo infantil e à proteção familiar. Essa experiência pode ser vivida como desamparo e impotência, levando o adolescente a recorrer ao pensamento para compensar essas perdas. Ele tende a fugir para seu mundo interior, buscando compensação emocional e um novo ajuste, o que o leva a demonstrar preocupações de ordem ética, moral e social. Podem surgir grandes teorias sobre o mundo com ideias fantasiosas (1).
- Crises religiosas: A conduta do adolescente pode variar de ateísmo total a comportamentos religiosos fervorosos, passando de misticismo a fanatismo. Nesse período, pode haver grande variedade de posições religiosas e mudanças frequentes. A religiosidade emerge dos questionamentos sobre a identidade (“quem sou eu?”, “o que estou fazendo aqui?”), que ele tenta responder (1).
- Deslocamento temporal: As urgências dos adolescentes são tão grandes que há um grande conflito em “deixar para depois” algo necessário e pungente. O adolescente ainda não possui características adultas de delimitar e discriminar, que só adquire lentamente. À medida que elabora suas perdas, surge o conceito de tempo, que implica as noções de passado, presente e futuro (1).
- Evolução sexual do autoerotismo à heterossexualidade: Existe uma oscilação entre a atividade de masturbação e o início dos exercícios genitais na vida do adolescente, que começa de forma exploratória até evoluir para a prática sexual na vida adulta. O interesse por vídeos pornográficos e por experiências homossexuais, o exibicionismo e o voyeurismo podem se manifestar como curiosidades sexuais. Despontará uma evolução na intimidade, com contatos superficiais, depois profundos e mais íntimos, que preenchem sua vida sexual (1).
- Atitude social reivindicatória: Essas atitudes são frequentemente respostas às restrições sociais e uma demonstração da capacidade cognitiva e do pensamento. Há um processo de intelectualização, e as fantasias conscientes reforçadas nos grupos transformam-se em pensamento ativo, resultando em verdadeira ação social, política e cultural. Muitas vezes, as reivindicações não são perdas vividas diretamente pelo adolescente, mas da sociedade, dos pais ou da família. Essa característica particular é aproveitada por seitas e grupos políticos ou religiosos para arregimentar seguidores (1).
- Contradições sucessivas nas manifestações de conduta: A conduta do adolescente está diretamente relacionada com a ação, a impulsão e a expressão. Ele não pode manter uma linha de conduta rígida e permanente, mesmo que tente. O jovem terá uma personalidade permeável, absorvente como uma esponja, que recebe e projeta tudo de forma grandiosa. Isso se reflete em conduta flutuante, contradições, identidades transitórias, uma resposta a uma atitude adulta para a qual ainda não estão capacitados (1).
- Separação progressiva dos pais: Essa é uma das perdas fundamentais que o adolescente necessita assumir internamente e que pode gerar ansiedade intensa durante essa transição. Muitas vezes, os pais não aceitam e negam o crescimento dos filhos, dificultando a resolução dessa ansiedade. Boas imagens parentais, com papéis bem definidos, sem ambiguidades ou encobrimentos, são importantes na internalização das percepções do cotidiano. A imagem de pais com personalidades pouco consistentes força o adolescente a buscar identificação com outras imagens adultas (1).
- Constantes flutuações do humor: As modificações hormonais e de humor podem desencadear um sentimento básico de ansiedade e depressão que acompanhará a adolescência, dificultando a elaboração das perdas que sofre. A maneira como o adolescente compreende suas emoções determinará a maior ou menor intensidade dessas flutuações. A realidade pode gerar muitas frustrações e um sentimento de solidão, levando ao isolamento. Contudo, assim como se sente um “patinho feio”, um gesto simples pode fazê-lo sentir-se a mais feliz das criaturas (1).
Identidade e Adolescência
Piaget destacava a importância do desenvolvimento da autonomia nas decisões alcançadas pelos estágios cognitivos, que levaria o adolescente a escolhas responsáveis.
Teoria Psicossocial de Erikson
Erikson aprofundou a teoria Freudiana, elaborando uma teoria sobre o desenvolvimento da personalidade na adolescência, período que ele denominava “moratória psicossocial” (1). Segundo ele, nesse período o indivíduo pode se preparar para a autonomia ao mesmo tempo em que ainda recebe apoio, orientação e proteção da família, não sendo tão exigido socialmente como um adulto (1). É um tempo de dependência, no qual o adolescente pode ensaiar modos de viver e se relacionar com as pessoas, testar suas capacidades e seus limites (1). Os compromissos com a vida adulta são adiados, pois será um tempo de reflexão para integrar a identidade do ego (1). A crise de identidade raramente se resolve de forma plena na adolescência, e questões relativas à identidade aparecerão repetidas vezes durante a vida adulta (1).
Para formar uma identidade, os adolescentes devem afirmar e organizar suas habilidades, seus interesses, suas necessidades e seus desejos para que eles possam ser expressos em um ambiente social (1). As “panelinhas”, a intolerância e a infantilidade — que são marcos do período — atuam como defesas contra a confusão de identidade (1). Efetivamente, a identidade se forma a partir da resolução de três questões importantes (1):
- Escolha de uma ocupação.
- Adoção de valores nos quais acredita e pauta seu viver.
- Desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória.
Nesse período da moratória psicossocial, muitos jovens procuram formas de se comprometer com fidelidade. Fidelidade, nesse caso, é lealdade, fé em um conjunto de valores, uma ideologia, uma religião, um movimento político, entre outros (1). É um sentimento de pertencer a alguém a quem se ama, ou a amigos e companheiros (1).
Teoria de Elkind
Elkind elaborou um conjunto de consequências derivadas do desenvolvimento cognitivo do adolescente, segundo Piaget (1).
- Capacidade de lidar com a lógica combinatória: O adolescente é capaz de lidar com a lógica combinatória e resolve problemas com muitos fatores ao mesmo tempo. Em situações sociais, ele pode analisar as alternativas para solucionar um problema, mas tem dificuldade em decidir. Não aceita mais de forma passiva a escolha dos pais (1).
- Capacidade de usar a introspecção: O adolescente é capaz de encarar seu próprio pensamento como um objeto e pensar sobre ele, o que significa que podem usar a introspecção. Eles são mais flexíveis, e as palavras podem ter duplo sentido. Mas isso gera uma preocupação com a reação dos outros em relação a si próprio. Pode criar disfarces sociais para obter uma imagem pública mais favorável (1).
- Capacidade de construir ideias: O pensamento do adolescente apresenta a capacidade de construir ideias e de raciocinar em situações de contrariedade. Ele está habilitado a pensar em uma família ideal, uma religião ideal e uma sociedade ideal. Pode ser levado a criticar a realidade social em que vive (1).
Para Elkind, existem duas formas de desenvolver a identidade (1):
- A primeira, e mais saudável, é um processo de diferenciação e de integração: tornar-se consciente dos muitos aspectos em que se é diferente dos outros e depois integrar essas partes distintivas de si em um todo unificado e único.
- O segundo caminho, inicialmente mais fácil, é o da substituição: substituir, de forma infantil, um conjunto de ideias e sentimentos a seu próprio respeito por outro, simplesmente adotando as atitudes, as crenças e os comprometimentos de outras pessoas como seus.
O senso de identidade construído principalmente pelo processo da substituição é o que Elkind chama de “identidade de colcha de retalhos“, um self construído a partir de pedaços de partes, muitas vezes conflitantes (1). Adolescentes com identidades “em retalhos” tendem a apresentar fraca autoestima. Apresentam dificuldade para lidar com a liberdade, com as frustrações, perdas e fracassos. Podem ter um perfil ansioso. São altamente suscetíveis à influência externa e altamente vulneráveis ao estresse, pois não possuem “bússola interior”, nenhum senso distintivo de direção para se orientar (1). Se os jovens virem seus pais agindo segundo princípios sólidos e arraigados, terão mais chances de desenvolver seus próprios princípios sólidos e arraigados. Uma criação democrática pode ajudar se os pais mostrarem aos adolescentes modos efetivos de lidar com o estresse, assim, os jovens tenderão menos a sucumbir às pressões que ameaçam sua identidade de colcha de retalhos (1).
Relacionamentos na Adolescência
Rebeldia e Pais
Apesar dos adolescentes passarem muito tempo com os amigos e menos com a família, os valores fundamentais dos adolescentes permanecem mais parecidos com os de seus pais do que geralmente se percebe (1). A maioria das discussões está relacionada muito mais a questões cotidianas do que a valores fundamentais (1). Algumas dessas questões podem, contudo, se transformar em grandes preocupações, como o uso de drogas, direção segura e proteção na prática sexual (1).
A ideia da rebeldia adolescente pode ter nascido na primeira teoria formal da adolescência, do psicólogo G. Stanley Hall, que acreditava que um grande esforço era feito pelos jovens para se adaptarem a seus corpos durante a transformação (1). Esse processo adaptativo promovia, junto com as demandas da idade adulta, um período de “tormenta e de estresse“, o que produz o conflito entre as gerações (1). Os pais precisam saber distinguir entre oferecer aos adolescentes independência suficiente e protegê-los de momentos de imaturidade e impulsividade (1).
Amizades
As amizades são fundamentalmente diferentes dos relacionamentos familiares (1). Elas são mais igualitárias do que as relações entre pais e filhos e com irmãos (que geralmente são mais velhos ou mais jovens) (1). Geralmente, baseiam-se em escolha e comprometimento (1). As amizades na adolescência são mais recíprocas, pois envolvem a importância da lealdade e o compartilhamento de confidências (1). A intimidade, a lealdade e o compartilhamento são características da amizade adulta (1). A intimidade com amigos do mesmo sexo aumenta durante o processo da adolescência e depois normalmente diminui à medida que a intimidade com o sexo oposto aumenta (1).
Observação: Adolescentes que têm amizades próximas, estáveis e apoiadoras geralmente têm uma opinião favorável a seu próprio respeito, saem-se bem na escola, são sociáveis e tendem a não ser hostis, ansiosos ou deprimidos (1).
Referências Bibliográficas
- Papalia DE, Martorell G. Desenvolvimento Humano. 14. ed. Artmed; 2022. v. 1.