Afasia: Prejuízo da Linguagem por Lesão Neurológica

Afasia: Prejuízo da Linguagem por Lesão Neurológica


Introdução

A afasia é um transtorno de linguagem adquirido, resultante de uma lesão neurológica, que se manifesta como a perda ou prejuízo da capacidade de expressar ou compreender a linguagem, seja na forma falada ou escrita. Geralmente, acomete o hemisfério cerebral esquerdo e é a alteração adquirida mais comum decorrente de dano cerebral. Para que uma alteração de linguagem seja classificada como afasia, a aquisição total da linguagem já deve ter sido concluída ou estar em processo. A localização da lesão cerebral é um fator determinante para o tipo de afasia. É crucial ressaltar que a afasia pode ocorrer sem a perda de outras faculdades cognitivas ou da capacidade de mover os músculos envolvidos na fala.


Áreas Cerebrais da Linguagem: Broca e Wernicke

Historicamente, a compreensão das bases neurais da linguagem foi impulsionada por descobertas sobre regiões cerebrais específicas:

  • Área de Broca: Em 1863, Paul Broca publicou um artigo descrevendo casos de comprometimento da linguagem associados a lesões no lobo frontal do hemisfério esquerdo (1). Em 1864, propôs que a expressão da linguagem fosse controlada por um único hemisfério, quase sempre o esquerdo. Essa visão foi corroborada pelo procedimento de Wada, que anestesia um hemisfério cerebral por vez (1). Embora o teste de Wada tenha sido substituído por técnicas de imageamento funcional, os resultados permanecem consistentes (1). A região do lobo frontal esquerdo dominante, crucial para a articulação da fala, passou a ser denominada área de Broca (1). Se um hemisfério é predominantemente envolvido em uma tarefa, ele é considerado “dominante” (1).
  • Área de Wernicke: Em 1874, o neurologista Karl Wernicke descreveu que lesões em uma região diferente da área de Broca, também no hemisfério esquerdo, prejudicavam a fala normal (1). Localizada na superfície superior do lobo temporal, entre o córtex auditivo e o giro angular, essa região é atualmente conhecida como área de Wernicke (1).

É importante notar que, embora os termos “área de Broca” e “área de Wernicke” sejam amplamente utilizados, seus limites anatômicos não são rigidamente definidos e podem variar consideravelmente entre os indivíduos (1).


Tipos de Afasia

A classificação das afasias baseia-se na localização da lesão e nas características da produção (fluência, gramática, erros parafásicos) e compreensão da linguagem.

Tipo de AfasiaLocal da LesãoCompreensãoFalaRepetição PrejudicadaErros Parafásicos
De BrocaCórtex motor associativo do lobo frontalBoaNão fluente, prejuízos na gramáticaSimSim
De WernickeLobo temporal posteriorPrejudicadaFluente, gramatical, sem sentidoSimSim
De ConduçãoFascículo arqueadoBoaFluente, gramaticalSimSim
GlobalPorções extensas dos lobos temporal e frontalPrejudicadaMuito poucaSim
Transcortical MotoraLobo frontal anterior à área de BrocaBoaNão fluente, prejuízos na gramáticaNãoSim
Transcortical SensorialCórtex próximo à junção dos lobos temporal, parietal e occipitalPrejudicadaFluente, gramatical, sem sentidoNãoSim
AnômicaLobo temporal inferiorBoaFluente, gramaticalNão

Afasia de Broca (Afasia Motora ou Não Fluente)

A afasia de Broca é caracterizada por dificuldade significativa na produção da fala (1). Embora a compreensão da linguagem ouvida ou lida seja geralmente boa, os indivíduos com esta afasia fazem pausas frequentes para procurar a palavra certa, um fenômeno conhecido como anomia (1). A fala é frequentemente de estilo telegráfico, utilizando principalmente palavras de conteúdo (substantivos, verbos, adjetivos) e apresentando agramatismo (incapacidade de construir sentenças gramaticalmente corretas) (1).

Wernicke teorizou que a área lesada na afasia de Broca contém as “memórias para a delicada série de comandos motores necessários à articulação dos sons das palavras” (1). Essa teoria ainda é considerada, embora outras perspectivas também existam (1).

Apesar de a dificuldade mais óbvia ser na produção da fala, sugerindo um distúrbio do componente motor, alguns fatos indicam que há mais do que um simples déficit motor (1):

  • Deficiências de compreensão podem ser demonstradas com questões “armadilha” (1).
  • Um déficit motor isolado não explicaria a capacidade de pronunciar “bee” (abelha) mas não “be” (ser), apesar da mesma pronúncia em inglês (1).
  • Pacientes podem apresentar anomia considerável, sugerindo problemas tanto em “achar” palavras quanto em produzi-las (1).

Afasia de Wernicke (Afasia de Compreensão)

Na afasia de Wernicke, o discurso é fluente e gramaticalmente correto, mas o conteúdo frequentemente não faz sentido (1). Se a língua for desconhecida para o ouvinte, a fala pode soar normal devido à sua fluência (1). No entanto, a compreensão é pobre (1).

Comparados aos afásicos de Broca, os afásicos de Wernicke apresentam uma verborragia mais intensa e cometem muito mais erros parafásicos (1). Estes erros consistem na utilização do som correto em sequência incorreta, como “plique” em vez de “clipe” (1).

Devido ao fluxo de fala ininteligível, a avaliação da compreensão em afásicos de Wernicke é desafiadora, pois frequentemente não parecem perturbados com o som de seu próprio discurso ou com o discurso alheio, apesar de provavelmente não entenderem nenhum deles (1). A compreensão é tipicamente avaliada solicitando-se ao paciente que responda de maneira não verbal, por exemplo, pedindo para colocar um objeto A sobre um objeto B (1). Testes dessa natureza confirmam que afásicos de Wernicke não compreendem a maioria das instruções, sendo completamente incapazes de entender questões que afásicos de Broca compreendem (1).

A área de Wernicke é hipotetizada como tendo um papel fundamental na relação entre os sons da fala (sinais de entrada) e seus significados (1). Ela poderia ser uma área especializada no armazenamento das “memórias dos sons que formam as palavras” (1). Alguns a consideram uma área de ordem superior para o reconhecimento de sons, análoga ao córtex temporal inferior para o reconhecimento visual (1). Um déficit no reconhecimento do som explicaria a má compreensão da fala em afásicos de Wernicke (1).

Afasia de Condução

Neste tipo de afasia, tanto a área de Broca quanto a de Wernicke estão preservadas, e a fluência verbal e a compreensão são relativamente intactas (1). No entanto, a condução da informação entre essas áreas é interrompida, geralmente devido a uma lesão no fascículo arqueado (1). Consequentemente, esses pacientes cometem muitos erros no uso de sílabas e letras na expressão de seus pensamentos e sentimentos, especialmente na repetição de palavras e frases (1).


Referências Bibliográficas

  1. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 974 p.