Agonistas do Receptores de GLP-1: Implicações Terapêuticas na Diabetes e Esteatose Hepática


Agonistas do Receptores de GLP-1: Implicações Terapêuticas na Diabetes e Esteatose Hepática


Introdução

Os agonistas dos receptores do Peptídeo Glucagon-Símile 1 (GLP-1) representam uma classe terapêutica de crescente importância no manejo de diversas condições metabólicas, destacando-se o diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e a esteatose hepática não alcoólica (EHNA). Esta classe de fármacos, ao mimetizar a ação do hormônio GLP-1 endógeno, exerce múltiplos efeitos fisiológicos que contribuem para o controle glicêmico, a redução de peso e a melhoria de parâmetros hepáticos.


Fármacos Principais e Mecanismo de Ação

Principais Fármacos

Os principais fármacos desta classe incluem:

  • Tirzepatida (Mounjaro)
  • Semaglutida (Ozempic)
  • Liraglutida (Saxenda)
  • Exenatida

Efeitos Fisiológicos do GLP-1

O peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) é um hormônio liberado a partir do gene proglucagon em células L do intestino delgado distal e cólon em resposta à ingestão oral de nutrientes. O hormônio se liga aos receptores de GLP-1 expressos em tecidos como as células beta pancreáticas, mucosa gástrica, rim, coração e hipotálamo. (6)

O GLP-1 é um hormônio intestinal endógeno que atua via proteína G, promovendo a produção e liberação de insulina de forma glicose-dependente, inibindo a secreção de glucagon, diminuindo a ingestão alimentar e retardando o esvaziamento gástrico (1, 2, 4, 5,6). Essa redução na ingestão de alimentos, mediada pelo efeito na saciedade, está associada à diminuição do peso corporal e ao menor acúmulo de gordura hepática (1, 2, 4).

Apesar da baixa meia-vida do GLP-1 endógeno (apenas 1-2 minutos) (1, 5,6), seus análogos farmacológicos, como a liraglutida, possuem meia-vida estendida (aproximadamente 13 horas), ou a semaglutida (meia vida de 155-184 horas). Isso confere eficácia na perda de peso, na redução da hemoglobina glicada (HbA1c), na diminuição da pressão arterial e na melhora da função das células beta-pancreáticas (5,6).

Efeitos fisiológicos do GIP:

O Polipeptídeo Inibitório Gástrico (GIP), também conhecido como polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose, é um hormônio gastrointestinal secretado pelas células K no duodeno e jejuno poucos minutos após a ingestão de alimentos. (7) Sua principal ação é promover a secreção de insulina, e em indivíduos sem diabetes, também estimula a secreção de glucagon. Adicionalmente, o GIP melhora o armazenamento de energia e a sensibilidade à insulina no tecido adiposo. Estudos em animais sugerem que ele pode reduzir o apetite, e sua coadministração com GLP-1 demonstrou reduzir a ingestão de alimentos e o peso corporal em maior extensão do que cada um isoladamente, indicando um efeito aditivo. (7)

Liraglutida (Saxenda):

A liraglutida é um agonista do receptor de GLP-1 modificado para se ligar não covalentemente à albumina sérica, o que resulta em degradação mais lenta e uma meia-vida de 11 a 15 horas. Em 2014, a dose de 3,0 mg diária injetável foi aprovada pela FDA e em 2015 pela EMA para manejo crônico do peso em adultos com IMC inicial de pelo menos 30 kg/m2 (ou ≥27 kg/m2 na presença de pelo menos uma comorbidade relacionada ao peso). A dosagem inicial é de 0,6 mg diários por uma semana, sendo então titulada semanalmente em intervalos de 0,6 mg até atingir a dose recomendada de 3 mg diários. (6) A liraglutida induz à perda de peso pela redução da ingestão de energia. Ela tem pouco efeito conhecido no gasto de energia. Em comparação com o placebo, a liraglutida diminui a ingestão de energia ad libitum em 16%, conforme demonstrado em um paradigma de refeição laboratorial. (6)

Semaglutida (Ozempic):

A semaglutida é um agonista do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) de ação prolongada, com 94% de homologia com o GLP-1 humano nativo. Suas modificações estruturais permitem uma ligação reversível à albumina, reduzindo a depuração renal e a degradação pela enzima dipeptil peptidase 4 (DPP-4), ao mesmo tempo em que mantém uma alta afinidade pelo receptor de GLP-1 (GLP-1R). Essa formulação resulta em uma degradação mais lenta e uma meia-vida de 155 a 184 horas, permitindo uma dosagem subcutânea uma vez por semana sem comprometer a eficácia na perda de peso. (6)

Estudos demonstraram que a semaglutida, em 2,4 mg (uma vez por semana, por 20 semanas) reduziu a ingestão energética ad libitum em 35%. Em comparação com o placebo, a semaglutida também resultou em maiores reduções na fome e na compulsão alimentar, aumento da saciedade e melhor controle da alimentação. Estudos em roedores também indicaram que a semaglutida possui efeitos diretos e indiretos em vias neurais envolvidas no controle hedônico e homeostático do apetite. (6)

A semaglutida para o controle de peso é administrada subcutaneamente uma vez por semana na dose de 2,4 mg. Esta dose foi selecionada com base em um ensaio clínico de fase 2, no qual a maior perda de peso foi alcançada com semaglutida uma vez ao dia, 0,4 mg (equivalente a 2,8 mg semanalmente), do que com placebo ou liraglutida 3,0 mg/dia. (6)

A dose inicial é de 0,25 mg, administrada por injeção subcutânea no abdômen, coxa ou parte superior do braço uma vez por semana, durante 4 semanas. A dose é então aumentada em intervalos de 4 semanas (totalizando 16 semanas) até que a dose de 2,4 mg por semana seja atingida. A semaglutida está disponível em canetas pré-preenchidas de uso único. (6)

Tirzepatida (Mounjaro):

A tirzepatida é um agonista dual unimolecular dos receptores GLP-1 e GIP de uso semanal, modificada para prolongar sua meia-vida. Possui afinidade ao receptor GIP comparável ao GIP nativo, mas liga-se ao receptor GLP-1 com uma afinidade aproximadamente 5 vezes mais fraca que o GLP-1 nativo. (7)

A tirzepatida, o primeiro co-agonista GLP-1/GIP aprovado para o manejo do sobrepeso/obesidade e DM2, representa uma nova era na farmacoterapia da obesidade, permitindo uma PP média ≥20% e manutenção do peso, juntamente com melhorias marcantes em múltiplos fatores de risco cardiometabólicos, função física e complicações relacionadas à obesidade.

Dentre seus efeitos, já foi mostrado a capacidade de redução do peso corporal, melhora da glicemia, diminuição da resistência a insulina, melhora de marcadores inflamatórios, diminuição da pressão sanguínea, diminuição dos triglicerídeos, melhora da função física e melhora de parâmetros associados a apneia obstrutiva do sono. (7)

A dosagem alvo utilizada é 15 mg por semana, mas doses de 5, ou 10 mg já apresentam efeitos significativos, inclusive, melhores do que a semaglutida. E seus efeitos foram pareados com a cirurgia bariatrica, ambas obtendo uma perda de peso de aproximadamente 25%. (7)

A dose inicial é de 2.5 mg uma vez por semana. Essa dose é gradualmente aumentada em incrementos de 2.5 mg a cada 4 semanas. A dose máxima é de 15 mg uma vez por semana. As doses de manutenção recomendadas são 5 mg, 10 mg e 15 mg. (7)

Ela possui um perfil de segurança semelhante aos GLP-1 e foi bem tolerada. (7)


Indicações Clínicas

Obesidade:

Um dos diversos estudos relativos ao uso da semaglutida revelou dois achados muito importantes: o primeiro é que os pacientes perderão quantidades substanciais de peso durante o período de titulação ascendente de 16 semanas, mas não atingirão sua perda de peso máxima até tomarem a dose completa por 1 ano. O segundo achado diz respeito ao reganho de peso relativamente rápido que ocorreu em participantes que foram randomicamente designados para descontinuar a medicação após o run-in de 20 semanas. Esse reganho é comum após a interrupção de AOM (e intervenções comportamentais) e ressalta a necessidade de prescrever essas medicações a longo prazo, com o reconhecimento de que a obesidade, para a maioria dos indivíduos, é uma condição crônica que pode ser gerenciada, mas não curada. (6)

Diabetes Mellitus Tipo 2

O uso de agonistas do receptor de GLP-1 tem demonstrado eficácia notável no tratamento do DM2. Uma meta-análise revelou que a semaglutida oral promoveu alterações significativas na HbA1c, no peso corporal, na glicemia de jejum e na glicemia auto-medida (3). A semaglutida oral foi recentemente aprovada para o tratamento de pacientes com DM2 (4).

Em comparação com placebo, a semaglutida foi capaz de reduzir a HbA1c em 0,9% de forma dose-dependente, sem elevar o risco de hipoglicemia (4). Adicionalmente, a semaglutida oral demonstrou uma redução de 3 kg em pacientes com DM2, diminuindo a pressão sistólica e a mortalidade associada (4).

Esteatose Hepática Não Alcoólica (EHNA)

A forte correlação da EHNA com a síndrome metabólica, obesidade e DM2, justifica a investigação de terapias como os agonistas de GLP-1, que induzem a perda de peso e aprimoram a sensibilidade à insulina (5). Agonistas dos receptores de GLP-1, incluindo liraglutida e semaglutida, aprovados para o tratamento do DM2, têm sido explorados neste contexto (1).

Esses medicamentos demonstraram reduzir a esteatose hepática e o dano hepático, com evidência mais proeminente para a semaglutida (1). Estudos indicam que análogos de GLP-1 são capazes de reduzir os níveis de enzimas hepáticas e o estresse oxidativo, além de melhorar a histologia hepática em modelos animais (5). Em modelos in vitro, foram observados a redução da esteatose pela diminuição da lipogênese de novo e pelo aumento da oxidação de ácidos graxos (5).

A melhora da esteatose com o uso da liraglutida é considerada multifatorial, decorrendo da perda de peso e da melhora do controle glicêmico (5). Adicionalmente, estudos sugerem que análogos de GLP-1 são capazes de aprimorar a capacidade hepática de lidar com o excesso de ácidos graxos não esterificados e com o aumento da produção de gordura, por meio da modulação do transporte lipídico, da beta-oxidação e da lipogênese de novo (5).


Segurança e Tolerabilidade

A segurança dos agonistas de GLP-1 tem sido consistentemente demonstrada. A semaglutida oral não elevou a incidência de eventos adversos graves, nem resultou em episódios de hipoglicemia, infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral, quando comparada a placebo ou outros hipoglicemiantes (3). A liraglutida demonstrou ser segura e bem tolerada, independentemente da gravidade das comorbidades associadas (5).

É relevante notar que, diferentemente de muitas drogas antidiabéticas, como insulina e metformina, que são metabolizadas nos rins e frequentemente contraindicadas em pacientes com doença renal crônica, os agonistas de GLP-1 são raramente metabolizados por essa via. Consequentemente, não é necessário ajuste de dose, mesmo em pacientes com doença renal crônica em estágios 4 ou superiores (3).

Os principais efeitos colaterais reportados incluem diarreia (21-36%), constipação (17-36%), náuseas (33-58%) e vomitos (21-27%) (5,6). A maioria desses eventos foi leve a moderada, transitória e ocorreu durante as primeiras 20 semanas de tratamento, durante a escalada da dose (6)

A semaglutida é contraindicada na gravidez, em pacientes com histórico pessoal ou familiar de câncer medular da tireoide ou síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2, ou hipersensibilidade conhecida à semaglutida ou a qualquer um de seus componentes. Casos raros de pancreatite aguda, hipoglicemia, lesão renal aguda, retinopatia diabética em pacientes com diabetes tipo 2, angioedema e anafilaxia foram relatados. (6)


Referências Bibliográficas

  1. FERGUSON, D.; FINCK, B. N. Emerging therapeutic approaches for the treatment of NAFLD and type 2 diabetes mellitus. Nat Rev Endocrinol, v. 17, n. 8, p. 484–495, 15 ago. 2021. Disponível em: http://www.nature.com/articles/s41574-021-00507-z. Acesso em: [inserir data de acesso].
  2. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
  3. LI, J. et al. Efficacy and safety of the glucagon-like peptide-1 receptor agonist oral semaglutide in patients with type 2 diabetes mellitus: A systematic review and meta-analysis. Diabetes Res Clin Pract, v. 172, 2021.
  4. AVGERINOS, I. et al. Oral semaglutide for type 2 diabetes: A systematic review and meta-analysis. Diabetes, Obes Metab, v. 22, n. 3, p. 335–345, 2020.
  5. ARMSTRONG, M. J. et al. Liraglutide safety and efficacy in patients with non-alcoholic steatohepatitis (LEAN): A multicentre, double-blind, randomised, placebo-controlled phase 2 study. Lancet, v. 387, n. 10019, p. 679–690, 2016.
  6. CHAO, Ariana M. et al. Semaglutide for the Treatment of Obesity. Trends in Cardiovascular Medicine, v. 33, n. 3, p. 159–166, abr. 2023.
  7. HAMZA, Malak; PAPAMARGARITIS, Dimitris; DAVIES, Melanie J. Tirzepatide for overweight and obesity management. Expert Opinion on Pharmacotherapy, v. 26, n. 1, p. 31-49, 2025.

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