Conduta Clínica: Allium sativum (Alho) e Suas Aplicações Terapêuticas
Introdução
O Allium sativum, popularmente conhecido como alho, é um bulbo amplamente utilizado tanto na culinária quanto na medicina tradicional. Reconhecido por suas múltiplas propriedades terapêuticas, o alho tem sido objeto de diversos estudos que investigam seus efeitos no organismo humano, especialmente relacionados a doenças crônicas e sua capacidade como agente protetor.
Principais Indicações Terapêuticas
O alho é indicado para uma variedade de condições clínicas devido aos seus compostos bioativos. As principais indicações incluem:
- Efeito Carminativo (10): Um estudo clínico demonstrou que o alho pode reduzir espasmos intestinais, aliviando a hiperperistalse e dispersando gases (10).
- Anticarcinogênico (1,10): Estudos clínicos sugerem que o Allium sativum pode auxiliar na quimioprevenção do câncer, com dados epidemiológicos indicando um efeito protetor, especialmente em carcinomas gastrointestinais, atribuído principalmente ao ajoeno (10). Mais pesquisas são necessárias para confirmar sua eficácia no tratamento.
- Antiasmático (1)
- Prebiótico (1)
- Hipertensão (1,10): O alho contribui para a redução da pressão arterial por meio de diversos mecanismos, incluindo a vasodilatação induzida pela ativação de canais de potássio e o bloqueio de canais de cálcio. Pode também estimular a produção de sulfeto de hidrogênio pelos eritrócitos, uma molécula sinalizadora que promove a abertura de canais K-ATP nas células musculares lisas, resultando em despolarização e dilatação vascular. Adicionalmente, inibe a Enzima Conversora de Angiotensina (ECA), diminui a sensibilidade às catecolaminas, inibe a PGE2 e o NFκB, e atua no canal de Na epitelial, reduzindo a vasoconstrição (2). Um estudo utilizou 400 mg de Allium sativum (ESP 1,5 mg de alicina) por 15 semanas, observando melhora da pressão sistólica e diastólica, além da Proteína C-Reativa ultrassensível (7). Uma meta-análise concluiu que a suplementação de A. sativum possui efeito hipotensor com doses de 600-900 mg/dia de pó de alho (3,6-5,5 mg de alicina) (10). No entanto, ainda não há protocolos que recomendem seu uso como tratamento principal para hipertensão arterial (10).
- Diabetes (1): O alho atua no diabetes por meio de seus efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes, sua capacidade regenerativa das células β-pancreáticas, a melhora da resistência à insulina e a diminuição da absorção intestinal de glicose. Um estudo com 400 mg de pó de alho, administrados quatro vezes ao dia por 12 semanas (duas vezes antes do almoço e duas vezes antes do jantar), demonstrou redução significativa da glicemia de jejum e do HOMA-IR, além de melhorar marcadores de estresse oxidativo (9). O extrato de alho também mostrou capacidade de reduzir a glicose de jejum a curto e longo prazos, bem como os níveis de frutosamina plasmática, HbA1c e glicemia pós-prandial (1).
- Dislipidemia (10): As saponinas presentes no alho demonstraram em estudos pré-clínicos a capacidade de reduzir a concentração de colesterol plasmático em animais, inibindo a absorção de colesterol no lúmen intestinal (10). Adicionalmente, o alho pode reduzir os níveis de triglicerídeos e aumentar o HDL (1), além de diminuir a síntese de colesterol através da inibição da HMG-CoA redutase (3).
- Aterosclerose (10): O A. sativum apresenta potencial tanto preventivo quanto curativo na arteriosclerose (10). O uso contínuo de altas doses de pó de alho, por um período de 48 meses, resultou em uma redução significativa do volume da placa aterosclerótica, podendo levar a uma leve regressão (10).
- Antiplaquetário (10): Um estudo observou redução da adesão e agregação plaquetária após três meses de tratamento com A. sativum em pacientes pós-infarto (10). Segundo alguns autores, seriam necessários 800 mg/dia de pó de alho por quatro semanas para se obter este efeito (10).
Alguns estudos também relataram efeitos colaterais como azia e indigestão (1).
Parte Utilizada e Posologia
A parte do alho utilizada para fins medicinais é o bulbo. A posologia pode variar dependendo da forma de apresentação:
- 1 dente de alho fresco/dia (4)
- 2-6g de bulbo fresco ou 2-4g de bulbo seco ou 2-5 dentes/dia (10)
- 10 mg de alicina/dia (5)
- Alho adicionado ao óleo: 1 dente de alho para 50 mL de azeite (recomenda-se branqueamento por 5 minutos em fogo baixo).
- Extrato seco: 300-1000 mg/dia (10)
- Tintura (1:5, etanol, 45%): 2 a 4 mL, três vezes ao dia (10)
- Extrato de alho envelhecido: 1000-7200 mg/dia (considerado benéfico para doenças cardiovasculares).
- Pó de alho: 600-4000 mg (4)
- Óleo de alho: 2-5 mg/dia (10)
Observações:
- Em alguns estudos pré-clínicos, o chá de alho mostrou-se praticamente atóxico e isento de efeitos colaterais (10).
- O uso de cápsulas com revestimento entérico é recomendado para aumentar a biodisponibilidade dos compostos ativos.
- Para máxima eficácia, o alho deve ser consumido cru ou pouco aquecido e macerado.
Extrato de Alho Envelhecido
O extrato de alho envelhecido resulta de um processo de fermentação dos bulbos em solução de álcool ou vinagre por 6 a 20 meses. Este processo visa remover as substâncias responsáveis pelo forte odor e irritação gastrointestinal associadas ao consumo de alho cru ou em óleo (10). Dessa forma, o extrato envelhecido é caracterizado por constituintes mais solúveis em água, como S-alilcisteína (SAC), S-alilmercaptocisteína (SAMC) e seus derivados, além de pequenas quantidades de compostos sulfurados (10).
Compostos Bioativos
Os principais componentes ativos do alho incluem:
- Compostos sulfurados: Derivados de cisteína, aliina, alicina, ajoeno. O principal componente é a aliina, que, quando o bulbo é cortado ou macerado, é convertida em alicina pela enzima alináse (1).
- Procianidinas
- Saponinas (10)
- Ácido fosfórico e sulfúrico (10)
- Proteínas
- Sais minerais
Diferentes formas de extrato (à base de álcool, água ou óleo) possuem variações em seus perfis de compostos, sendo os extratos à base de óleo os mais ricos em antioxidantes (1).
Óleo Essencial
O óleo essencial de alho e alguns de seus compostos organosulfurados demonstraram a capacidade de aumentar a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) (6).
Contraindicações e Interações Medicamentosas
É crucial considerar as seguintes contraindicações e potenciais interações:
- Interação com antiagregantes plaquetários e anticoagulantes: Há um baixo risco de interação. Em caso de uso concomitante, o tempo de protrombina (tempo de sangramento) deve ser monitorado (10).
- Dispepsias: Cuidado deve ser tomado em pacientes com dispepsia (10).
- Gastrite e úlceras gastroduodenais: Contraindicado em casos de gastrite e úlceras gastroduodenais em atividade (10).
- Amamentação: Não é indicado durante a amamentação, pois pode transferir sabor ao leite materno e causar cólicas no lactente (10).
- Inibidores de proteases (antirretrovirais): Risco de interação, podendo aumentar a toxicidade gastrointestinal (10).
Referências Bibliográficas
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