Atenção: Conceituação, Modelos, Bases Neurais e Alterações Clínicas
Introdução
A atenção é um processo cognitivo fundamental que permeia todas as nossas interações com o ambiente e com nossos próprios pensamentos. Ela se manifesta como a capacidade de selecionar e focar em estímulos relevantes, otimizando a clareza e a acuidade perceptiva. Compreender suas diversas facetas é essencial para a avaliação e intervenção em saúde.
Conceituação da Atenção
A atenção pode ser definida como o direcionamento volitivo da consciência, caracterizado pela seleção de um objeto específico para focalização, visando maior clareza e acuidade perceptiva. Esse processo cognitivo seletivo otimiza o desempenho da consciência em relação ao seu foco de interesse (4).
Adicionalmente, a atenção é a capacidade de responder predominantemente a estímulos significativos, em detrimento de outros (4). O sistema nervoso central (SNC) possui a habilidade de manter um contato seletivo com as informações sensoriais aferentes, direcionando a atenção para estímulos comportamentalmente relevantes, garantindo uma interação eficaz com o ambiente (4). Desse modo, a atenção está intrinsecamente ligada ao processamento preferencial de determinadas modalidades sensoriais (4).
A atenção permeia todos os processos psicológicos, atuando como o mecanismo fundamental para selecionar as informações a serem processadas, relegando outros estímulos a um plano secundário. Os principais estímulos que modulam a atenção incluem intensidade, repetição, modificação e contraste. É importante notar que estímulos não focais não são completamente ignorados, sendo parcialmente processados em segundo plano.
Segundo alguns autores, o fenômeno atencional envolve dois aspectos cruciais (4):
- Nível de alerta (vigília): Refere-se ao estado geral de sensibilização dos órgãos sensoriais e ao estabelecimento e manutenção do tônus cortical necessário para a recepção dos estímulos (4).
- Atenção (foco): Envolve a focalização do estado de alerta sobre processos mentais e biológicos específicos (4).
A consciência está intrinsecamente ligada ao estado de alerta; uma diminuição do nível de consciência acarreta redução da capacidade atencional. A percepção individual é diretamente influenciada pela direção do foco atencional. A focalização da atenção, em qualquer modalidade sensorial, intensifica a percepção do objeto de interesse e, simultaneamente, reduz a interferência de estímulos distratores (4).
Os mecanismos atencionais operam de forma dinâmica, selecionando estímulos das diversas vias sensoriais e orquestrando os processos mentais subsequentes (4).
Modelos Teóricos da Seleção Atencional
Duas principais teorias buscam explicar os mecanismos da seleção atencional:
- Teoria da Seleção Inicial: Postula que a seleção dos estímulos ocorre precocemente no processamento da informação, sem a necessidade de uma análise completa do estímulo para sua seleção (4).
- Teoria da Seleção Tardia: Propõe que os estímulos sensoriais são submetidos a uma análise prévia de suas características físicas e semânticas. A seleção para um processamento cortical mais aprofundado ocorre subsequentemente a essa análise inicial (4).
Caracterização da Atenção
William James descreveu três características fundamentais da atenção (4):
- A capacidade de exercer controle volitivo sobre o foco atencional.
- A limitação na capacidade de processar múltiplos estímulos simultaneamente, evidenciando a natureza seletiva e focalizada da atenção.
- A capacidade finita do processamento atencional.
Origem/Natureza da Atenção
Quanto à sua origem e natureza, a atenção pode ser categorizada em:
- Atenção Voluntária (dirigida): Implica a seleção ativa e intencional de um foco pelo indivíduo, ligada às suas motivações, interesses e expectativas (4). Mediada pelo processamento controlado, com efeitos facilitadores na tarefa em execução e inibitórios sobre atividades concorrentes (4).
- Atenção Involuntária (periférica): Desencadeada por características intrínsecas dos estímulos ambientais, manifestando-se diante de eventos inesperados (4). Propriedades como intensidade, tamanho, cor, novidade, movimento, incongruência e repetição têm maior potencial para evocar a atenção involuntária (4). Mediada pelo processamento automático, não demanda controle consciente e opera eficientemente em diversas atividades (4).
Função da Atenção
Outra classificação da atenção baseia-se em sua operacionalização, distinguindo-se em:
- Atenção Seletiva: Capacidade de priorizar determinados estímulos em detrimento de outros (4). Limita a quantidade de informações sensoriais processadas, embora os estímulos não selecionados não sejam completamente ignorados.
- Atenção Sustentada: Habilidade de manter o foco atencional em um estímulo ou sequência de estímulos por um período determinado para realizar uma tarefa (4).
- Atenção Alternada: Capacidade de flexibilizar e deslocar o foco atencional entre diferentes estímulos (4). É um processo voluntário e consciente, sem perda de percepção.
- Atenção Dividida: Ocorre quando a atenção é distribuída para a execução de duas tarefas simultaneamente (4). Para ser efetiva, uma das tarefas deve ser processada automaticamente, enquanto a outra demanda esforço cognitivo consciente (4). A divisão da atenção entre diferentes canais sensoriais pode comprometer o desempenho. Escutar música durante o estudo é um exemplo de atenção alternada, não dividida (4).
O foco da atenção não se restringe a estímulos sensoriais externos; pode ser direcionado para processos mentais internos (memórias, pensamentos, cálculos mentais). Quando direcionado ao ambiente externo, denomina-se percepção seletiva; quando interno, cognição seletiva (4).
Psicologia da Atenção
As funções psicológicas da atenção são avaliadas segundo sua natureza, direção e amplitude.
Natureza da Atenção
Manifesta-se em duas modalidades:
- Voluntária: Capacidade de concentração direcionada pela intencionalidade do indivíduo em focar um objeto específico.
- Espontânea: Emerge do interesse momentâneo, apresentando natureza lábil e fortuita. A dificuldade em manter a concentração leva a um estado predominantemente espontâneo, com constante alternância do foco.
Direção da Atenção
Classificada em:
- Interna: Voltada para os processos mentais do próprio indivíduo, reflexiva e introspectiva, direcionada à análise dos estados de consciência.
- Externa: Direcionada ao ambiente circundante ou ao próprio corpo, manifestando-se sensorialmente (percepção de estímulos) ou motora (coordenação de movimentos).
Amplitude da Atenção
Categorizada em:
- Focal: Manutenção de um objeto específico no centro da consciência, caracterizando um estreitamento do foco atencional.
- Dispersa: Abrange um campo mais amplo da consciência, com foco menos definido e distribuído pela periferia da percepção.
Bases Neurais da Atenção
O estado de atenção requer um nível adequado de alerta ou vigília, que implica um tônus cortical apropriado para o processamento dos estímulos sensoriais aferentes (4).
Autores postulam que a formação reticular, no tronco encefálico, desempenha papel crucial na regulação do estado de alerta (tenacidade), fornecendo o substrato neurobiológico para os processos atencionais (4). Nessa perspectiva, a formação reticular atua como estrutura intermediária entre estímulos externos e o ambiente interno do indivíduo, selecionando informações relevantes através de mecanismos como a atenção, possibilitando interação eficaz com o meio (4).
O controle executivo da atenção envolve a identificação da relevância de um estímulo e a supressão de interferências, demandando considerável esforço do processamento atencional (4). A atenção também influencia diretamente a seleção de características visuais específicas, incluindo a localização espacial de objetos (4).
Alterações Quantitativas da Atenção
As alterações quantitativas da atenção são modificações no nível global da capacidade atencional, impactando natureza, direção e amplitude. Três condições principais são:
- Hipoprosexia: Diminuição global da capacidade atencional, frequentemente associada à fadiga extrema. Manifesta-se por dificuldade em processar e compreender estímulos, recuperar informações da memória e lentidão ou prejuízo nas funções de pensamento, raciocínio e integração de informações. Há redução na eficiência dos processos cognitivos que dependem da atenção sustentada.
- Hiperprosexia: Aumento generalizado da capacidade atencional, resultando em sensação subjetiva de acentuação da atenção. Observada em quadros de fixação mental persistente ou mania, com alerta e vigilância exacerbados e dificuldade em desviar o foco.
- Aprosexia: Abolição completa da capacidade atencional, caracterizada pela ausência de resposta a estímulos de qualquer intensidade. Frequentemente vista em quadros neurodegenerativos avançados (demências) e sequelas de acidentes isquêmicos cerebrais que comprometem áreas corticais e subcorticais atencionais.
Alterações Qualitativas da Atenção
As funções qualitativas da atenção são avaliadas por construtos da neuropsicologia, referindo-se à qualidade da vigilância (mobilidade) e da tenacidade (sustentação). Os termos paraprosexia ou disprosexia designam alterações que comprometem tenacidade e mobilidade. Para uma vida psíquica saudável, o indivíduo deve ser capaz de iniciar e focalizar uma atividade consciente, sustentar a vigilância, selecionar estímulos relevantes, inibir irrelevantes e alternar o foco.
- Tenacidade: Capacidade de manter o foco atencional de forma sustentada.
- Vigilância: Habilidade de monitorar o ambiente e deslocar o foco da atenção de maneira flexível e adaptativa.
Na conceituação da qualidade da atenção, utilizam-se:
- Hipertenacidade e Hipotenacidade: Aumento e diminuição da tenacidade.
- Hipervigilância e Hipovigilância: Aumento e diminuição da vigilância/mobilidade.
As alterações qualitativas da atenção se agrupam em duas categorias principais:
- Distração ou Rigidez da Atenção: Superconcentração ativa sobre conteúdos específicos, com inibição do processamento de outros estímulos. Fixação do foco atencional com dificuldade em deslocá-lo.
- Distraibilidade ou Labilidade da Atenção: Instabilidade acentuada da atenção voluntária, patológica. Dificuldade significativa em manter o foco em um objeto por tempo prolongado, com tendência a alternar o foco rápida e involuntariamente.
Referências Bibliográficas
- BEHAR, C.; PERIN, F. Psicologia da Percepção. 1. ed. Rio de Janeiro: Estácio, 2015. 122 p.
- LENT, R. Neurociência da Mente e do Comportamento. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. 372 p.
- SCHIFFMAN, H. R. Sensação e Percepção. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005.
- BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 974 p.