Regulação do Balanço Energético: Superávit e Restrição Calórica


Regulação do Balanço Energético: Superávit e Restrição Calórica


Introdução

O balanço energético, determinado pela relação entre o consumo e o gasto de energia, influencia profundamente a fisiologia e a composição corporal. Compreender as adaptações metabólicas induzidas por superávit ou restrição calórica é fundamental para a saúde e o desempenho físico.


Superávit Calórico e Armazenamento Lipídico

Em cenários de balanço energético positivo, onde há um consumo excessivo de energia, os lipídios provenientes da dieta são absorvidos pelas células do tecido adiposo. Nessas células, são esterificados em triglicerídeos (TG) e armazenados em gotículas lipídicas citosólicas (4). Esse processo representa a principal via de estocagem de energia de longo prazo no organismo.


Restrição Calórica e Mobilização Energética

Quando a demanda energética excede o aporte (situação de déficit calórico), como ocorre durante o jejum ou a prática de exercícios físicos, torna-se essencial a mobilização de energia endógena. Nesses casos, o processo de lipólise é ativado, resultando na hidrólise dos TG armazenados no tecido adiposo (4). Os produtos dessa hidrólise, os ácidos graxos livres (AGL), são então liberados para a circulação sistêmica e transportados para tecidos periféricos, onde servem como substrato para a beta-oxidação e subsequente produção de adenosina trifosfato (ATP), suprindo a demanda energética celular (4).

Dietas de Baixa e Muito Baixa Energia (LED/VLED)

As dietas de baixa energia (LED) e dietas de muito baixa energia (VLED) são caracterizadas por um aporte calórico diário de 800-1200 kcal e 400-800 kcal, respectivamente. Estudos indicam que as dietas VLED podem não apresentar resultados satisfatórios a longo prazo, frequentemente associadas a diversos efeitos colaterais (1).

Termogênese e Adaptação Metabólica

O Efeito Térmico do Alimento (TEF) representa o gasto calórico associado à digestão, absorção e metabolização dos nutrientes, podendo corresponder a 8-15% do gasto energético diário total (1). A Termogênese Adaptativa (AT) é a capacidade do organismo de ajustar seu metabolismo em resposta a variações de temperatura ou condições hipercalóricas, influenciando o gasto energético total (1).


Restrição Calórica e Envelhecimento

A restrição calórica (CR) tem sido associada ao retardo do processo de envelhecimento, principalmente por prevenir o desenvolvimento de uma série de doenças relacionadas ao excesso calórico. Em roedores, a CR demonstrou ser capaz de aumentar o tempo de vida (2).

Efeitos da Restrição Calórica em Roedores:

  • Diminuição da gordura corporal total e abdominal.
  • Aumento da sensibilidade à insulina.
  • Melhora do perfil lipídico.
  • Diminuição da pressão arterial.
  • Redução dos marcadores de reação inflamatória e de estresse oxidativo.
  • Diminuição do tri-iodotironina (T3) e da temperatura corporal.
  • Prevenção da queda relacionada à idade da melatonina e deidroepiandrosterona.
  • Diminuição das vias de detecção de nutrientes, incluindo as do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), da insulina e da proteína-alvo da rapamicina (TOR).
  • A redução da sinalização da insulina mediada pela CR contribui para a longevidade, uma vez que mutações de perda de função nos respectivos receptores, no tecido adiposo e no cérebro, foram capazes de promover longevidade em camundongos.
  • A diminuição seletiva do T3 resulta em uma queda no metabolismo, na produção de radicais livres e na temperatura corporal. No entanto, em humanos, isso pode levar ao ganho de peso.

Efeitos da Restrição Calórica em Humanos:

Em humanos, alguns efeitos semelhantes aos observados em roedores são verificados, além de:

  • Concentrações mais baixas de testosterona e estradiol.
  • Aumento da adiponectina.
  • Os níveis de IGF-I não diminuem, a menos que haja também uma restrição proteica. A diminuição do IGF-I parece ser crucial para o prolongamento da vida e a proteção contra doenças.
  • A CR também pode reduzir hormônios anabólicos, como testosterona e leptina, e aumentar hormônios supressores de inflamação, como cortisol, adiponectina e grelina.

Autofagia

A autofagia é um processo celular essencial de catabolismo de resíduos de células danificadas, cujo acúmulo pode levar a disfunção biológica e estresse oxidativo. A CR estimula a autofagia através de diversos mecanismos:

  • Baixa insulina: A insulina possui um efeito inibitório sobre a autofagia, portanto, sua diminuição estimula o processo.
  • Aumento do glucagon: O glucagon tem um efeito estimulatório sobre a autofagia.
  • Queda do IGF-I: O IGF-I é um fator inibitório da autofagia, e sua redução induzida pela CR estimula esse processo.

Inflamação

A inflamação é a resposta fisiológica do organismo a lesões, infecções ou insultos, visando a promoção da cura. É mediada por citocinas como TNF-α, IL-6 e IL-β, entre outras, que se ligam às células-alvo.

A inflamação crônica de baixa intensidade, associada ao envelhecimento, exposição ao tabagismo e excesso de gordura corporal, tem sido relacionada a diversas doenças degenerativas, incluindo Alzheimer, diabetes, doenças pulmonares e fibrose de tecidos e órgãos. A restrição calórica demonstrou a capacidade de atenuar os aumentos inflamatórios relacionados à idade.


Restrição Calórica e Composição Corporal

A obesidade pode ser combatida através da redução do consumo de energia ou do aumento do gasto energético, ambos resultando em um balanço energético negativo (2). Alguns estudos indicam que aumentar o aporte proteico em detrimento de carboidratos durante a perda de peso pode auxiliar na preservação da massa magra e contribuir para uma maior perda de gordura (2).

Um estudo demonstrou que a combinação de uma restrição calórica de aproximadamente 10% do consumo habitual com 9 horas de exercício de baixa intensidade durante 4 dias foi capaz de reduzir cerca de 3 kg de massa gorda (2). Uma diminuição de 5-10% na massa corporal já é suficiente para melhorar os níveis de colesterol, HDL, sensibilidade à insulina e pressão arterial (2).

Estudos sugerem que o déficit calórico em conjunto com o exercício tem um impacto mais pronunciado no perfil lipídico do que na massa gorda (2). Embora o consumo de proteínas nem sempre demonstre poupar massa magra em condições de restrição calórica, isso pode estar associado à severidade da restrição. Em restrições mais leves, a proteína pode proteger a massa muscular (2). É importante reconhecer que a restrição calórica está associada não apenas à perda de gordura corporal, mas também à perda de massa muscular (3).

Restrição Calórica Intermitente

A restrição calórica intermitente tem sido proposta como uma estratégia para mitigar a resposta metabólica compensatória à dieta, aumentando a eficácia da perda de peso (3). Observou-se que a inclusão de 2 dias de dieta isocalórica com reposição de carboidratos, intercalados em uma dieta hipocalórica, foi capaz de preservar a massa magra, favorecendo o emagrecimento a longo prazo (3). Um dos mecanismos sugeridos para esse efeito é a reposição do glicogênio muscular, que permite treinos mais intensos e proveitosos nos dias subsequentes à reposição de carboidratos (3).


Referências Bibliográficas

  1. ARAGON, A. A. et al. International society of sports nutrition position stand: Diets and body composition. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 14, n. 1, p. 1–19, 2017.
  2. CALBET, J. A. L. et al. A time-efficient reduction of fat mass in 4 days with exercise and caloric restriction. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 25, n. 2, p. 223–233, 2015.
  3. CAMPBELL, B. I. et al. Intermittent energy restriction attenuates the loss of fat free mass in resistance trained individuals. A randomized controlled trial. Journal of Functional Morphology and Kinesiology, v. 5, n. 1, p. 1–12, 2020.
  4. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.

Deixe um comentário0