Benzodiazepínicos: Mecanismos, Usos e Implicações Clínicas
Introdução
Os benzodiazepínicos são uma classe de fármacos amplamente utilizados, principalmente devido aos seus efeitos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. Sua ação farmacológica ocorre por meio da modulação do sistema GABAérgico no sistema nervoso central, influenciando diversas funções cerebrais e apresentando um perfil complexo de efeitos desejáveis e indesejáveis.
Mecanismo de Ação
Os benzodiazepínicos atuam seletivamente nos receptores GABAa, que medeiam a transmissão sináptica inibitória em todo o Sistema Nervoso Central (SNC) (1). Eles agem como moduladores alostéricos positivos, facilitando a abertura dos canais de cloreto ativados pelo GABA e, consequentemente, aumentando a resposta ao GABA (1). É importante ressaltar que não afetam receptores para outros aminoácidos, como a glicina ou o glutamato (1).
Os benzodiazepínicos ligam-se na interface entre as subunidades α e β do receptor GABAa, mas apenas aos receptores que contêm as subunidades γ2, α1, α2, α3 ou α5 (1).
Análises comportamentais de ratos com várias mutações das subunidades do receptor GABAa indicam que (1):
- α1: Medeiam os efeitos anticonvulsivantes, sedativos/hipnóticos e aditivos.
- α2: Mediam o efeito ansiolítico.
- α2, α3, α5: Mediam o relaxamento muscular.
- α1 e α5: Mediam os efeitos amnésicos.
Os pontos periféricos de ligação dos benzodiazepínicos não associados aos receptores GABAa estão presentes em muitos tecidos. O alvo é uma proteína chamada “proteína translocadora“, localizada primariamente nas membranas mitocondriais (1).
Seletividade por Subunidade α do Receptor GABAa
A tabela a seguir ilustra a seletividade de alguns fármacos para as subunidades α do receptor GABAa (1):
Fármaco | Subunidade α do receptor GABAa |
Diazepam | α1, α2, α3, α4, α5, α6 |
Flunitrazepam | α1, α2, α5 |
Midazolam | α1, α2, α3, α4, α5, α6 |
Zolpidem | α1 |
Flumazenil | Antagonista das subunidades: α1, α2, α3, α4, α5, α6 |
O Zolpidem, embora não seja um benzodiazepínico, atua de forma semelhante (1). O receptor GABAa deve ser visualizado como uma família de receptores, uma vez que existem seis subtipos diferentes da subunidade α, três subtipos da subunidade β e três subtipos da γ (1). A subunidade γ é necessária para a sensibilidade ao benzodiazepínico (1).
Antagonismo e Modulação Alostérica Negativa
O flumazenil é um composto do tipo benzodiazepínico que compete com outros benzodiazepínicos em seu local de ligação aos receptores GABAa, antagonizando seus efeitos (1). Ele pode ser utilizado para reverter o efeito da intoxicação por benzodiazepínicos (normalmente usado apenas se a respiração estiver gravemente deprimida) ou para reverter o efeito de benzodiazepínicos, como o midazolam, utilizado para pequenos procedimentos cirúrgicos (1).
Efeitos Farmacológicos
Os benzodiazepínicos exercem uma gama de efeitos farmacológicos no organismo (1):
- Redução da agressividade e da ansiedade.
- Sedação, com melhora da insônia.
- Relaxamento muscular e perda da coordenação motora.
- Supressão de convulsões (efeito antiepilético).
- Amnésia anterógrada.
Redução da Ansiedade e Agressividade
Essa classe de fármacos demonstrou efeitos ansiolíticos em testes com animais, exercendo um significativo efeito “domesticador”, possibilitando o manuseio dos animais (1). São utilizados no tratamento de ansiedade aguda, emergências comportamentais e em procedimentos como a endoscopia (1). Em alguns indivíduos, os benzodiazepínicos podem causar irritabilidade e aumento da agressão, principalmente no uso do triazolam (1). O midazolam pode ser utilizado para induzir a anestesia (1).
Redução do Tônus Muscular
Eles reduzem o tônus muscular por uma ação central nos receptores GABAa, primariamente na medula espinal (1). O aumento do tônus muscular é um sintoma frequente durante crises de ansiedade, contribuindo para o mal-estar e dores, inclusive cefaleias (1). Aparentemente, a redução do tônus muscular é possível sem uma perda considerável da coordenação motora (1).
Efeitos Anticonvulsivantes
Todos os benzodiazepínicos apresentaram atividade anticonvulsivante em testes em animais (1). Em humanos, o clonazepam, diazepam, midazolam e o lorazepam são utilizados para o tratamento da epilepsia (1).
Amnésia Anterógrada
Os benzodiazepínicos induzem amnésia para os eventos que ocorrem sob sua influência, um efeito não observado com outros depressores do SNC (1). Acredita-se que a amnésia seja causada pela ligação dos benzodiazepínicos aos receptores GABAa que contêm a subunidade α5 (1).
Indução de Sono
Os benzodiazepínicos diminuem o tempo para adormecer e aumentam a duração total do sono, embora este último efeito ocorra apenas em indivíduos que dormem menos de 6 horas por noite (1). No entanto, são recomendados apenas para curtos períodos no tratamento da insônia. A tolerância se desenvolve após 1-2 semanas de uso contínuo, e sua cessação pode levar a insônia rebote e síndrome de privação (1).
Aspectos Farmacocinéticos
Os benzodiazepínicos são bem absorvidos quando administrados oralmente, alcançando o pico de concentração plasmática em cerca de 1 hora (1). Geralmente são administrados por via oral, mas podem ser administrados por via intravenosa, bucal ou retal. A injeção intramuscular resulta em absorção lenta (1).
As diferenças no perfil farmacológico dos benzodiazepínicos são mínimas (1). Contudo, a duração de sua ação influencia seu uso. Os compostos de curta duração são úteis como hipnóticos, com pouco efeito de “ressaca” ao acordar. Já os compostos de longa duração são mais úteis como ansiolíticos e anticonvulsivantes (1). Os efeitos dos benzodiazepínicos de longa duração tendem a aumentar com a idade, e é frequente a instalação insidiosa de sonolência e confusão em idosos (1).
Agentes de curta duração (8-12 horas de meia-vida) são metabolizados em compostos inativos e são utilizados principalmente no tratamento do sono. Agentes de longa duração (ex: diazepam e clordiazepóxido) são convertidos em um metabólito ativo de longa duração (nordazepam), com meia-vida de 60 horas (1). Alguns podem ser utilizados por via intravenosa, como diazepam e lorazepam no estado epiléptico, e midazolam na anestesia (1).
Tabela de Características Farmacocinéticas
A tabela a seguir resume as principais características farmacocinéticas e indicações de alguns benzodiazepínicos e um fármaco semelhante (1):
Fármaco | Meia-vida (H) | Metabólito Ativo | Meia-vida Metabólito (H) | Duração Total | Indicações |
Midazolam | 2-4 | Derivado hidroxilado | 2 | Ultracurta (<6h) | Hipnótico, anestésico intravenoso, anticonvulsivante |
Zolpidem | 2 | Não | – | Ultracurta (<4h) | Hipnótico |
Lorazepam | 8-12 | Não | – | Curta (12-18h) | Ansiolítico, hipnótico, anticonvulsivante |
Oxazepam | 8-12 | Não | – | Curta (12-18h) | Ansiolítico, hipnótico |
Temazepam | 8-12 | Não | – | Curta (12-18h) | Ansiolítico, hipnótico |
Lormetazepam | 8-12 | Não | – | Curta (12-18h) | Ansiolítico, hipnótico |
Alprazolam | 6-12 | Derivado hidroxilado | 6 | Média (24h) | Ansiolítico, antidepressivo |
Nitrazepam | 16-40 | Não | – | Média | Ansiolítico, hipnótico |
Diazepam | 20-40 | Nordazepam | 60 | Longa (24-48h) | Ansiolítico, relaxante muscular, anticonvulsivante |
Clordiazepóxido | 20-40 | Nordazepam | 60 | Longa (24-48h) | Ansiolítico, relaxante muscular |
Flurazepam | 1 | Desmetil-flurazepam | 60 | Longa | Ansiolítico, hipnótico |
Clonazepam | 50 | Não | – | Longa | Anticonvulsivante, ansiolítico (especialmente na mania) |
Efeitos Indesejáveis
Toxicidade Aguda
Em caso de superdosagem, os benzodiazepínicos podem causar sono prolongado com depressão grave das funções respiratórias e cardiovascular (1). Na presença de outros depressores do SNC, particularmente o álcool, esses efeitos podem representar um sério risco à vida (1).
Efeitos Colaterais
Os principais efeitos adversos são: sonolência, confusão, amnésia e descoordenação (1). Podem ainda aumentar os efeitos depressores de outros fármacos, como o álcool, de forma mais do que aditiva (1).
Tolerância e Dependência
A tolerância ocorre com todos os benzodiazepínicos, assim como a dependência, considerada seu maior “problema” (1). A tolerância parece representar uma alteração no receptor, mas o mecanismo ainda não é bem compreendido. Pode haver perda seletiva dos receptores GABAa da membrana contendo a subunidade α2 (1). A tolerância grave se desenvolve quando o medicamento é utilizado de forma contínua, principalmente no tratamento da epilepsia. Contudo, foi observado que, quando utilizado como indutor do sono, essa tolerância tende a ser menor, pois o indivíduo está relativamente livre do fármaco durante o dia (1).
Essa classe de medicamento gera dependência, tornando-se um grande problema (1). A interrupção abrupta do tratamento com benzodiazepínicos causa aumento de ansiedade, rebote que pode durar semanas ou meses, com tremores, tonturas, zumbidos, perda de peso e transtornos do sono (com aumento do sono REM) (1). É recomendado que os benzodiazepínicos sejam retirados gradualmente por meio da diminuição progressiva da dosagem (1).
Uso Abusivo Potencial
Seu uso ilícito mais frequente ocorre devido à indução de uma “sensação” de calma e de ansiedade reduzida, em que usuários descrevem um estado de sonho, onde eles se desligam da realidade (1).
Referências Bibliográficas
- Ritter JM, Flower R, Henderson G, Loke YK, MacEwan D, Rang HP. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan; 2020. 789 p.