Fisiologia da Bile e Doenças da Vesícula Biliar
Introdução
A bile, um fluido complexo produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar, desempenha um papel fundamental na digestão e absorção de lipídios e vitaminas lipossolúveis. Sua secreção, composição e circulação êntero-hepática são processos finamente regulados, e disfunções nesse sistema podem levar a diversas patologias, como os cálculos biliares.
Fisiologia da Bile
Secreção e Composição
A bile é formada nos lóbulos hepáticos e secretada para uma complexa rede de canalículos, pequenos dúctulos biliares e ductos biliares maiores. Esses ductos estendem-se junto com vasos linfáticos e ramos da veia porta e artéria hepática nos tratos portais entre os lóbulos hepáticos (1).
Os ductos biliares interlobulares se unem para formar os ductos biliares septais maiores, que, por sua vez, formam os ductos hepáticos direito e esquerdo. Estes se juntam para constituir o ducto hepático comum. O ducto cístico da vesícula biliar se une ao ducto hepático comum para formar o ducto colédoco, que penetra no duodeno (geralmente após unir-se ao ducto pancreático principal) pela ampola de Vater (1).
A bile é composta majoritariamente por ácidos biliares (80%), seguidos por lecitina e traços de outros fosfolipídios (16%) e colesterol não esterificado (4%) (1). A secreção basal diária total de bile hepática é de aproximadamente 500-600 mL/dia (1).
Três mecanismos são importantes para a regulação do fluxo da bile:
- Transporte ativo dos ácidos biliares dos hepatócitos para dentro dos canalículos biliares (1).
- Transporte ativo de outros ânions orgânicos (1).
- Secreção colangiocelular (1).
Ácidos Biliares
Os ácidos biliares são moléculas semelhantes a detergentes que, em solução aquosa e acima de uma concentração crítica (cerca de 2 mM), formam agregados moleculares denominados micélios (1).
O colesterol, por si só, possui baixa solubilidade em ambientes aquosos. Sua solubilidade na bile depende tanto da concentração lipídica total quanto dos percentuais molares relativos de ácidos biliares e lecitina (1).
Além de facilitar a excreção biliar de colesterol, os ácidos biliares facilitam a absorção intestinal normal das gorduras da dieta, principalmente colesterol e vitaminas lipossolúveis, através de um mecanismo de transporte micelar (1). Eles também atuam como um importante estímulo fisiológico para o fluxo de bile hepática e auxiliam no transporte de água e eletrólitos no intestino delgado e no cólon (1).
Existem dois tipos principais de ácidos biliares:
- Ácidos biliares primários: Ácido cólico e ácido quenodesoxicólico (AQDC). São sintetizados a partir do colesterol no fígado, conjugados com glicina ou taurina e secretados na bile (1).
- Ácidos biliares secundários: Desoxicolato e litocolato. São formados no cólon como metabólitos bacterianos dos ácidos biliares primários (1).
Circulação Êntero-Hepática
Em condições normais, a conservação de ácidos biliares é altamente eficiente (1). Os ácidos biliares não conjugados e, em menor grau, os ácidos conjugados são absorvidos por difusão passiva ao longo do trato intestinal e, principalmente, por transporte ativo no íleo distal (1). Esses ácidos biliares reabsorvidos entram na corrente sanguínea portal, são rapidamente captados pelos hepatócitos, reconjugados e ressecretados na bile, completando a circulação êntero-hepática (1).
O pool normal de ácidos biliares é de cerca de 2-4g (1). Durante a digestão de uma refeição, esse pool passa por pelo menos um ciclo êntero-hepático, podendo ser mais frequente dependendo do tamanho e da composição da refeição (1). Em geral, o pool de ácidos biliares circula cerca de 5-10 vezes diariamente, e a reabsorção intestinal desse reservatório tem uma eficiência aproximada de 95% (1).
Embora a perda de sais biliares nas fezes seja habitualmente compensada pelo aumento da síntese hepática, a taxa máxima de síntese é de aproximadamente 5g/dia (1). No entanto, isso pode ser insuficiente para recompor o volume do reservatório de ácidos biliares quando há uma diminuição pronunciada da reabsorção intestinal (1).
Funções da Vesícula Biliar e dos Esfíncteres
No estado de jejum, o esfíncter de Oddi (EO) atua como uma zona de alta pressão, resistindo ao fluxo de bile do ducto colédoco para o duodeno (1). Essa contração tônica serve para:
- Evitar o refluxo do conteúdo duodenal para dentro dos ductos pancreáticos e biliares (1).
- Promover o enchimento da vesícula biliar (1).
O principal fator que controla o esvaziamento da vesícula biliar é o hormônio peptídico colecistocinina (CCK), liberado pela mucosa duodenal em resposta à ingestão de gorduras e aminoácidos (1). A CCK causa:
- Contração vigorosa da vesícula biliar (1).
- Redução da resistência do EO (1).
- Ampliação do fluxo do conteúdo biliar para dentro do duodeno (1).
A bile hepática é concentrada dentro da vesícula biliar pela absorção transmucosa de água e eletrólitos, um mecanismo que depende de energia (1). Quase todo o reservatório de ácidos biliares pode ficar sequestrado na vesícula após um jejum noturno, sendo liberado no duodeno com a primeira refeição do dia (1). A capacidade normal da vesícula biliar é de aproximadamente 30 mL de bile (1).
Doenças da Vesícula Biliar
As anomalias congênitas e os cálculos biliares (colelitíase) são as doenças mais comuns da vesícula biliar.
Cálculos Biliares
A formação de cálculos biliares é um problema clínico significativo.
Fitoterápicos Coadjuvantes
- Mentha piperita (Hortelã-pimenta): Estudos clínicos com M. piperita avaliaram seus efeitos sobre o trato gastrointestinal e observaram a estimulação da liberação de bile, o que pode atuar sobre o metabolismo dos lipídios (2).
Referências Bibliográficas
- Jameson, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.
- Saad, G. de A. et al. Fitoterapia Contemporânea – Tradição e Ciência na Prática Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 441 p.