Bioimpedância Elétrica: Fundamentos, Protocolos e Fatores Influenciadores na Avaliação da Composição Corporal


Bioimpedância Elétrica: Fundamentos, Protocolos e Fatores Influenciadores na Avaliação da Composição Corporal


Introdução

A bioimpedância elétrica (BIA) é uma técnica não invasiva e amplamente utilizada para estimar a composição corporal, baseando-se na capacidade dos tecidos biológicos de conduzir corrente elétrica. Compreender seus princípios, protocolos e os fatores que podem influenciar seus resultados é crucial para uma avaliação precisa em contextos clínicos e de pesquisa.


Mecanismo de Ação da Bioimpedância Elétrica

A análise da composição corporal por BIA fundamenta-se nas distintas condutividades elétricas dos tecidos biológicos quando expostos a diferentes frequências de corrente (1). Essencialmente, o conteúdo hídrico do corpo atua como condutor das cargas elétricas. Quando uma corrente flui através dos líquidos corporais, um instrumental sensível é capaz de detectar a impedância (resistência) à sua passagem (3).

O tecido adiposo possui baixa quantidade de água em sua composição, o que lhe confere uma característica de alta resistência à passagem da corrente elétrica. Por outro lado, o tecido muscular, sendo rico em água e eletrólitos, apresenta uma condutibilidade significativamente maior, permitindo que a corrente elétrica o percorra de forma mais veloz e com menor resistência (2, 5). A diferença no tempo de condução é empregada para estimar a quantidade de tecido adiposo no organismo (2).

A impedância ou resistência ao fluxo da corrente elétrica é calculada a partir da medição da corrente e da voltagem, conforme a Lei de Ohm (R = V/I, onde R é a Resistência ou impedância, V é a Voltagem e I é a Corrente) (3).


Tipos de Equipamentos e Procedimento da Avaliação

Classificação dos Aparelhos

Existem diversos tipos de aparelhos para a análise bioelétrica da composição corporal, que podem ser classificados em dois subtipos principais:

  • Bipolares: Medem apenas a parte superior ou inferior do corpo (2).
  • Tetrapolares: Realizam a medição de ambas as partes do corpo, proporcionando uma avaliação mais abrangente (2).

Adicionalmente, há variações nas frequências emitidas pelos equipamentos, que podem variar de 0 a 1000 kHz, permitindo a avaliação entre a água intra e extracelular. A utilização de frequências mais elevadas em aparelhos de BIA resulta em maior precisão na avaliação (1). Atualmente, aparelhos multifrequenciais são considerados superiores para a avaliação da composição corporal.

Procedimento

Para a realização do exame, o indivíduo deve deitar-se em uma superfície plana não condutora. Os eletrodos injetores (fonte) são fixados nas superfícies dorsais do pé e do punho, enquanto os eletrodos de detecção são posicionados entre o rádio e a ulna (processo estiloide) no punho e, no tornozelo, entre os maléolos medial e lateral (3). Para otimizar a precisão, a medição deve ser sempre realizada no lado direito do corpo (1).

A previsão da composição corporal com este tipo de sistema depende da inclusão de dados adicionais como parte da equação da BIA (3).


Protocolo Pré-Teste e Fatores Influenciadores

A adesão rigorosa ao protocolo pré-teste é fundamental para garantir a fidedignidade dos resultados da BIA, uma vez que o não cumprimento dos pré-requisitos pode comprometer a análise e, consequentemente, a prescrição de intervenções (2).

Protocolo Pré-Teste Detalhado

  • Jejum: Não ingerir líquidos ou alimentos nas 4 horas antecedentes ao exame.
  • Atividade Física: Evitar exercícios físicos nas 12 horas que antecedem o teste e não realizar exercícios extenuantes nas 24 horas prévias.
  • Substâncias Estimulantes: Não consumir álcool e cafeína nas 48 horas anteriores.
  • Diuréticos: Suspender o uso de diuréticos 7 dias antes, após avaliação e consentimento médico, se necessário.
  • Esvaziamento Vesical: Urinar 30 minutos antes da realização do teste.
  • Repouso: Manter-se em repouso na posição supina por pelo menos 8-10 minutos antes da medição.
  • Padronização Horária: Realizar o exame sempre no mesmo horário do dia.
  • Ciclo Menstrual: Evitar a realização do exame no período pré-menstrual. Em mulheres, dar preferência à fase folicular (até 5 dias antes da menstruação).

É importante notar que, embora os resultados da BIA sejam confiáveis, podem não ser tão precisos quanto as medidas de dobras cutâneas (2).

Fatores Externos Influenciadores

Diversos fatores podem impactar os resultados da BIA, sendo crucial considerá-los para uma interpretação adequada:

  • Nível de Hidratação ou Desidratação: Variações no estado hídrico afetam diretamente a condutividade elétrica do corpo (2, 5).
  • Status do Glicogênio Muscular: O conteúdo de glicogênio influencia a água intracelular.
  • Período do Ciclo Menstrual: Embora uma padronização adequada das medições possa mitigar esse efeito, o ciclo pode influenciar a distribuição de água (2, 3).
  • Tipo de Equipamento Utilizado: Aparelhos com diferentes frequências e configurações podem gerar resultados distintos (2, 5).
  • Posição do Indivíduo: A posição horizontal ou vertical durante o exame (1).
  • Horário da Avaliação: Medidas mais cedo tendem a superestimar a gordura (1).
  • Temperatura do Ambiente: Afeta a condutividade da pele (3, 5).
  • Composição Corporal Prévia: A BIA pode superestimar a gordura em indivíduos magros/atléticos e subestimá-la em obesos (3).
  • Hematócrito: Anemia e uso de esteroides podem gerar alterações nos resultados.
  • Frequência Cardíaca e Padrão Respiratório.

Detalhamento dos Fatores Influenciadores

  • Nível de Hidratação: O estado de hidratação afeta a exatidão da BIA, podendo levar a uma determinação incorreta do conteúdo de gordura corporal (3). A restrição voluntária de líquidos eleva a impedância (resistência), aumentando a estimativa do percentual de gordura (3). Por outro lado, a hiper-hidratação tem o efeito oposto, diminuindo a estimativa da gordura corporal (3, 5). Por exemplo, a desidratação causada por perda de suor devido à atividade física prévia ou por reservas de glicogênio reduzidas aumenta a resistência ao fluxo da corrente elétrica, o que pode subestimar a massa livre de gordura e superestimar o percentual de gordura (3, 5). Em atletas, a avaliação do estado de hidratação por meio da escala de coloração da urina de Armstrong (cores de 1 a 8) é recomendada, sendo a desidratação indicada a partir da cor 5 (4).
  • Temperatura: Em ambientes quentes, a gordura corporal prevista tende a ser menor, pois a pele úmida, resultante da transpiração, oferece menor impedância ao fluxo elétrico do que em um ambiente frio (3, 5).
  • Composição Corporal: A BIA tende a superestimar o percentual de gordura em indivíduos magros e atléticos, e a subestimar a gordura corporal em indivíduos obesos (3).
  • Posição: Comparando-se aos procedimentos laboratoriais, a técnica de BIA realizada na posição vertical tende a subestimar os valores de massa livre de gordura em relação à BIA na posição horizontal (1). Isso ocorre devido aos efeitos da gravidade, que promovem a estagnação de água corporal nas extremidades inferiores quando o indivíduo está em posição bípede (1).
  • Horário da Avaliação: Medidas realizadas nas primeiras horas após o despertar tendem a apresentar maior reprodutibilidade, devido às menores variações no metabolismo de repouso (1).

Contraindicações

A BIA é contraindicada para as seguintes populações:

  • Indivíduos com marcapasso.
  • Portadores de próteses metálicas extensas.
  • Gestantes.
  • Pacientes com comorbidades que alterem a distribuição hídrica (ex: edema, ascite).

Embora não haja relatos de efeitos adversos conhecidos diretamente relacionados à BIA, é imperativo considerar que a corrente elétrica pode afetar a atividade elétrica de marcapassos e desfibriladores, tornando a sua utilização desaconselhável nessas circunstâncias.


Referências Bibliográficas

  1. GUEDES, D. P. Procedimentos clínicos utilizados para análise da composição corporal. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Hum, v. 15, n. 1, p. 113–29, 4 jan. 2013. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/rbcdh/article/view/25517. Acesso em: 24 jun. 2025.
  2. LOPES, A. L.; PETROSKI, C. A.; RIBEIRO, G. dos S. Antropometria Aplicada à Saúde e ao Desempenho Esportivo. 2. ed. Porto Alegre: Geben; 2018. p. 185.
  3. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício – Nutrição, Energia e Desempenho Humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 1059.
  4. RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado de Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole; 2019. p. 646.
  5. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole; 2021. p. 559.

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