Biotina: Essencialidade, Metabolismo e Implicações Clínicas


Biotina: Essencialidade, Metabolismo e Implicações Clínicas


Introdução

A biotina, também conhecida como vitamina H (do alemão “Haut”, pele), é uma vitamina hidrossolúvel crucial para diversas funções metabólicas. Apesar de sua importância, a definição exata de suas recomendações de ingestão para humanos é desafiadora devido à variabilidade de sua biodisponibilidade e à síntese pela microbiota intestinal.


Estrutura e Biodisponibilidade

A biotina existe em oito estereoisômeros, mas apenas um, o d-(+)-biotina (simplesmente biotina), é encontrado na natureza e possui atividade enzimática (1).

A biodisponibilidade da biotina presente nos alimentos varia amplamente, de 5% a 100% (1, 2). Curiosamente, estudos de balanço demonstraram que a excreção total de biotina na urina e nas fezes é de três a seis vezes maior que a ingestão (2). Isso sugere que a microbiota intestinal é capaz de sintetizar biotina; no entanto, a extensão dessa fonte bacteriana e sua real biodisponibilidade para o indivíduo ainda não são totalmente conhecidas, dificultando a definição de recomendações precisas de ingestão para humanos (2).


Absorção e Metabolismo

A biotina pode estar presente nos alimentos em sua forma livre ou ligada a proteínas (2). Antes da absorção, a biotina ligada à proteína é hidrolisada por proteases e peptidases intestinais, formando a biocitina. A partir da biocitina, a biotina em sua forma livre é gerada pela ação da enzima biotinidase (2).

Em pH fisiológico, a biotina é modestamente solúvel em água e requer um transportador para atravessar as membranas celulares de enterócitos, células somáticas e células dos túbulos renais (1). O transporte da biotina ocorre através de dois domínios da membrana: a membrana da borda em escova, voltada para o lúmen intestinal, e a membrana basolateral, voltada para o interstício e em contato com o sangue que perfunde o intestino (1).

A absorção da biotina ocorre predominantemente do terço superior até a metade do intestino delgado (2, 3). Na borda em escova, o transporte se dá por um mecanismo dependente de sódio (Na+). Esse mesmo transportador, capaz de transportar também o ácido pantotênico e o ácido lipoico, é denominado transportador de multivitaminas dependente de sódio (SMVT) (1). A biotina livre e a biocitina também podem ser absorvidas por difusão passiva, principalmente no jejuno, sendo a absorção da biotina livre mais eficiente (2). Tanto em modelos animais quanto em humanos, o transporte intestinal de biotina é suprarregulado em resposta à deficiência, provavelmente envolvendo a indução da síntese de mRNA de SMVT e um aumento no número de transportadores por célula (1).

A biotina circula no plasma em sua forma livre ou ligada à albumina, alfa e beta-globulinas e outras proteínas (2). A biotina livre filtrada na urina pode ser reabsorvida pelos rins (2). Apenas quando esse mecanismo de reabsorção é saturado, a excreção de biotina torna-se significativa (2). O sistema de transporte da biotina para os tecidos também é saturável (2).

Em mamíferos, a biotina atua como cofator essencial para cinco carboxilases, que catalisam etapas críticas no metabolismo intermediário (1, 2). Essas carboxilases participam na síntese e oxidação de ácidos graxos, degradação proteica e gliconeogênese (2). As carboxilases dependentes de biotina incluem:

  • Acetil-coenzima A (CoA) carboxilase, isoformas I e II
  • Piruvato carboxilase
  • Metilcrotonil-CoA carboxilase
  • Propionil-CoA carboxilase

Recomendações Nutricionais

A escassez de informações sobre a síntese e a biodisponibilidade da biotina produzida pela microbiota dificulta a definição de recomendações precisas para humanos (2). As recomendações diárias de biotina são baseadas em estimativas de ingestão para indivíduos saudáveis (2):

  • AI Adultos (não gestantes/lactantes): 30 mcg/dia.
  • AI Gestantes: 30 mcg/dia (2).
  • AI Lactantes: 35 mcg/dia (2).
  • UL (Nível Superior de Ingestão Tolerável): Ainda não definido (2).

Alguns autores sugerem que a ingestão de biotina para mulheres durante a gestação e lactação deveria ser cerca de duas a três vezes maior que a AI. Isso se deve a alterações significativas nos indicadores de estado nutricional dessa vitamina durante esses períodos e à ocorrência espontânea de deficiência marginal de biotina durante a gravidez (2).

Fontes alimentares de biotina incluem:

  • Leite humano.
  • Vegetais e frutas.
  • Gérmen de arroz.
  • Produtos de origem animal (gema do ovo, fígado).
  • Nozes e cereais.
  • Amendoim, avelã, amêndoa, farelo de aveia, cogumelo, castanha-de-caju.
  • Pão integral, cenoura, batata-doce.

Alimentos de origem vegetal geralmente contêm mais biotina livre em comparação com alimentos de origem animal (2). A principal fonte de biotina parece ser a síntese de novo por bactérias, organismos eucarióticos primitivos (como leveduras, bolores, algas) e algumas espécies de plantas (1). O processamento e a conservação dos alimentos podem reduzir a concentração de biotina (1).


Avaliação do Estado Nutricional

Não existem indicadores adequados para avaliar o estado nutricional de biotina em indivíduos (2). No entanto, o ácido 3-hidroxi-isovalérico e a 3-hidroxi-isovaleril carnitina são metabólitos da biotina cuja concentração urinária aumenta em caso de deficiência da vitamina (2). As concentrações plasmáticas de biotina não são consideradas bons indicadores do estado da vitamina (2).


Deficiência e Suplementação

A deficiência de biotina é rara e, geralmente, não está diretamente relacionada à alimentação (2). Evidências sugerem que a terapia de longo prazo com anticonvulsivantes em adultos e crianças pode levar à depleção de biotina, possivelmente devido à sua quebra acelerada e ao comprometimento da absorção causados pelas drogas (1, 2). O uso crônico de álcool também pode induzir deficiência de biotina, provavelmente por reduzir sua absorção intestinal (2).

A deficiência de biotina pode ocorrer durante a gravidez (2). Contudo, a excreção urinária de metabólitos da biotina (utilizados como indicadores de deficiência) é influenciada por alterações renais que ocorrem durante a gestação, tornando os dados inconclusivos (2).

Os sintomas da deficiência de biotina podem incluir:

  • Dermatite periofacial.
  • Conjuntivite.
  • Alopecia (afinamento do cabelo, incluindo sobrancelhas e cílios).
  • Ataxia e atraso no desenvolvimento.
  • Depressão, letargia, alucinações.
  • Parestesias das extremidades.
  • Hipotonia.
  • Distribuição incomum de gordura facial (1, 2).

O tratamento para a deficiência consiste na suplementação contínua com até 10 mg/dia de biotina (2). Apesar de alguns trabalhos mostrarem certa eficácia na suplementação de biotina durante a gestação, não há evidências que justifiquem essa prática como rotineira nessa fase (2).


Toxicidade

Doses diárias de até 200 mg via oral ou 20 mg via intravenosa foram administradas sem que fossem reportados quaisquer tipos de toxicidade (1).


Referências Bibliográficas

  1. ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
  2. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.

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